Clube de Rugby São Miguel: será a hora dos Bulldogs?
Em Alvalade respira-se rugby… é este o princípio com que partimos após observar o impacto do Clube de Rugby São Miguel numa série de bairros e freguesias de Lisboa, em específico para os lados de Alvalade. Mas quem é o Clube de Rugby São Miguel? De onde vieram? E porquê dar este destaque todo a um clube que milita na Segunda Divisão portuguesa?
Respondendo à primeira, o CRSM nasceu em 1970, de dentro do Bairro de São Miguel, junto da Avenida de Roma em Lisboa. Durante largos anos disputou os títulos das divisões de juniores e juvenis, fazendo alguma “mossa” contra clubes como o CDUL, SL Benfica, CF “Os Belenenses” GDS Cascais, AEIS Agronomia, Académica (AAC), entre outros, impondo uma forma muito própria de jogar.
Apesar dos sucessos, o Rugby Miguelense entrou numa espécie de hiato durante quase 20 anos, removendo uma parte importante do rugby lisboeta do panorama Nacional. O São Miguel sempre tinha sido uma equipa reconhecida a nível de juniores (o extinto escalão sub-20/21/23 dos últimos anos, que foi substituído pelo escalão Challenge), com uma excelente qualidade.
Em termos de “marca”, os bulldogs metiam “medo” pela sua forma apaixonada, “agressiva” e de nunca desistir, algo que ainda está bem latente no clube e na recordação dos tempos passados (Carlos “Charlie” Lemos foi uma dessas glórias do passado Miguelista ou Dr. Américo Caetano Nunes, um dos principais formadores do São Miguel nos tempos iniciais). Por outro lado, o quase cair no esquecimento abriu um enorme vazio do rugby nesta zona de Lisboa, que só tinha (até à bem pouco tempo) o CDUL como grande representante do “coração” da capital.
Dentro da história dos “bulldogs” há alguns pormenores de interesse como o facto do pai do internacional português e ex-capitão dos 7’s, Frederico Oliveira, ter sido um dos grandes nomes a nível de juniores do São Miguel. Falamos de Hélder Oliveira que faz parte de um de “bloco” de jogadores que deixaram uma marca forte no clube de Alvalade.
Recomeçar e voltar a sonhar!
Mas os anos passaram, o rugby cresceu, Portugal ganhou à Geórgia, foi ao Mundial de rugby e houve um crescimento exponencial de novos atletas a entrarem nos clubes. E o São Miguel? Bem, a equipa voltou a dar passos decisivos em 2009 e em 2010 voltou à actividade. Numa entrevista em 2014 dada pelo presidente da altura, Diogo Vassalo, ao Mão de Mestre, foi explicado que houve um sentimento e desejo colectivo de reerguer o antes grande São Miguel.
Assim foi possível e o clube de 2010 até 2017 passou por autêntica super-revolução, que teve algumas dores de crescimento, mas necessárias para atingir o ponto actual. E qual é o ponto actual? A lutar pela subida de divisão com o CRAV, Caldas e Santarém. O clube que outrora estava na 3ª divisão Nacional, subiu em 2013 como vice-campeão (perdeu a final com o Sporting CP, em Abril desse ano) e nunca mais desceu apesar de algumas ameaças.
Dessa primeira-direcção ainda subsiste João Maia, que é agora vice-presidente do clube. Em relação a mais figuras, o Fair Play foi informado que “Durante os primeiros 20 anos da história do São Miguel, existem 3 figuras muito determinantes. O Dr. Cruz Rodrigues, que foi presidente do São Miguel por mais de uma década e que era simultaneamente o dono da Universidade Livre. Ele foi o verdadeiro mecenas do Clube, patrocinando tudo, desde treinadores, viagens, equipamentos, digressões. O seu braço direito era o Francisco Gentil Pimentel, o Kiko, era o operacional que no terreno garantia toda a gestão do Clube. Era dele quase todo o esforço de organização.”.
Os bulldogs não só sobreviveram à sempre difícil segundo escalão do rugby português, como foram dando algumas provas que estavam prontos para algo…diferente. Se o plantel entre os anos de 2012-2015 dependia muito de atletas vindos de outros clubes (desde filhos de antigos jogadores do São Miguel, a ex-juniores que procuravam um clube onde pudessem jogar mais ou “desconhecidos” que queriam experimentar a modalidade), agora em 2017 começa a mudar o espectro, com vários atletas da formação.
Mas o que vale a formação do Clube de Rugby São Miguel? Bastante, sendo uma das maiores a nível Nacional com mais de 300, que pode atingir os 500 nos próximos dois-três anos. Estes números provocam uma espécie de tremor de terra em Lisboa, já que o São Miguel começa a levantar “problemas” (no bom sentido) aos restantes vizinhos.
