As Eleições na FPR: “grassroots” e arbitragem é o futuro para Eládio Ribeiro

Francisco IsaacMarço 31, 201912min0
Árbitro e treinador, Eládio Ribeiro explica algumas das suas opiniões a partir de Inglaterra. Uma opinião de quem vê de fora, mas sente como os que estão em Portugal

O Fair Play durante as semanas que antecedem as eleições na Federação Portuguesa de Rugby propôs três perguntas a dirigentes, jogadores, técnicos e árbitros sobre o futuro da modalidade. As reflexões, propostas e desejos de cada um dos entrevistados. Eládio Ribeiro, antigo jogador do Braga Rugby, está a viver em Inglaterra sendo árbitro e formador de jogadores local, oferecendo a sua perspectiva ao rugby nacional.

Eládio, visto de fora de alguém que está em Inglaterra a arbitrar e a conviver com grassroots rugby, o que tens a dizer da situação actual?

Acompanho o rugby nacional com a típica avidez de alguém que deixou o seu país com uma vontade enorme de voltar a qualquer momento, por isso os fóruns de discussão sobre o rugby nacional são sempre o meu local de informação sobre o estado da modalidade e é com ansiedade e muita esperança que acompanho este ato eleitoral esperando que, seja qual for o vencedor, reflita no que tem sido dito pela comunidade nacional,nas entrevistas que o Fair Play tem promovido e não só, para efetuar reais mudanças apoiadas nas expectativas dos clubes, que são a base da modalidade.

Vivo um país onde o rugby está no top 3 das modalidades praticadas e consumidas pelo público, portanto olhar para esta realidade e a portuguesa onde a modalidade é algo periférica no âmbito desportivo e social, pode demover as pessoas de procurar pontos de contacto e de troca de experiências mas acho que podem existir exemplos a seguir e sugestões como as que abaixo indico.

A realidade do grassroots em Inglaterra pode servir de inspiração ao rugby português. Por exemplo, o desenvolvimento regional e local sobretudo no rugby de formação tem apoios muito maiores, sobretudo em termos de massa crítica e planos delineados, com os clubes e federações regionais a trabalharem de forma muito estreita.

O clube da minha vila onde sou responsável pelos sub 10 nos últimos anos não teve estes escalões, mas nos últimos dois anos, para os implementar tivemos um apoio muito chegado da federação local, tivemos a federação a fazer lobbying, sobretudo institucional com informação pedagógica e social levada às escolas, material didático que surtiu com o governo e escola local um plano credível apoiado pelos órgãos locais e com isso tivemos a oportunidade de ir às escolas fazer ações de sensibilização e captação para a modalidade e para o clube. Poderíamos eventualmente ter ido sem esse apoio institucional, mas assim se mostrou uma seriedade e comprometimento maior. Planos desses podem ser facilmente gizados e executados pelas ARs em conjunção com os clubes desde que haja um apoio também da FPR e que os órgãos em Portugal façam mais para ser visíveis, não apenas quando algo de mau acontece.

Outra característica que me agrada ao nível do rugby grassroots é a utilidade das equipas de reservas e de como estas são integradas nos campeonatos normais, sem campeonatos de reservas, onde a equipa C do clube da cidade grande joga com a equipa principal da vila vizinha ou com a equipa B da cidade vizinha, sem medos infundados como vejo em Portugal de isto corromper as classificações. E como estas equipas servem realmente ou de “stepping stone” para os jovens chegarem à equipa principal ou para a malta que já não atinge o nível desejado ou que quer um rugby mais social poder continuar ligado à modalidade.  

A este nível que é mais semelhante ao nível português não existem campeonatos só de equipas de reservas que geram pouco interesse e acabam por, desportivamente serem menos interessantes, uma vez que são muito fechados como acontece em Portugal onde se limitam aos clubes de Lisboa e que não ajudam outros clubes a desenvolverem pois não existe contacto com essas equipas que teoricamente são mais fortes. Eu acredito que a FPR deveria reavaliar estes campeonatos e o que proporcionam á modalidade no todo e como não ajudam a divulgar a modalidade e aumentar os clubes à volta.

