As soluções para os problemas e o problema das soluções

Fair PlayJunho 21, 20187min0

As soluções para os problemas e o problema das soluções

Fair PlayJunho 21, 20187min0
O rugby português precisa de soluções, novas ideias e reformulações e Nuno Gonzaga na sua coluna explica a sua prespectiva para o rugby português

O Rugby português tem à sua frente uma oportunidade única. Os recentes acontecimentos do jogo entre Agronomia e Direito, a contar para as meias finais do Campeonato Nacional 1, foram usados para “definir” a realidade do rugby nacional, e com isso muitas críticas foram dirigidas à Federação Portuguesa de Rugby, nomeadamente à sua direcção – curiosamente todas estas com origem interna, ou seja, de clubes e elementos directamente ligados ao rugby, porque de fora da comunidade oval os comentários eram outros. Mas já vamos a esse assunto.

Em Portugal o rugby é visto de 3 formas:

  • como uma escola de vida
  • como uma actividade social e de convívio
  • como um desporto de alta competição

Nenhum destes pontos de vista está errado ou desenquadrado da sua realidade. Temos excelentes exemplos de pessoas que jogaram rugby e conseguiram transpor os seus valores para o dia a dia. Temos pessoas que conseguem encarar o rugby como uma actividade desportiva social e de convívio.

E temos pessoas que procuram através desta modalidade levar o nome de Portugal mais longe e alcançar resultados positivos a nível internacional. Mas o que todas elas têm em comum (ou deveriam ter) é que todas elas procuram, através do rugby, a superação. Todas elas, com diferentes motivações e propósitos, procuram ser melhor hoje do que foram ontem.

E isso implica não apenas trabalho sacrificio, como também disciplina e controlo – dois dos alicerces mais importantes nesta modalidade.

Sendo o rugby um desporto de contacto, onde invariavelmente a adrenalina toma controlo das nossas acções, facilmente se pode perder o auto-domínio e a razão.

Com a velocidade do jogo (que vai aumentado a cada ano) o jogador e todos os intervenientes do jogo (treinador, arbitro e adeptos) acabam por estar expostos a estímulos que podem levar a comportamentos pouco correctos e pouco dignos. Mas isso não implica que esse sujeito seja incorrecto ou mal educado. Apenas demonstra que o mesmo não foi capaz de se controlar, deixou-se levar pela emoção e os seus instintos tomaram conta do seu comportamento. É aqui que a disciplina e o controlo emocional ganham valor.

Torna-se essencial que esta disciplina e esta educação ganhem força nos escalões de formação. Ao invés de ganhar (que é uma consequência de diversos factores, sendo que muitos deles estão fora do nosso controlo), o foco tem obrigatoriamente de estar na educação (disciplina e auto-controlo) e no desenvolvimento (aquisição de conhecimentos e skills de forma progressiva). Assim a vitória passa a ser encarada como uma consequência desse trabalho.

Em Portugal observa-se (ou observava-se) um abandono grande de muitos jogadores entre os 18 e 20 anos. Mas observando a realidade dos escalões formação e desenvolvimento, quantos treinadores definem como objectivo principal o ”ganhar” (ou agem como tal)? Agora façamos o seguinte exercício: desde os sub14 que treinamos e jogamos para ganhar. Ao mesmo tempo, temos treinos das academias regionais e selecções nacionais.

A isso juntam-se competições internacionais. Sempre para ganhar, sempre em competição intensa. O abandono não vem da falta de tempo, mas sim do desgaste físico e mental.

Dos sub14 aos sub20, o desgaste emocional e físico de um jogador de selecção é enorme, e os períodos de descanso vão-se reduzindo, porque as pré-epocas vão sendo mais exigentes e se não fizermos o trabalho de casa no verão apanhamos com uma carga gigante no inicio de época.

Portanto, há um desgaste grande, e onde entra o repouso? Onde entra o apoio emocional? Quantos clubes em Portugal colocam um nutricionista à disposição dos jogadores? Quantos treinadores destes escalões de formação ou desenvolvimento têm uma linha ou rede de comunicação com os treinadores das academias ou treinadores das selecções, a fim de gerir o esforço e desgaste dos mesmos?

Ao contrário do que seria de esperar, a vitória e o “ganhar” continuam a ser o principal foco de muitos treinadores e clubes, tratando estes jogadores amadores como atletas profissionais, sem que lhes sejam dadas as condições para isso.

My job is to create an environment where motivated players can perform” Steve Hansen, 2015

Estando fora de Portugal, tive a possibilidade de acompanhar uma equipa profissional durante toda uma época. Desde o dia a dia no centro de treinos, aos jogos, incluindo até o pós-jogo. Tive oportunidade de falar com jogadores, treinadores e elementos do staff e de conviver com os mesmos fora do ambiente de rugby.

A conclusão que tiro é esta: o rugby é uma profissão. E como todas em todas as profissões, existem dias bons e dias menos bons, mas no final somos avaliados pela nossa performance e pelos resultados alcançados. No final do ano, uns jogadores mantêm-se, outros renovam, outros saem. Os treinadores ficam ou saem. É esta a realidade profissional.

A diferença de um clube profissional para um amador (fazendo a comparação entre Inglaterra e Portugal) não está nos treinos ou na qualidade dos jogadores. Está na estrutura. Está na implementação de operações e processos que permitam aos jogadores um bem estar físico e mental.

Claro está que os clubes em Inglaterra tem diferentes condições (visibilidade, receitas e patrocinadores), mas porque é que os clubes em Portugal não trabalham nesse sentido?. A principal fonte de receita de um clube em Portugal acaba por ser a formação. Porquê? Porque o rugby em Portugal apenas se promove como uma escola de vida, e esta acaba por ter mais visibilidade do que o rugby de alta competição num ambiente amador (e aqui refiro o clube na sua estrutura).

O rugby português é um rugby de milagres. Os sucessos das selecções jovens nos últimos anos, a vitória em 2003 e a ida ao Mundial de 2007 são apenas alguns exemplos. Mas desde aí que o rugby mudou. Ficámos mais ambiciosos. Quisemos mais. O que é normal. Mas a que custo? Que condições foram ou têm sido criadas para isso?

Os clubes querem resultados, mas não procuram criar condições para que o rugby cresça. A FPR está cada vez mais só. Os jogadores continuam sobre pressão. Os árbitros afastam-se. Se queremos resultados têm de ser criadas condições para que esses apareçam.

Foi lamentável o que aconteceu na Tapada da Ajuda entre duas das melhores equipas nacionais. E na altura de avaliar o sucedido, muitos se viraram contra a FPR e a sua direcção (direcção cujas decisões têm de ser aprovadas pelos clubes…) Mas eu pergunto: será a culpa da FPR ou de todo o ambiente de pressão que se criou à volta daquilo que é apenas um jogo de rugby? É que o nosso rugby não é profissional.

Se queremos mais competição (mais pressão) a estrutura tem de evoluir. Há que criar condições para uma competição profissional em Portugal. Há que separar o rugby social e de convívio do rugby de competição. Há que fazer jus ao lema “Rugby como uma escola de vida”, e olharmos para a formação e para o desenvolvimento, como uma fase educativa onde o bem estar do jogador e a aquisição de hábitos para a vida atlética são os principais objectivos, cabendo ao mesmo, mais tarde, decidir se quer o rugby profissional ou social.

Todos os problemas têm soluções. Do conflito nasce uma oportunidade de mudança, mas não se pense que o trabalho fica por aí… porque novos problemas hão-de aparecer.

Foto: Luís Cabelo Fotografia

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