As Eleições na FPR: Manuel Gaivão e as questões nevrálgicas para o futuro

Francisco IsaacAbril 3, 201912min0

As Eleições na FPR: Manuel Gaivão e as questões nevrálgicas para o futuro

Francisco IsaacAbril 3, 201912min0
Do Luxemburgo Manuel Gaivão dá a sua opinião em relação a vários pontos que são importantes para o crescimento da modalidade em Portugal. O último convidado para analisar as eleições na FPR

O Fair Play durante as semanas que antecedem as eleições na Federação Portuguesa de Rugby propôs três perguntas a dirigentes, jogadores, técnicos e árbitros sobre o futuro da modalidade. As reflexões, propostas e desejos de cada um dos entrevistados. Manuel Mascarenhas Gaivão, um dos líderes da Alcateia do Luxemburgo e um apaixonado pela modalidade fala e apresenta as suas ideias

Manuel, visto de fora quais foram para ti os maiores problemas do rugby nacional? E ainda há virtudes por explorar?

Antes de mais, quero agradecer ao Fair-play me ter abordado para responder a estas questões. Depois não quero deixar de alertar para o facto de viver no estrangeiro com todas as condicionantes que isso implica.

Em relação à pergunta, poderia ficar aqui imenso tempo a falar de diferentes questões, mas vou tentar apontar o dedo a algumas que considero essenciais e que não serão novas para ninguém.

Um dos maiores problemas é o nº de praticantes e a sua distribuição geográfica. Esse nº fica muito aquém do desejável. No meu ponto de vista, a centralização na área de Lisboa da esmagadora maioria dos clubes de topo tem um efeito nefasto na modalidade. Seria muito importante levar o rugby a vários cantos do país. Quando era miúdo, nunca joguei rugby porque o clube mais próximo estava a 50km do local onde vivia. O desenvolvimento da modalidade fora dos grandes centros faria crescer o nº de praticantes e consequentemente, levaria a um aumento da qualidade. É difícil combater este centralismo, mas a deslocalização de jogos das selecções nacionais (também me parece que há mais adeptos quando os jogos se realizam fora de Lisboa), a promoção do rugby na escola, o envolvimento dos jogadores (actuais e já retirados) em eventos de promoção, um esforço institucional junto das entidades locais e bons resultados das nossas selecções são fundamentais. A cultura do sucesso gera, por si só, mais sucesso.

Outra das questões é o abandono precoce de vários jogadores com enorme potencial (nalguns casos comprovadíssimo nas selecções; penso imensas vezes no Francisco Vieira de Almeida, por exemplo) por força das carreiras académicas e profissionais. É imperioso criar formas de manter as pessoas no rugby, enquanto jogadores e depois retribuindo à modalidade tudo aquilo que ela lhes deu. Seria também importante (e isto liga-se com a primeira questão) que os jogadores não fossem “obrigados” a optar por Lisboa para poder singrar profissionalmente.

Depois há sempre a questão da sustentabilidade financeira da FPR. Com dinheiro disponível, pode fazer-se muita coisa; sem ele e por muita criatividade que se tenha, é difícil. Nos últimos anos, com perda de apoios institucionais e de sponsors, a situação agravou-se e a nova direcção tem, forçosamente, de encontrar esse dinheiro que tanta falta faz. Aqui no Luxemburgo, por exemplo, e porque jogamos regularmente em competições de 3 países, os clubes pagam por cada licença emitida. Voltamos à primeira questão: mais jogadores também significa mais dinheiro. Se nós com quotas anuais de 150€ (a mais cara cá) o podemos fazer, não compreendo como clubes com quotizações bem maiores não são solidários com a Federação. E aqui, o rugby não tem grandes apoios institucionais porque é uma modalidade maioritariamente de estrangeiros (embora o paradigma esteja a mudar). Se esta federação for competente na gestão, não há desculpa para não haver essa participação financeira.