A arbitragem… que pormenores podemos replicar que se fazem em Inglaterra? O problema é uma questão cultural?

Tenho acompanhado a realidade da arbitragem portuguesa com alguma consternação. Sobretudo pela falta de  apoio aos árbitros, quer da Federação quer dos clubes, porque se é verdade que a federação faz muito pouco pelos homens do apito, a verdade é que os clubes também não têm sabido apoiar um elemento essencial para que haja progressão.

Uma das críticas que vejo é o do nível inadequado dos árbitros, mas será que os clubes fazem algo para aumentar esse nível? Quantos clubes convidam árbitros para os seus treinos para de parte a parte partilharem informação de como acham que o jogo deve ser interpretado, quantas vezes vemos os treinadores e os árbitros reunirem-se de forma continuada para discutirem quais as vertentes da lei que estão a ser descuradas ou mal interpretadas. E como podem exigir os clubes evolução da arbitragem se não existem mecanismos para isso? Não deviam estar os clubes a exigir mais da FPR primeiro e só depois exigir de quem e pouco ou nada apoiado.

Quando comecei o meu caminho na arbitragem em Portugal, durante as duas épocas que fiz, fui observado uma vez no estágio de início de época e uma outra vez em contexto de jogo., a minha evolução foi prejudicada por isso e infelizmente, em retrospectiva sinto que o meu nível de preparação não estava à altura de alguns jogos que fiz.

Pelo contrário aqui em Inglaterra só esta época conto com 3 observações pela associação de árbitros do meu county e mais uma em duas semanas. Mas engane-se quem pensa que estas observações são difíceis de atingir em Portugal porque com um maior envolvimento da comunidade antigos árbitros e/ou árbitros seniores experientes pode ser também atingido o mesmo.

As observações aqui são feitas por antigos árbitros, que não podendo contribuir no campo foram incentivados a continuarem a contribuir ajudando a nova vaga de árbitros a se formarem, e a estes a única remuneração é sob a forma da habitual terceira parte e orgulho de poderem ter continuidade na modalidade e os mesmos são os primeiros a defender esse lado não pecuniário.

Além disso a minha “referee society” reúne de forma regular pelos vários pontos do county com os árbitros convidando também vários intervenientes como treinadores, ex-jogadores e outros a falarem da sua experiência, daquilo que procuram na arbitragem. São estes eventos que levam ao envolvimento da arbitragem ao mundo do rugby e os árbitros sentem-se apoiados em vez de corpos estranhos á modalidade. Tenho a certeza que vários dos antigos homens do apito gostariam de ajudar se a nossa FPR lhes desse apoio e condições.

Eu percebo que no orçamento da FPR a arbitragem tem um custo alto em comparação com outras congéneres, mas não se deve culpar os homens do apito ou lhes tentar tirar um dos poucos incentivos para continuarem num meio que lhes é hostil e cada vez mais “futebolizado” no pior do termo, mas sim procurar novos investimentos em patrocínio. Se o rugby é a escola de valores que afirmamos e o árbitro um dos principais elementos do jogo e que ajuda a que o ethos da modalidade se mantenha então certamente será fácil vender essa imagem dos árbitros como guardiões do espírito do jogo, pois como diz o livro de leis os árbitros não só devem arbitrar consoante a lei mas também com o espírito do jogo presente, e que companhia não querer ter essa referência quando fala da sua responsabilidade social.

A arbitragem tem mostrado que tem qualidade com árbitros como Rohan Hoffman que começou no apito nas nossas margens, ou o Paulo …. que arbitra no circuito Mundial, mas eles valeram-se do seu talento e tiveram a sorte de andar perto da sede da FPR, mas existem outros árbitros com potencial cujo único erro é estarem afastados da rua Julieta Ferrão, portanto vamos olhar por eles e para eles e mostrar-lhes que queremos evoluir o nosso rugby também com eles.

