Se eu tivesse que te convencer a jogar ou ver rugby

Fair PlayAbril 6, 20187min0

Se eu tivesse que te convencer a jogar ou ver rugby

Fair PlayAbril 6, 20187min0
A pergunta é simples e desafiadora: como convencer a jogar ou ver rugby? Hélio Pires lança alguns argumentos para te agarres ao Mundo da Oval

O ano passado, um estudo da UEFA concluiu que as Seis Nações são o campeonato com a maior assistência média. Claro que o resultado é obtido pela divisão do total de espectadores pelo número de jogos, pelo que as Seis Nações, ao terem uma quantidade limitada de partidas, vão ter uma média obviamente mais elevada.

Ainda assim, não deixa de ser digno de nota para um torneio entre apenas seis selecções nacionais e uma modalidade cuja popularidade, apesar de crescente, está ainda assim atrás da de outros desportos – mais ainda em Portugal. E se se quisesse fazer frente a isso numa situação quotidiana, tentando convencer um não-aficionado a aficionar-se e a seguir as Seis Nações, o que é que se poderia dizer?

OS TRAÇOS GERAIS

O melhor é começar pelas regras, porque é difícil gostar de um desporto que não se percebe. Mas como a maioria das pessoas em Portugal só conhece mesmo bem uma modalidade, a tentativa de perceber o râguebi quando não se cresceu com ele é um pouco como aprender uma língua nova e diferente depois de décadas a saber apenas português. Artigos definidos sufixados, declinações e plural dual – o que é isso? Ruck, maul, penalidades a valerem menos que um ensaio e mais do que uma conversão – oi?

Primeira coisa: os postes não são uma baliza e a bola tem que passar sempre por cima da trave, não por baixo. Mas o grande objectivo é poisar a oval em qualquer ponto da área rectangular que se estende atrás dos postes em toda a largura do campo. Chama-se a isso um ensaio, que vale cinco pontos, e dá direito a tentar marcar uma conversão, que vale dois.

Já as penalidades consistem em chutar a bola sem impedimentos para fazê-la passar por entre os postes (e por cima da trave!), mas as semelhanças com o futebol acabam aí. Primeiro, porque uma penalidade é determinada pelo tipo de falta, não pelo local onde ela é cometida, e depois a equipa beneficiada pode escolher uma de quatro opções: recomeçar com um toque rápido, chutar aos postes, chutar a bola para a frente e para fora, mas com direito a metê-la em jogo, ou optar por uma formação ordenada. É muita coisa, eu sei, mas há lógica nesta complexidade.

O toque rápido pode apanhar os adversários desprevenidos, enquanto chutar para os postes pode não ser exequível se o ângulo for tramado ou a distância excessiva. Lembrem-se: a penalidade pode ser marcada em qualquer parte do campo e dalguns sítios pode ser mais fácil chutar do que doutros.

Mas se for exequível, ela vale apenas três pontos, pelo que a equipa beneficiada tem que fazer contas: chega para passar à frente, dá para ganhar uma vantagem confortável ou é preciso mais? É que se for, o melhor pode ser chutar a bola para a frente e para fora, ganhando-se terreno que pode permitir marcar um ensaio e com isso arrecadar cinco pontos, potencialmente sete se se marcar também a conversão. Estratégia, pessoal. Estratégia!

Pergunta óbvia: tanta gente atrás de uma bola nas mãos não pode dar em molhada? Pode, mas por isso é que há uma coisa chamada ruck ou formação espontânea. É quando um jogador vai ao chão e os colegas de equipa põe-se à volta dele para proteger a bola e permitir que ela continue a ser passada. É uma anti-molhada, se quiserem, e o motivo pelo qual os jogadores da equipa adversária não podem simplesmente agarrar na bola mesmo que ela esteja disponível à frente deles. Se o fizerem, é falta.

Já agora, o árbitro é muito pró-activo e vai dando indicações, além de que usa microfone e câmara de vídeo. E nunca, mas nunca se pode passar a bola para a frente. Chutá-la sim, mas passá-la não. Nem sequer por acidente ou ressalto, porque isso é falta e nalguns casos pode dar cartão amarelo que, já agora, obriga um jogador a ficar fora do jogo durante dez minutos. De resto, os cartões são como no futebol.

HÁ ESTES DETALHES…

Há muito mais para dizer sobre as regras de râguebi, mas não convém dar grande dose logo ao início. Quanto às Seis Nações, decorrem anualmente no final do Inverno e são um grupo fechado. Não há qualificações ou descidas de divisão, embora volta e meia se vá falando disso, porque…

… é raro a Itália ganhar um jogo. Ok, não é a melhor forma de convencer alguém a ver o torneio, mas vamos evitar desilusões sendo honestos sobre as partes fracas, sim? Os italianos são quem mais perde e é frequente ficarem em último na tabela. Às vezes surpreendem, como este ano na primeira parte do jogo contra a Inglaterra ou na partida final contra a Escócia, mas em ambos os casos acabaram por perder.

Os jogos têm lugar ao fim de semana, mas não em todos. Costuma haver duas pausas, o que tanto pode quebrar o ritmo para quem se está a tentar aficionar, como dar para descansar e voltar a focar-se no desporto do costume para não parecer que se está a perder qualidades ou a pensar tirar o Ronaldo do altar.

E à semelhança do que sucede num torneio de futebol, o vencedor é quem, esgotadas as jornadas, acumulou mais pontos. Portanto, é possível ter-se um campeão das Seis Nações quando ainda há jogos por jogar – como foi o caso este ano (Irlanda) e o ano passado (Inglaterra). Nada de novo nisto para quem só conhece bem o futebol, por isso adiante.

… mas depois também há disto.

Se se pode ter um vencedor do torneio antes da última jornada, engana-se quem pensa que isso tira emoção aos derradeiros jogos. A preocupação é legítima, mais ainda quando não se tem o nosso país a competir e não há por isso amor à camisola que motive a ver. Mas mesmo os jogos que se limitam a cumprir calendário conseguem ser cativantes.

O Inglaterra-Irlanda deste ano é disso prova. Já se tinha vencedor, faltando apenas saber se era com grand slam ou não, mas mesmo assim a pontuação final foi de 15-24 e não faltaram ensaios e placagens in extremis, momentos certeiros do pé de Johnny Sexton ou passos atacantes de Eliot Daily. Estes nomes não dizem nada a quem não segue a coisa, mas pronto.

E o que vale para o último jogo vale para a competição no seu todo. Afinal, a Inglaterra, bicampeã e favorita a um terceiro título consecutivo, acabou em penúltimo lugar, enquanto o País Gales, no qual poucos apostavam, ficou em segundo. Deu logo sinal de muita vida quando, no primeiro do torneio, venceu por 34-7 a Escócia, que vinha com esperanças após um final de 2017 promissor, mas acabou em terceiro.

TARDE DEMAIS?

Ok, pergunta óbvia para acabar: não devia ter escrito este texto antes das Seis Nações? E a resposta seria sim, fosse este um país onde a popularidade do râguebi não estivesse abaixo do 1 na escala de Richter. Têm por isso um ano para pensar na coisa, irem-se deixando convencer e, chegado a altura, irem em grupo para um bar ou casa de alguém que tenha Sport TV. E para o ano há mundial, por isso… aficionem-se!


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