Portugal precisa de jogadores “ancôra” que façam os miúdos “sonhar”. E acredito que em Portugal há muita qualidade. Seria muito importante permitir abrir caminho para que alguns dos nossos talentos emergentes pudessem ter a oportunidade de crescerem em ambientes de maior exigência competitiva. Este tipo de medidas poderia impactar em qualquer um dos três problemas acima mencionados. A qualidade humana é, seguramente, uma das virtudes portuguesas que ainda pode dar muito mais. A opção pelo profissionalismo durante alguns anos (uma década?) deveria ser uma possibilidade, mas o perfil actual do jogador português muito raramente é compatível com esta possibilidade. Há que mudar…

Depois há muitas outras coisas a ponderar. Acredito que seja necessário uma certa mudança de mentalidade dentro da modalidade, mas também fora dela. É preciso trabalhar para unir como dizem os candidatos às actuais eleições, mas tem de se passar das palavras aos actos, é preciso mostrar ao mundo exterior as qualidades do rugby e desmistificar a qualificação de modalidade violenta que afasta muita gente da mesma.

Acredito imenso no potencial do rugby feminino. Há um trabalho colossal a fazer neste campo. As mulheres portuguesas são de raça e foram responsáveis por uma grande parte dos maiores êxitos desportivos de Portugal. O rugby não pode ser excepção e a estrutura da direcção federativa deve claramente assumir isso, designando um membro que possa dedicar muito tempo para o efeito.

Enfim, há muito trabalho a fazer, de preferência com dinheiro à vista; senão é preciso inventar formas de o encontrar. Se num pequeno clube como o meu, em que estivemos à beira de fechar, conseguimos em 3 anos deixar a conta com mais de 50.000€ no final da época, uma entidade com a dimensão e os argumentos da FPR tem de conseguir fazer melhor. Foi preciso mudar maus hábitos, racionalizar algumas despesas, trabalhar incansavelmente para convencer entidades públicas e privadas que o rugby é uma verdadeira escola de valores e não apenas blá, blá, e dar ao nosso público (aqui numa escala muito reduzida) aquilo que eles buscavam. O merchandising ajudou imenso a mudar a situação. Vão-me dizer que são “peanuts”. Eu respondo com o ditado popular “grão a grão, enche a galinha o papo”. Os meus colegas aqui já o conhecem…

Finalmente, a meu ver é necessário que os agentes federativos tenham o tempo necessário para se dedicarem às suas funções. O progresso não se consegue com umas presenças de fim-de-semana. Fiquei chocado, por exemplo, por ver finais de campeonatos nacionais em que não havia nem um membro da direcção para entregar as recompensas aos jogadores e árbitros no final das mesmas. Para além do mais, que imagem se dá para o exterior?…

O rugby português vende na tua opinião? Temos trabalhado bem a nossa imagem ou podíamos ser mais participativos na comunidade?

O rugby português pode vender. Os Lobos são uma imagem com muita força. O rugby feminino tem imenso potencial (vejam o exemplo espanhol, por exemplo). Como disse, há que desmistificar certas ideias, mostrar imagens da felicidade como as que se vê no rugby infanto-juvenil. Os valores do rugby são os valores de muitas empresas; há que falar com elas. Sim, dá um enorme trabalho, é preciso tempo e disponibilidade mas não é para isso que as pessoas são eleitas? Se não têm tempo, não façam parte das listas…

Depois temos de cuidar das mensagens negativas que, por vezes, mandamos: pancadaria, desunião, gestão pouco profissional. Um minuto disto, destrói horas de imagens positivas e cola-nos velhas etiquetas. E os responsáveis têm de ser sancionados, independentemente de quem forem, senão corremos o risco de sermos os nossos maiores inimigos.

Fora de Portugal ainda hoje me falam de 2007, do Mundial, do hino, dos Lobos, da chegada à Saint-Etienne. São imagens fortíssimas. Conhecendo a ligação emocional que a nossa emigração tem com o país, está aí um filão enorme a explorar. Não são apenas jogadores de qualidade, são empresários, famílias prontas a comprar a camisola de Portugal (sobretudo se tivermos uma selecção a dar cartas).

A nível da comunidade, acho que o rugby já faz muito. Há sempre maneira de melhorar e fazer mais. E há que não ser hipócrita e aceitar que a participação comunitária é também uma forma de promoção. É uma montra que deve ser usada sem fugir às razões sociais pelas quais nos empenhamos nas coisas. Uma coisa não exclui a outra. Há projectos formidáveis que até poderiam ser apresentados pela FPR aos prémios anuais da World Rugby.

