O Rugby e o valor da responsabilidade social activa

Francisco IsaacMaio 13, 20207min0

O Rugby e o valor da responsabilidade social activa

Francisco IsaacMaio 13, 20207min0
Num momento tão delicado como este, a responsabilidade social é essencial para ajudar quem mais precisa. Será que no desporto e, neste caso, no rugby é possível fazer parte deste movimento?

É inegável que a chegada do SARS-CoV-2 afectou todos os sectores sociais e económicos que compõem a sociedade portuguesa, europeia e mundial, sendo que um determinado número de países estará em pior situação devido às condições precárias de higiene, difícil ou nenhum acesso a água potável ou a plataformas de abastecimento e um fraco ou até inacessível apoio médico/hospitalar (Índia ou Brasil são dois países que enfrentam este problema, fora das grandes cidades ou zonas cosmopolitas por exemplo).

É factual que uma grande maioria da população empregada em Portugal foi alvo de layoff ou de cortes salariais, não esquecendo que uma significativa percentagem não tem acesso a qualquer rendimento por ter visto a sua situação laboral paralisar por completo, abrindo-se uma crise não a nível de saúde, mas de carência social e alimentar. Se o programa de apoio estatal português tem conseguido absorver uma parte do impacto negativo do SARS-CoV-2, a verdade é que quem já estava numa situação de dificuldade sofreu uma agravante e enfrenta uma realidade preocupante nos próximos meses.

No meio das exigências e da tirania perpetuada por uma parte da população que se serviu da mensagem de “fiquem em casa” para invocarem um espírito negativo e de completa despreocupação real para com o próximo, houve outra que percebeu a necessidade de criar uma rede e linha de apoio a quem mais precisa, que vão desde levar alimentos, medicamentos ou outro tipo de produtos às residências, sem procurar protagonismo, ganhos económicos ou qualquer outro tipo de retorno.

Esta tem sido a missão de emblemas como a Escola de Rugby da Galiza, Agrária Rugby, CR Évora, CRAV ou do Clube de Rugby de São Miguel, clubes que efectivamente realizaram acções de apoio, em especial o clube da linha de Cascais e os bulldogs. Como sempre, a ER Galiza tem tentado manter o seu trabalho de projecto social, com um compromisso de inegável valor numa excelente demonstração de como um clube pode ter um acção constante junto de quem mais precisa, sejam jovens, adultos ou idosos, não se negando a nenhuma função mesmo neste período de confinamento e controlo de movimentos.

Para os lados de Alvalade, as acções de voluntariado do CR São Miguel têm sido levado a cabo desde o fim do mês de Março oferecendo um apoio essencial a pessoas que estão em situação precária ou que não tenham capacidade para se deslocar a supermercados ou outras plataformas de acesso a recursos alimentares como já foi reportado por outros meios de comunicação social (SIC por exemplo).  o que oferece uma plataforma de reconhecimento e notabilidade ao rugby português, e que faz falta para fazer frente às concepções erradas ou mal demonstradas em certas ocasiões.

Podendo parecer uma opinião cínica e oportunista, a verdade é que o voluntariado e este carinho e preocupação com a população por parte destes clubes não pode não ser aceite e visto como boa publicidade, pois mostra o quão inspirador pode ser um dado emblema de uma modalidade que não é o futebol, vincando bem os seus valores num período de suspensão de certas liberdades (especialmente a acesso a emprego temporário) e em que houve um aumento preocupante das desigualdades sociais, como o Estado Português já tinha vincado que iria acontecer.

Mesmo com uma paragem total na área desportiva, com cancelamento de campeonatos e de treinos seja de veteranos, seniores ou formação – elemento onde os clubes iam buscar parte de uma receita importante para a sua sustentabilidade -, houve capacidade de criar uma massa voluntária associativa que se recusou a simplesmente se fechar em casa, ficar no computador a criticar e negar que existiam outros indivíduos em grandes dificuldades a precisar de ajuda e de um apoio total. Feito em segurança, com mecanismos desenvolvidos de acordo com a Direcção Geral da Saúde, a verdade é que o rugby português pode ter aumentado a sua dimensão humana com as acções praticadas quer por estes clubes, quer pela Federação Portuguesa de Rugby (constantemente adquiriu enlatados e ofereceu-os em benefício de quem se encontrava em situação de precariedade, numa acção acompanhada pelo Chef Olivier e SOUMA) ou por atletas que quiseram dar a cara por este tipo de movimento que ajuda a definir o papel do rugby fora das quatro linhas.

O rugby deveria conseguir mostrar que é uma modalidade fora dos parâmetros-estereotipados concebidos por uma parte do público, de uma “elite” ou pseudo-“elite” que tenta bloquear caminhos aos newcomers, que vive num “mundo” à parte em termos de oportunidades e dificuldades e que se acha superior… contudo, enquanto uns realmente trabalham diariamente para construir novas “pontes” ou uma bola oval de todos com acções de voluntário fora dos campos e uma atitude de integração e apoio dentro, outros publicamente apoiam atitudes e palavras de deputados que se têm envolvido em comunicados pautados por xenofobia e racismo, envenenando esta “missão” de mostrar um rugby português são, positivo e sem comportamentos/atitudes contrárias aos valores postulados.

Este momento de clausura (que vai terminar de forma espaçada e vai envolver uma subida no número de casos, o que é natural de acordo com alguns virologistas e especialistas da área) foi e é uma oportunidade para a oval sair para a rua, de se envolver directamente com a sociedade – como já se fez em acções contra a violência doméstica e bullying – e de prestar um serviço não por obrigação nem dever, mas porque faz sentido de acordo com as lições e valores ensinados no rugby desde o primeiro dia em que se entra num clube. O ser um colectivo, de trabalhar em equipa serve para todos os cenários e a comunidade é bem maior do que as cores da camisola do clube X ou Y, pelo qual as pessoas jogam, treinam, dirigem ou apoiam.

Luís Supico, cronista do Fair Play e treinador do MRC Bairrada, explicou o quão importante é o rugby sair à rua e estar envolvido em acções de voluntariado de apoio ao Covid-19

O rugby é um desporto de comunidade: não só pelo espírito de sacrifício e entreajuda que fazem parte intrínseca do jogo e dos jogadores, como da procura de ligações dos clubes com os seus bairros, aldeias regiões, cidades, pessoas e instituições que estão mais perto.

O rugby é uma escola de vida: não só pelo que nos ensina dentro de campo (disciplina, respeito, empatia, superação) mas também o que levamos para a sociedade depois dessas lições.

O rugby é diferente entre iguais: não só porque promove um desporto, mas acima de tudo porque promove um espaço onde todos e quaisquer que queiram podem, trabalhando para isso, ser parte importante das suas equipas, tenham muito, pouco ou nenhum talento natural.

O rugby é um exemplo porque, reunindo todas as coisas que nos definem, ajudar quem mais precisa faz parte do dia-a-dia. Seja clubes, pessoas ou instituições, o rugby tem sido um exemplo de apoio e voluntariado – e mais farão se conseguirem, não tenho dúvidas.


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