Escócia-Samoa? Venham mais jogos assim! – Coluna Hélio Pires

Fair PlayDezembro 5, 20176min0

Escócia-Samoa? Venham mais jogos assim! – Coluna Hélio Pires

Fair PlayDezembro 5, 20176min0
Já têm saudades dos Internacionais de Outono? Hélio Pires relembra um dos melhores jogos do último mês, o Escócia-Samoa! É um jogo para ver, rever e guardar

Há coisas que te dizem que estás no Outono, algumas, como a chuva, infelizmente raras este ano, outras infalíveis na sua regularidade anual, mas que também te mantêm dentro de casa. É o caso dos internacionais de râguebi, que para um adepto podem ter tanto de característica autunal quanto o cheiro a castanhas ou o pôr-do-sol a horas deprimentes. E como os jogos das principais selecções podem acumular-se todos no mesmo dia, mais vale dizer que é uma tarde inteira frente a um ecrã a ver pelo menos alguns deles.

Não vou fazer uma análise de todos os que já decorreram ou dos que ainda estão por decorrer, até porque esse trabalho já está a ser feito e bem pelo Francisco Isaac, que está bastante mais habilitado do que eu. Em vez disso, ofereço apenas a perspectiva de um adepto que, por puro fascínio pela modalidade, tira várias horas de um sábado para puxar de pipocas e colar-se à televisão, neste caso para ver a Escócia contra a Samoa, livro de regras de um lado e o telemóvel do outro, um para esclarecer dúvidas e o outro para ir seguindo outros jogos via Twitter.

Agora tu, agora eu

À partida, talvez não fosse de esperar um duelo muito emocionante, já que os escoceses estão em sexto no ranking mundial, dez lugares acima dos seus adversários do Pacífico. O expectável seria pois uma vitória dos primeiros e confesso que foi acima de tudo a afinidade afectiva que me fez querer ver o jogo. Chamemos-lhe o sport appeal de Stuart Hogg e companhia. Mas a decisão, afinal, valeu a pena.

O duelo teve várias doses de emoção, a primeira logo antes do apito inicial, quando as mais de sessenta e cinco mil pessoas que encheram Murryfield recordaram em silêncio as vítimas da Primeira Guerra Mundial.

Conforme disse no artigo anterior, entre elas estão jogadores de râguebi que combateram nas frentes de batalha, e naquela tarde de 11 de Novembro a homenagem teve sentido e sentimento acrescidos por ser o aniversário exacto do fim do conflito. E após o pontapé de partida, a emoção veio em ondas sucessivas, ora pela rapidez, ora pela alternância do domínio de jogo.

Começou logo ao minuto e meio, quando um chuto estratégico de Finn Russell nos 10 metros escoceses permitiu a Tommy Seymour fazer o mesmo nos 10 metros opostos e pôr a bola nas mãos de Stuart Hogg, que marcou o primeiro ensaio do duelo. Dir-se-ia que confirmava-se a previsão de uma vitória fácil da Escócia, mas a Samoa soube responder e, virando o sentido do jogo, assumiu o domínio na posse de bola até obter duas penalidades com que chutou para os postes. Falhou numa, marcou noutra e aos 12 minutos a pontuação estava 7-3, ainda as pipocas iam no início.

A Escócia conseguiu repor a vantagem de sete pontos pouco depois, mas houve nova injecção de emoção após os 17 minutos: uma falta samoana no ruck foi seguida de um passe rápido de Ali Price para Finn Russell, que com outro toque de pé meteu a bola nos 5 metros da Samoa, onde Lee Jones chutou-a in extremis para a zona de validação e Stuart Hogg poisou-a em queda, já de saída da área de jogo. Não foi ensaio – a vídeo-arbitragem mostrou que Jones não foi rápido o suficiente – mas acelerou o ritmo cardíaco.

Fazendo jus à terceira lei de Newton, de que para cada acção há uma reacção oposta, aos 27 minutos foi a vez da Escócia cometer uma falta no ruck e da Samoa, que tinha conseguido entrar nos 22 metros opostos, aproveitar a oportunidade para um toque rápido e, passo a passo, furar até à zona de validação escocesa. Ensaio, conversão marcada e a dez minutos do final a pontuação estava 13-10. E a coisa não ia acalmar até ao intervalo!

Após os 34 minutos, depois de Nainai-Williams ser empurrado para fora do campo, Stuart Hogg pôs a bola em jogo num ápice. Recebe-a Finn Russell, que é placado, acabando a oval nas mãos de Zanger Fagerson, também ele mandado ao chão e, no ruck que se seguiu, Ali Price passa a bola para Stuart Hogg e este para Huw Jones, que corre desde os 22 metros samoanos até à zona de ensaio, arrastando consigo um adversário. Isto tudo em 20 segundos! Foi o que bastou para a bola ir de um flanco para outro, com Stuart Hogg a começar de um lado e a fazer o passe decisivo quase no lado oposto.

Já se podia respirar? Não, porque, pouco antes do final da primeira parte, um mau passe da Samoa junto aos seus 5 metros quase gerou um novo ensaio escocês. Mas a Escócia acabou por marcar outra vez, estava-se já para lá dos 41 minutos, quando Stuart McInally poisou a bola após um alinhamento junto à zona de ensaio samoana. Com a pontuação em 25-10, chegava enfim a bonança do intervalo.

Agora tu, agora eu… a dobrar!

Bonança essa que não durou muito após o início da segunda parte, porque logo aos 42 minutos e meio Finn Russell finta vários adversários antes de entregar a bola a Ben Toolis, que por sua vez passa-a a Ali Price, o qual fura até aos 22 metros da Samoa. Não deu em ensaio, mas ele viria pouco depois, por via de um maul e pelas mãos de Stuart McInally. Outra vez!

A Escócia dominava? Pelo menos na pontuação, que nessa altura era de 32-10. Mas os samoanos voltaram a construir domínio e, após doze fases, marcaram outra vez aos 49 minutos e meio. Não sem polémica, já que nem a vídeo-arbitragem mostrava a bola a ser claramente poisada, mas o ensaio seguinte da Samoa, aos 61 minutos, foi mais óbvio, pondo a pontuação nos 32-24. Onde é que estava o domínio escocês? Retomou pouco depois, não fosse o jogo tornar-se previsível.

Aos 65 minutos e meio, Alex Dunbar fez o quinto ensaio da Escócia. Peter Horne falhou a conversão, mas o mesmo não fez Nainai-Williams uns meros dois minutos depois, após outro ensaio samoano, dessa vez por Kieron Fonotia. E para não deixar as coisas por aí, Peter Horne acrescentou cinco pontos perto dos 74 minutos, mais dois de uma conversão bem sucedida, seguindo-se a resposta da Samoa aos 76 minutos e meio, com novo ensaio e conversão. Quando o jogo finalmente acabou, a pontuação estava nos 44-38. Vitória escocesa, sim, mas suada.

Falando por mim, é disto que um adepto gosta! Imprevisibilidade, abundância de pontos – ao todo onze ensaios! – e a emoção que daí advém. E neste caso com o meritório extra de não ter havido um único cartão. Uma vez mais, é o tipo de jogo que fica e faz bem ao râguebi. Venham mais assim, por favor, que eu vou ali recuperar o fôlego e venho já.


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