Os Objectivos do momento…
Sob a liderança de Miguel Teixeira (entrou para o clube em 2013, mas só em 2017 é que foi convidado a assumir a posição de Presidente do clube), a actual direcção do CR de São Miguel tem objectivos muito concretos e que são fáceis de apontar: ter não só um estádio seu mas todo um complexo que tenha impacto não só na vida do clube mas também dos ritmos e quotidianos dos bairros que cruzam toda Alvalade; assegurar números “gordos” de atletas, assumindo-se como um dos maiores formadores em Portugal; colocar a sua marca num ponto alto, criando algo diferente e pouco visto em Portugal; e estar presente em projectos sociais e que visem mudar a vida de várias comunidades exteriores à modalidade.
Nota, que o São Miguel joga no 1º de Maio perto da Avenida de Roma e mesmo com o novo complexo desportivo, a actividade da formação dos “bulldogs” vai manter-se aí, reservando-se o complexo para outras actividades como os jogos e treinos das equipas mais “velhas”.
Será utópico e excessivamente ambicioso? Talvez, mas o projecto, nos dias de hoje, demonstra traços muito curiosos e cada vez mais sérios. Note-se que entretanto o São Miguel está a realizar jogos extremamente cativantes, com uma equipa que tem as suas referências (André Lemos, filho de Carlos Lemos, é uma das caras principais da equipa), jogadores experientes e atletas jovens com uma formação 100% São Miguel.
A direcção dos Bulldogs escolheu bem o seu caminho actual, seleccionando até um nome muito conhecido e reconhecido do rugby português: Rui Carvoeira. O seleccionador nacional de sub-18 aceitou fazer parte do projecto e tem guiado com António Jardim, a um dos melhores inícios de época dos Bulldogs.
Para além destas duas entradas na equipa técnica dos séniores, houve uma autêntica reestruturação das estruturas técnicas do clube: Lourenço Correia Monteiro, saiu do CDUL para liderar toda a formação; Pedro Cunha veio da AEIS Agronomia para trabalhar o físico dos Bulldogs; Jonathan Nolan é uma das maiores promessas a nível de liderança técnica, assumindo os sub-18.
Para além disso, o São Miguel traçou um plano tão ambicioso quanto forte e a parceria com os Wasps RFC, equipa da Premiership inglesa, pode ser um bom catalisador para o futuro… para já veio a Lisboa Rob Smith, antigo director da Academia dos Wasps, como consultor técnico do clube “Miguelense”.
Neste quadro o leitor pode sentir que o São Miguel foi “procurar” sucesso em outras equipas, mas é o oposto neste caso… os treinadores foram à procura de um projecto sério, de longa duração e que garantisse condições necessárias para chegarem mais longe na modalidade. Ou seja, o São Miguel apresenta-se como um projecto quase único em termos de continuidade, lógica e de qualidade que não quer só afirmar-se nos campeonatos nacionais, mas também a nível de bairro.
Mas é o São Miguel um clube diferente?
É isso mesmo, o São Miguel quer ser um clube dedicado aos bairros que vivem em seu redor, participando na vida activa da população de Alvalade, o que pode criar laços profundos entre a comunidade e a modalidade num espaço de anos. A ideia é tentadora e pode/vai dar certo a médio prazo, uma vez que se a comunidade e os bairros sentirem um apoio e participação do rugby nas suas “vidas”, mais facilmente vão acolhe-la e aceitar a oval como a sua principal representação.
Para além disso, e apesar de só ter regressado em 2010, o São Miguel já tem um evento só seu a “Bulldog Rugby Cup“, que tem crescido de ano para ano, com uma excelente receptividade quer dos clubes nacionais, como do âmbito internacional, o que eleva tanto o interesse pelo evento como o facto de terem de garantir a excelência em cada nova realização do torneio.
O grito “São Miguel à Leão” representa muito bem o espírito do clube… nunca desistir, lutar contra todos os problemas, apresentar uma vontade estupenda e uma raça valorosa que não sossega na placagem, na luta pelos metros, na disputa de cada alinhamento ou formação ordenada. Este é o São Miguel, um clube que tem um projecto que promete muito e que está a mudar bastante a forma como o rugby deve ser difundido em Portugal.
3 comments
Francisco Franco Afonao
Abril 22, 2018 at 10:25 pm
Apenas acrescentar que nesse acordar do São Miguel, passados alguns anos, a família Costa Pereira teve um papel marcante.
helder branquinho
Dezembro 20, 2017 at 10:00 am
Excelente. O São Miguel e as suas gentes merecem que o seu trabalho pelo desenvolvimento desta modalidade seja divulgado. Acredito que dentro de pouco tempo este clube vai ombrear com os melhores clubes nacionais.
Miguel Teixeira
Dezembro 20, 2017 at 1:47 am
Excelente reportagem. Parabéns ao Francisco Isaac.