Eleições na Federação Portuguesa de Rugby: qual o futuro que se quer?

Francisco IsaacFevereiro 14, 201917min0
Depois de meses de indefinição a Federação Portuguesa de Rugby ainda não divulgou data para eleições. O que está em jogo e os prováveis candidatos neste artigo

Não vão haver eleições para a Federação Portuguesa de Rugby… seria uma abertura falaciosa e demasiado polémica, correcto? Contudo, ao fim de quase 9 meses desde que se deu a demissão da anterior direcção, clubes, dirigentes, delegados, jogadores, treinadores, e todos os outros envolvidos na oval lusa continuam à espera de uma data para as eleições, de modo a que se abra o debate, discussão e se escolha o futuro do rugby português (que possivelmente será lançada nos próximos dias…).

Poderíamos dizer que o rugby português está em antecâmara para as eleições para a Federação Portuguesa de Rugby, num momento extremamente delicado da instituição que pode estar à beira de uma situação ruinosa, uma vez que a falência técnica já assumiu o “lugar” e carece de fundos para manter a aposta em várias e determinadas áreas.

CANDIDATOS APRESENTADOS MAS SEM DATA PARA DEBATER O FUTURO

A possibilidade de venda de património, redução de apoios à arbitragem a nível juvenil e potenciais cortes no staff técnico interno são as novidades do momento, mostrando que a FPR necessita de uma reformulação profunda, sem deixar de apostar na modalidade de uma forma organizada, lógica e sensata.

Depois de uma demissão em bloco da antiga direcção liderada por Luís Cassiano Neves e de uma suposta fase rápida de transição, seguem-se eleições que poderiam ter sido em modo antecipadas, uma vez que entre Junho de 2018 e Fevereiro de 2019 os problemas agudizaram-se e a realidade nacional tem vindo a piorar constantemente. Infelizmente, a não-pressa da administração da FPR parece ser contrária ao que a modalidade necessita e a cada dia que passa mais questões são levantadas.

Neste momento só duas candidaturas ganharam forma, uma liderada pelo antigo presidente do CDUL, Lourenço Thomaz e outra pelo antigo presidente da Federação Portuguesa de Rugby, Carlos Amado da Silva, que liderou os destinos federativos entre 2010 e 2015.

Lourenço Thomaz presidiu os universitários de Lisboa durante mais de uma década, tendo sido um dos construtores do voltar aos títulos por parte do CDUL, para além da galvanização da formação do clube que entretanto tem vindo a somar más prestações nos últimos dois anos. Ironicamente, desde a saída de um dos nomes mais importantes da vida do CDUL do Século XXI os problemas do emblema lisboeta tem vindo a piorar e fica a dúvida qual será o seu futuro, para além do porquê de tal queda a nível de resultados e não só.

Carlos Amado da Silva foi um dos responsáveis por guiar a AEIS Agronomia ao topo do rugby português, que somariam o 1º (e único) título de campeões portugueses e Ibéricos em 2007 e 2008, respectivamente, numa altura em que o clube da Tapada se mostrava como cabeça-de-série a par do GD Direito e CF “Os Belenenses” na oval lusa.

Entre 2010 e 2015 assumiu as rédeas do destino da FPR, num período em que a modalidade conviveu com bons e maus momentos, com sucessivos diferendos com alguns seleccionadores (Errol Brain ou Tomaz Morais são os casos mais mediáticos) entre outras questões que criaram um mal estar em 2015, altura em que se deu uma das eleições mais concorridas da FPR.

Dois candidatos com uma profunda experiência na modalidade e com várias conquistas e honras, ambos de Lisboa (questiona-se a inexistência de candidatos fora da capital, uma vez que há excelentes dirigentes tanto no Porto, Coimbra ou Braga com olhos para o futuro da modalidade), cada um com uma forma distinta de ver a possível evolução da modalidade, entre outros pormenores, apresentaram-se ao serviço para dar a volta à situação actual. À data da redacção deste artigo desconhecem-se os programas eleitorais, não se sabendo quais as principais preocupações ou objectivos de ambas as candidaturas.

As opiniões públicas da gestão da FPR em 2015 na voz de Lourenço Thomaz (Foto: Publico)

ESTATUTO PÚBLICO EM RISCO E FALTA DE PROJECTO A CURTO/MÉDIO/LONGO PRAZO

O momento caótico que se vive na FPR tem sido visível e as últimas decisões tomadas em algumas “pastas” poderão precipitar para um avanço apocalíptico no sentido do IPDJ rever o estatuto de utilidade pública da instituição, um pormenor que poderá dinamitar a modalidade em Portugal por inteiro.

