As Crónicas do Sr. Ribeiro – O “Best Seat in the House”

Fair PlayNovembro 21, 20175min0

As Crónicas do Sr. Ribeiro – O “Best Seat in the House”

Fair PlayNovembro 21, 20175min0
Tem o árbitro o Best seat in the house? O Sr. Ribeiro fala da sua experiência como árbitro na primeira Crónica do Sr. Ribeiro para o Fair Play

Os ingleses dizem que a arbitragem é o “best seat in the house”, mas a opinião dominante em Portugal não é essa.

O cenário é negro. Pelo menos é assim que nos pintam. Talvez seja porque dessa forma só precisam de gastar uma cor e uma pincelada, evitando procurar outras soluções, formas e cores.

Da bancada ouve-se “Só não viu porque não quis!”, do banco, o treinador, “não ligues, ele não sabe!”, no próprio campo, os jogadores clamam pela vida “é falta árbitro!!!”

Árbitro? Então e o “senhor?” não era isto rugby? O tal desporto que apregoa valores. Ou os valores são suspensos por nossa conveniência?

Ter-se-á o lugar do árbitro convertido do melhor para o pior do estádio?

Este fim-de-semana arbitrei dois jogos, as mesmas duas equipas, em dois escalões diferentes. Os resultados foram quase idênticos com as vitórias da equipa visitante, por números claros.

No entanto, o primeiro jogo correu lindamente, no segundo nem por isso. Qual foi a diferença?

No primeiro jogo apanhei duas equipas cheias de vontade de jogar. Só isso.

Queriam jogar e jogar. Ao intervalo o treinador da que ganhava falava aos seus jogadores “Estão a ver? Isto é que é rugby! Não se estão todos a divertir?? É isso que importa!”.

Na outra ponta do campo, conferenciavam os que estavam atrás do resultado “Não vamos baixar os braços e vamos lutar até ao fim”.

Um ensaio espalhafatoso marcado pela equipa da casa, “futeboleiro” apressou-se um companheiro de equipa a desdenhar o marcador. O capitão saltou logo dando os parabéns ao que marcou, pedindo calma a ambos.

Todos estes pormenores escapam a qualquer pessoa que não esteja bem no meio do campo, no olho do furacão.

Estar no “best seat” permite-me estar envolvido. Ver de perto jogadas fantásticas, bem estudadas e trabalhadas, ver a cara dos placadores agressivos que colocam toda a intensidade num movimento. Permite-me, sem a pressão do resultado, sentir e participar num jogo de rugby.

Então e o segundo jogo?

No segundo jogo, talvez por más decisões, talvez por vontade dos treinadores e jogadores, fui algumas vezes expulso do lugar de espectador privilegiado e forçado a ser protagonista.

Desde a primeira falta que assinalei, da qual tenho 100% de certeza, que todas as minhas decisões foram escrupulosamente sindicadas. De repente, tinha eu próprio um treinador, em tempo real.

Ao fim de algum tempo, com o resultado a dilatar, a pressão de fora do campo passou para os jogadores e fiquei com meia equipa bastante insatisfeita com todas as decisões. Mesmo as que lhes eram favoráveis, parecia que as tinha tomado obrigado.

Confesso que houve momentos em que desejei estar em qualquer lado que não fosse aquele campo.

Mas não foi esse o compromisso.

O compromisso que assumi foi de tentar tornar-me árbitro, porque pretendo ser parte da mudança que quero ver no meu desporto. Não me chega contestar decisões que julgo erradas, tenho de tentar contribuir para melhorar o jogo.

Eu sei que jogos destes em que falta clareza às minhas decisões irão acontecer e vou ter de aprender a viver com as consequências. Estar no melhor lugar não é apenas ver o bom.

É estar num lugar onde se apanha tudo, ou grande parte. E isso incluí também o mau. Inclui um árbitro com decisões duvidosas, mas também o modo como os outros intervenientes se comportam com esse árbitro.

Considero-me praxado. Tive o meu primeiro jogo difícil.

Como este jogo não houve observador, quero acreditar que acertei mais do que errei. O resultado final ajuda-me a aceitar que não influenciei o desfecho do jogo.

Ainda assim, saí do campo altamente frustrado. Não apenas pelos erros que cometi, mas porque não consegui “vender” um papel constante e regular. Uma das equipas saiu com impressão que foi prejudicada e isso eu não posso aceitar.

Preferia que as objecções tivessem sido de ambos os lados, aí eu só era mau árbitro. Mas foram e vieram quase sempre do mesmo banco, quer dizer que só vi um lado, e isso não posso deixar que volte a acontecer.

Sei que estou no princípio e tenho um longo caminho pela frente. Mas os jogadores e treinadores não têm nada a ver com isso. Eles querem, e têm esse direito, chegar e jogar e ter um árbitro competente que os ajude. Não podem estar sujeitos a sair de campo e pensar que eu estava contra eles.

Tenho acesso ao melhor lugar da casa, terei de agir em conformidade e aceitar o jogo como ele é. Mas, sobretudo, se quero ver o melhor, do melhor lugar, não posso permitir que uma equipa se considere prejudicada pelo meu trabalho.

Acabo este fim-de-semana como comecei, convencido que a carreira que eu iniciei no meu desporto de sempre é difícil, mas é a certa para mim, mesmo que às vezes me apeteça fugir, é que todas as outras vezes é fantástica, estou no best seat in the house e vou aproveitar a viagem.


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