No campo da imagem, é incompreensível que ao longo de anos não exista uma forma de comprar produtos FPR. Vejam o exemplo da Federação Espanhola, para não ir mais longe (para além das camisolas de jogo, incluindo versões feminina e selecções jovens, há uma enorme gama de produtos a preços acessíveis, que me parece perfeitamente replicável num país com tradição na indústria têxtil como o nosso). Há orgulho em vestir a camisola, mas não há camisola para vestir. Isso também poderia ajudar (de forma limitada, eu sei) a resolver a questão financeira, mas é, sobretudo uma questão de imagem. Ainda esta semana nas redes sociais vi mais uma pessoa à procura de uma camisola de Portugal, fruto do desempenho dos nossos U20. Voltamos ao “grão a grão”.

Por fim e provavelmente sendo repetitivo, o rugby tem tanto de bom para mostrar mas em Portugal parece que só é notícia quando há algo de negativo. A FPR devia ter um membro da direcção responsável por trazer a imprensa para o lado da modalidade. É uma questão de peso institucional, independentemente da qualidade do trabalho feito pelos profissionais da FPR.

A formação tem sido uma das forças dos últimos anos na tua opinião? O que gostavas que fosse as prioridades imediatas?

A formação é a prova provada da tal virtude que eu falava mais acima. Não devemos ter vergonha de dizermos que somos bons! Nós somos bons! E podemos ser ainda melhores se as condições de trabalho e que proporcionem uma evolução quantitativa sejam criadas. Faço referência ao que já acima disse: até onde poderiam ir alguns dos nossos talentos se desenvolvidos nas melhores academias da Europa?

O trabalho das equipas técnicas dos escalões jovens da federação tem sido formidável e enche-nos de orgulho. Não podemos esquecer que a qualidade já vem de trás, do trabalho feito nos clubes, mas a consolidação dada por exemplo nos U20 é extraordinária. São equipas com personalidade, confiança e que enfrentam os adversários de peito erguido. É fundamental capitalizar este manancial.

Melhorar as condições de trabalho dos jovens deve ser uma prioridade; permitir e promover o contacto regular com equipas de nível superior deve ser uma preocupação. Impulsionar parcerias que permitam experiências no estrangeiro impõe-se.

A nível dos XV, creio ser fundamental estabilizar de uma vez por todas os modelos competitivos. Modelos que permitam algum equilíbrio sem que a divisão principal seja reduzida a Lisboa e arredores. O acompanhamento de novos clubes e de clubes em dificuldades deveria ser uma preocupação. As coisas não devem ser pensadas apenas para o imediato, o médio e longo termo são essenciais. Todavia, isso pede continuidade no projecto e não é compatível com conflictualidade nem com vaidades pessoais. Por vezes, deixamos obra que só é palpável quando já cá não estamos.

No que toca aos Lobos, há que resolver, de uma vez por todas, as questões relativas aos jogadores oriundos dos campeonatos estrangeiros, sejam eles luso-descendentes ou emigrantes. Uma selecção forte chama apoios, humanos e materiais. Isso é fundamental para a evolução do rugby. Mas nunca sacrificando certos valores que eu considero essenciais: quem não sente a camisola e só a veste por interesse não me interessa. Interessam-me aqueles que estão dispostos a dar tudo e sacrificar-se por ela.

É também fundamental a recuperação do nosso estatuto nos Sevens. Continuo a acreditar que é nesta variante que podemos ir mais longe, mais não seja pela características fisiológicas dos portugueses. Trata-se de uma questão de prestígio, visibilidade e viabilidade financeira. A competição nacional de Sevens deve ser algo de sério. Se no beach rugby conseguimos organizar grandes festas, por que razão não conseguimos reproduzir o fenómeno nos Sevens? Eventualmente com equipas diferentes das dos clubes tradicionais…

Aqui vos deixo algumas das minhas ideias. Poderia falar horas sobre a paixão que o rugby me desperta. Desde sempre que tento pautar a minha participação pela positiva. Creio que o espírito crítico é sempre necessário, mas com um fundo construtivo. Destruir é fácil e pode ser rápido; construir é muito mais complicado. Gostaria que o rugby nacional fosse neste sentido, em que os valores não fossem apenas palavras bonitas, mas acções concretas. Para tal, é necessário esquecer querelas e trabalhar em conjunto.

Como já aconteceu no passado, vão dizer-me que eu não conheço nada da realidade, mas deixem-me acreditar que as boas vontades se reunirão para fazer um maul imparável.

O legado dos Lobos de 2007 o exige! Eles foram e continuam a ser uma fonte de inspiração para portugueses espalhados pelo mundo como eu ou os meus filhos.

Foto: Arquivo de Manuel Mascarenhas Gaivão

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