Falamos da questão da nomeação de árbitros nos jogos de sub-18 Grupo B e sub-16 Grupo A e B que passam, supostamente, a partir de Fevereiro para os clubes, ficando a Federação isenta de os nomear e escolher, promovendo só cursos rápidos de arbitragem e de um apoio logístico.

Esta decisão que foi tomada à revelia dos clubes e algo contestada na última Assembleia Geral da FPR, vai contra os regulamentos e estatutos da própria instituição numa clara ilegalidade praticada que pode forçar ao Estado Português remover o investimento e estatuto de utilidade pública. Para duplicar a situação extrema, os caos que tem sido vislumbrado em alguns jogos de sub-18 (agentes desportivos a passarem-se como árbitros oficiais da FPR sem terem a licença renovada ou sequer tirada) e sub-16 (resultados alvos de contestação no final do encontro e decisões “salomónicas” federativas duvidosas e sem vontade de investigar a fundo a questão).

Seria o principio do fim e que os novos candidatos à Federação Portuguesa de Rugby teriam de enfrentar como o primeiro e maior problema no imediato, algo que poderia criar ainda um maior cisma entre clubes, federação, jogadores e dirigentes.

Nos últimos 5 anos Portugal perdeu destaque e posicionamento no que toca ao nível sénior de selecções, caindo em 2016 para a 3ª divisão de rugby europeu de XV (se contarmos com as Seis Nações) do qual nunca mais saiu e que terá sérias dificuldades no futuro de fugir a essa realidade.

A somar-se a esse pormenor veio a saída do Circuito Mundial de 7’s, um dos poucos veículos promocionais que o rugby português deixou de poder contar depois da decisão da direcção de Luís Cassiano Neves em renovar a equipa de 7’s, alegando entre vários argumentos que as World Series tinham mais custos que benesses, algo que foi revisto como falso.

A nível de sub-18 e sub-20 o sucesso destes escalões foi garantindo graças aos profundos esforços das equipas técnicas nacionais que souberam conviver com a falta de apoio e investimento por parte da Federação liderando com qualidade no sentido de catapultar o valor dos jovens para outro patamar. Um possível problema que terá limitado o maior desenvolvimento destas equipas passou por não garantir melhores condições de treino (estágios, jogos amigáveis com equipas de fora, etc), apesar dos excelentes resultados atingidos sobretudo por Luís Pissarra nos sub-20.

Os clubes nacionais têm 50% do sucesso, ao terem conseguido formar melhores jovens nos últimos 10 anos, graças ao Mundial de Rugby 2007 Boom e aos esforços das equipas técnicas locais, não esquecendo o trabalho e dedicação dos jovens jogadores portugueses que trocaram parte do seu tempo de férias e descanso para servirem a selecção Nacional.

A QUEDA INTERNA COMPETITIVA E A FALTA DE ACÇÃO NO EXTERIOR

Contudo, a Divisão de Honra caiu em qualidade, os principais emblemas nacionais começaram a sentir mais dificuldades até para rivalizar contra os seus homólogos espanhóis e apesar da boa consonância de jovens e estrangeiros de qualidade, o campeonato continuou a apresentar alguns problemas. Lembrar que nos últimos cinco anos mudaram-se os modelos competitivos por quatro ocasiões, sendo que a era Cassiano Neves foi responsável por três alterações, a última das quais de uma redução de 12 para 8 clubes na Divisão de Honra.

A falta de lógica prática nas decisões tomadas foram prejudicando a modalidade em termos de evolução, sem falar dos problemas financeiros que aumentaram de ano para ano, no qual os clubes portugueses têm também a sua quota de culpa.

Exemplo disso, é o valor de inscrição que cada emblema paga por época que representa um valor simbólico quando comparado com outras modalidades em Portugal e ainda mais reduzido quando se olha para o que os congéneres clubes espanhóis desembolsam só para participar nas divisões séniores. Este ponto foi um dos motivos de afastamento entre a direcção de Cassiano Neves e os dirigentes de vários emblemas nacionais, levando a que não fosse aceite o Orçamento Federativo de 2017 e 2018.

As (supostas) dificuldades económicas sentidas anualmente são uma das razões para o não-aumento deste valor de inscrição por atleta, no qual só uma mão-cheia dos clubes das três divisões propuseram e aceitavam essa subida com a consciência de que a Federação necessitava de um maior apoio financeiro. Entre acusações, dúvidas e problemas dos dois lados, o rugby português tem sofrido problemas de crescimento que carecem de uma resposta célere, inteligente e cuidada.

