Crónicas do Sr. Ribeiro: Auto-avaliação
Este fim-de-semana arbitrei, provavelmente, o meu último jogo desta época. O rugby está quase a acabar, enquanto a época das provas de montanha está a começar. Cada vez mais serão actividade incompatíveis. Neste último jogo já não me senti 100% capaz de acompanhar o ritmo, por causa de fadiga acumulada.
Assim sendo, é tempo de fazer um balanço do que se passou.
Em primeiro lugar, a experiência como árbitro foi muito positiva, tendo excedido largamente as minhas espectativas.
Contrariamente ao que pensava, raras vezes senti alguma falta de respeito. Aliás, senti-me ajudado. Senti, na maioria das vezes, um cuidado enorme no tratamento por parte de jogadores, treinadores, pais e até avôs com quem tive oportunidade de falar.
Fui questionado sobre muitas decisões. Algumas tive de reconhecer que errei, outras tive de reconhecer que nem sequer sabia e ainda umas quantas que acertei obriguei-me a pensar porque estava certo, em vez de acreditar no imediatismo da decisão.
Por falar nisso, a maior dificuldade é mesmo essa, a do imediatismo. Todas as decisões têm de ser imediatas. Incluindo a famosa do “delay”. Se o jogador que apanha a bola na sua área de ensaio vinda de pontapé de saída/ recomeço e faz toque de meta, assinalo de modo diferente consoante a porcaria do tempo que ele tem a bola na mão… E lembrar-me disto tudo, em menos de um segundo?
Outra dificuldade, é que eu só posso assinalar o que vejo, mesmo que acredite que houve um avant, se não o vi, não posso marcar, como parece que aconteceu este fim-de-semana antes de um ensaio de uma das equipas. Felizmente, a equipa que sofreu o ensaio, era de um nível muito superior ao árbitro que lhes calhou e aceitou a decisão, mesmo que, na altura, isso os tenha passado para trás no marcador.
Uma das coisas que descobri é que o árbitro não é apenas um juiz, é um garante da paz social. Mais do que assinalar faltas, e tentar comunicar de modo a assinalar menos, eu tenho de vender a minha versão do jogo, de modo a garantir a paz dentro de campo.
Isso levou-me a cometer a maior injustiça da época… Tive de mandar recuar 10 metros a equipa dos Jaguares, em Cascais, por palavras do seu capitão.
O jogador, que já era o quarto jogo que me apanhava, respondeu-me “Senhor Árbitro, conhece-me, sabe que não falto ao respeito”. Conheço. E custou-me fazer o que fiz, mas a outra equipa não sabe que já nos conhecemos e não posso permitir que achem que qualquer jogador tem mais margem de manobra. Acho que fico a dever uma cerveja ao capitão.
Outra cerveja que devo será, talvez, ao capitão do CRAV, de sub 18. Num maul, um jogador de outra equipa entrou-lhe mesmo à mau, nos rins. Uma coisa feia. Mas pareceu-me, no tal imediatismo, que foi legal. O treinador, mais longe, com melhor visão, garante que não. Garante que foi ilegal. Ou seja, em vez do “play on” que julguei, seria o meu primeiro cartão vermelho (o tal que não utilizei toda a época). Ainda não vi o filme, por isso não sei se cometi uma tremenda injustiça. Espero mesmo que não.
Do meu lado, tentei sempre manter-me de fora. O que fui no rugby (no meu caso, o que não fui) não vai mudar. A minha carreira acabou. Agora sou árbitro, o árbitro está lá para ajudar o jogo.
Até o faço, não me julguem um anjinho papudo, por motivos egoístas Faço-o porque me divirto e porque me sinto útil a um jogo que adoro. Mas não o faço para tirar algum protagonismo, esse é dos jogadores e treinadores.
Quem manda ali são eles.
Eu estou lá a tentar que tudo corra da melhor forma possível. Eu ponho as coisas do seguinte modo, um árbitro mau estraga um jogo bom, facilmente. Mas o melhor árbitro do mundo, não vai tornar um jogo mau em bom. Talvez ajude os jogadores a divertirem-se mais, fazendo menos um par de faltas e jogando com mais segurança, mas não marca ensaios, nem corre com a bola.
Não gosto particularmente de me ouvir, nem sinto que tenha sempre razão. Aliás, todas as minhas decisões são, evidentemente, sindicáveis, o que até agradeço, pelos motivos que já disse, ou aprendo com os erros, ou sou obrigado a saber porque acertei.
De qualquer forma, somos do rugby. Não temos de concordar todos, nem temos que ficar contentes com as más decisões. Parte do desporto é irreverência e coragem.
Não me chateio, nem um bocadinho, em parar um minuto para explicar uma falta. Ou de ficar no fim do jogo a discutir o que se passou, com quem seja. Desde que isso seja feito de forma civilizada.
Deixo para memória futura alguns pontos altos:
1º jogo – CRE – CDUL – em séniores;
Jogo mais difícil – Técnico / Agronomia – sub 18
Jogo mais fácil – São Miguel / Elvas – sub 18
Jogo mais divertido – Agronomia / CDUP – sub 16
Equipas que mais gostei de arbitrar – não consigo escolher só uma:
– Direito sub 16 – uns Senhores e com um rugby muito positivo, bola sempre a mexer, muito divertido
– Agronomia sub 16 e sub 18 – os mais novos pela evolução e vontade de jogar – os mais velhos pela qualidade de jogo
– Galiza – de A a Z. – Tudo o que tem a mão do atelier da Galiza é fantástico. Apanhei-os em sub 16, sub 18 com os Jaguares e Séniores. São sempre impecáveis, não deixando de ser francos e sinceros. Corrigem-me quando há para corrigir, parabenizam quando acham que mereço, mas nunca deixam de ser os maiores.
Enfim… Uma época em que arbitrei mais de 20 jogos, equipas de Norte a Sul do país. Tive oportunidade de ver velhos amigos, de encontrar antigos rivais, de rir com os jogadores, às vezes, de sofrer com eles, ajudá-los a levantar. Encorajá-los, mesmo quando não eram a minha equipa.
A arbitragem deu-me uma oportunidade única de me manter ligado ao desporto que sempre quis.
Foi um ano fantástico.