Por outro lado, têm se registado um aumento preocupante de agressões e situações infelizes dentro dos relvados que passou um pouco por todo o país, demonstrando que o ambiente actual é contra-producente para a modalidade. O Ganhar a Todo Custo tem levantado constantes problemas e a situação ainda piora quando é sabido que um número reduzido de clubes recusam-se a pagar as multas impostas pela Federação Portuguesa de Rugby, uma prova real da falta de valores e a falta noção das consequências quando é praticado algo ilegal ao jogo.

Com o aumento crescente do passivo, a falta de promoção e imagem (estalada) do rugby português e a queda contínua da selecção sénior de XV (os 7’s só agora é que voltaram a ter um ligeiro crescimento, depois de três anos de maus resultados), para além do desapoio à arbitragem ou ao desenvolvimento de novas áreas que permitam conquistar novos “territórios” em termos de investimento, a modalidade necessita de uma reformulação imediata a fim de crescer em números de atletas, árbitros, dirigentes, treinadores, antes de sonhar com profissionalismosCampeonatos do Mundo.

A falta de estratégia a longo-prazo e ausência de um espírito uno têm prejudicado o desenvolvimento da modalidade que apesar de ter boas novidades em termos de alguns clubes em Portugal ou de iniciativas (a APOIAR é um claro exemplo desse bom espírito da modalidade), necessita de uma maior lógica por detrás da modalidade e responsabilização em Portugal para que haja coesão evolutiva.

A desilusão na Alemanha (Foto: Rugby Europe)

A OPINIÃO DE QUEM DIRIGE E…TEM IDEIAS

O Fair Play recolheu a opinião de quatro presidentes de clubes em Portugal: Paulo Xavier (RC Montemor), Manuel Couto (CR Évora), Miguel Teixeira (CR São Miguel) e António Português (CDUP). Neste artigo terão a possibilidade de ler as posições, ideias e opiniões dos presidentes dos clubes alentejanos, que têm sido importantes no desenvolvimento da modalidade nessa região.

Com Paulo Xavier (RC Montemor)

Na qualidade de presidente do RC Montemor, um dos emblemas que representa o rugby no Alentejo, o que acha que tem de ser alterado já no curto-prazo? Sente que a FPR tem falhado com os clubes fora da região de Lisboa?

PX. A FPR tem, cada vez, de intervir na divulgação da modalidade, em todo o país, sobretudo as periféricas, para além de Lisboa, Porto e Coimbra, onde existem clubes com algumas implementação e alargar a sua actuação aos concelhos limítrofes, permitindo, junto das escolas (primárias, EB 2,3 e secundárias), dos professores de educação física e das câmaras municipais, com os respectivos técnicos de desporto, apresentar o rugby, despertar o gosto pela modalidade e, em definitivo, para além do desporto escolar, incentivar as escolas a integrá-lo nos seus currículos de Educação Física. A palavra-chave tem que ser “Massificação”! Aumentar fortemente o número de atletas e, consequentemente, de adeptos.

A FPR tem “esquecido” muitas vezes os clubes do interior do país, tendo perdido até, nos últimos anos, alguns núcleos de rugby fora das grandes cidades (como por exemplo: Portalegre, Borba, Estremoz, Vilamoura, entre outros).

O último ano de dificuldades e problemas entre Federação e Clubes pode debilitar o futuro da modalidade em Portugal? Como se pode reverter esta imagem?

PX. A FPR e os clubes, têm que ter um objectivo comum: fazer crescer o rugby nacional (não sei se todos têm consciência disso, mas em Portugal existem menos de 7000 atletas federados e o rugby é apenas a 17ª modalidade mais praticada). Quanto mais clubes existirem mais atletas haverá a praticar a modalidade e, por consequência, mais adeptos existirão (a falar de rugby, a ver rugby, a consumir rugby).

Para além disso devemos, sem qualquer dúvida, melhorar a qualidade dos jogos, melhorando a qualidade dos seus intervenientes, principalmente, jogadores e árbitros. Existindo esta base comum, este sentido de cooperação pelo bem da modalidade (ao invés de procurar exclusivamente o bem do clube de cada um), podemos e devemos passar a imagem de que o rugby é uma modalidade diferente e de valores sociais.

É fundamental, por isso, ter uma Direcção capaz de trabalhar em prol do rugby e de servir o rugby.

Que áreas ainda faltam explorar para o rugby em Portugal? E qual é o seu desejo para o futuro a nível da modalidade em Portugal?

PX. No momento em que se conseguir atingir um maior número de adeptos e atletas, podemos e devemos alcançar, com maior regularidade, os meios de comunicação social, ganhando espaço em canais televisivos, com um “magazine” semanal com os jogos realizados a nível nacional e de seguida eleger alguns jogos para transmissão em directo – aumentando a visibilidade do rugby a nível nacional é mais fácil chegar a novos atletas e aos tão importantes patrocinadores e apoios institucionais. Estes últimos são essenciais para o aumento da qualidade do desporto.

O problema, neste campo, é a falta de organização e de preparação dos calendários nacionais (e aqui é de sublinhar que a World Rugby também não tem sido nossa amiga) o que cria um clima de incerteza… Que jornal/canal televisivo vai publicar um calendário, resultado ou qualquer informação que possa estar errada?

Há um ou outro assunto que gostava de ver abordado e discutido, nomeadamente: a possível deslocação da equipa técnica da seleção sénior a França para observação e realização de treinos com os jogadores selecionáveis (portugueses e luso-descendentes) que por lá jogam; e reunir esforços para que um representante português esteja num cargo directivo da World Rugby.

Por último, é muito importante apostar fortemente nos Sevens, como representação preferencial das seleções nacionais e entrar de novo no Circuito Mundial. Isto representaria um importante encaixe financeiro para a FPR e ajudaria a relançar a imagem do rugby nacional.

O desejo, julgo do RCM e de todos os outros agentes desportivos e clubes é o de ter mais e melhor rugby em Portugal.


Com Manuel Couto (CR Évora)

Espera alguma mudança com as eleições para os cargos de decisão da Federação Portuguesa de Rugby? O que tem de ser tomado como prioridade para si?

MC. Na minha opinião a prioridade é para o Rugby Português e não para mim ou para outro clube individualmente.

 O que se espera após as eleições é que a direção eleita trabalhe para desenvolver o Rugby a nível Nacional e Internacional e que não centralize a sua atividade exclusivamente em Lisboa. Na nossa perspetiva, uma das prioridades do Rugby Português é a competição Nacional.

Esta deve ter de resultar de um pensamento com alguma maturidade, de forma a que possa encontrar um modelo com unanimidade e estabilidade, em vez de todos os anos estarmos a efetuar alterações. Estas constantes mudanças, afeta o desenrolar das competições, tanto a nível sénior como nos escalões Sub 16 e Sub 18. Seria talvez importante, haver uma pré competição a nível regional antes de se iniciar as competições a nível nacional, nos séniores e nos outros escalões de competição.

A nível internacional é urgente dar prioridade (mesmo) aos Sevens. Para podermos atingir este objetivo há que calendarizar de forma séria e assumida, as competições Nacionais.  Neste ponto, podemos ir mais longe, ir ate ao escalão Sub 14. Para podermos atingir níveis competitivos de realce, temos que ter muito mais competição, um campeonato Nacional com 6 jornadas no mínimo. 

Há que ter um grupo alargado de jogadores entre os 17 anos e os 20 anos a trabalhar em Academias regionais de Sevens. Em relação à seleção de XV, temos que ter sempre a possibilidade de poder contar com a presença dos melhores jogadores elegíveis para jogar por Portugal. Ativar novamente as Academias Regionais, e, por conseguinte, as seleções regionais que permitirão manter um elevado número de jogadores, num nível que permita a ascensão às seleções principais.

Ao mesmo tempo esperamos poder contar com uma competição de Seleções regionais de XV e Sevens nos escalões Sub 16/18 e sénior.

Em termos de visibilidade, acha que o rugby português consegue recuperar a imagem e sucesso de 2007?

MC. É possível recuperar, depende muito do trabalho que a nova direção ira implementar, caso seja mais uma vez para servir os interesses próprios, iremos continuar na mesma ou piorar ainda mais a situação do rugby atual. Temos que ter uma nova direção virada para o Rugby nacional e não para alguns clubes de uma região.

Qual é a direção que queremos ir no futuro? É possível criar uma união na modalidade?

MC. Conforme respondi anteriormente , a direção que queremos é uma direção que trabalhe no sentido de aumento da competitividade a nível regional e nacional, de clubes e seleções (regionais e nacionais) no Sevens e no XV e não responder a interesses pessoais.

A união na modalidade passa muito pela seriedade do trabalho que a direção eleita irá efectuar.


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