Tu jogaste e fizeste parte deste crescimento do Braga Rugby… achas que o futuro do rugby Nacional passa por dar força a clubes “novos” com apoio dos mais “velhos”?

Felizmente eu estive integrado em dois clubes aquando dos seus primeiros passos no rugby, o Guimarães RUFC e o Braga Rugby, nos quais joguei e estive envolvido nas direções e em ambos houve sempre uma vontade de vingar no panorama do rugby nacional apoiados num projecto de formação. Se olharmos para a equipa de ambos poderemos ver que as suas equipas seniores que agora começam a atingir resultados muito positivos, tendo em conta sobretudo a jovem idade dos seus clubes, estão cheias de jovens que vieram da sua formação, mas ambos os clubes souberam também olhar para o panorama do rugby de uma forma mais alargada. Os dois clubes souberam que desenvolver os seus jovens por vezes significou deixá-los sair para jogar onde pudessem atingir um nível superior, quer seja de forma temporária, quer seja definitiva.

O Braga, por exemplo, foi durante os seus primeiros anos de vida clube satélite do CRAV e em vez de receber jogadores, na verdade colocou os seus jogadores a jogar lá, desta forma ajudando-os a desenvolver o seu rugby e assim por consequência elevar o rugby dos seus colegas quando voltavam ao Braga. Penso que essa forma de olhar o rugby que felizmente o Pedro Aguilar Monteiro tem e que é partilhada por todos envolvidos no clube e deveria ter maior reflexão no panorama nacional. Sinto que falta aos clubes olharem para o desenvolvimento da modalidade como um todo.

Uma das realidades que noto mais em Portugal é a de abandono desportivo, sobretudo de jovens no início da sua carreira sénior, percebo no entanto que muito se deve ao esforço académico ou profissional destes num momento crítico da sua vida. Mas também se deve ao facto de estes jovens verem a possibilidade de jogar no seu clube muito difícil pelas mais variadas razões, como ter jogadores experientes, muitas vezes nos clubes da DH, jogadores de craveira internacional, portanto deveriam ser os clubes a incentivarem estes jovens a jogarem fora de portas, em clubes com quem tenham protocolos, para os manterem dentro de uma família alargada, e se calhar  mais á frente convidá-los a voltar quando assim se proporcionar. Desta forma os clubes mais pequenos recebem jogadores que irão elevar o seu jogo e aproximá-los mais do topo, não perdemos tantos jogadores e a longo prazo os próprios grandes clubes formadores poderão tirar benefício disto, porque eventualmente repescam um jogador que teriam perdido, ou porque a contribuição destes jogadores elevou o potencial doutros e se pode ir buscar um jogador numa outra posição para a qual haja carência.

Uma das realidades inglesas é a dos grandes clubes, na minha área de residência sobretudo o Leicester e o Northampton, estarem bem implementados e terem imensos clubes como clubes de prospecção onde eles apostam em formar os treinadores locais, onde “injetam” tempo e recursos humanos e com isso os clubes locais chamados “grassroots” conseguem aumentar o seu nível e alimentam com jogadores as academias principais e engane-se quem pensa que é uma questão de dinheiro, pois quase sempre esse não é o objectivo quer do clube pequeno quer do grande, é sobretudo uma maneira de elevar o patamar de ambos gastando o menos possível.

Outro exemplo é o de registo duplo para os jovens jogadores, penso que até aos 23 anos, que pode ser adaptado ao rugby nacional, com jogadores a poderem jogar num clube de um escalão inferior, sem nunca deixarem de ser dos quadros de outro clube e a qualquer momento poderem voltar à casa mãe, sem imposições de jogos mínimos ou máximos pelo clube A ou B.

Se calhar conseguimos trazer de volta clubes que por falta de números deixaram de competir como o Oeiras apoiados por um CDUL ou Direito, ou o Borba com apoio talvez conjunto entre Évora e Elvas.

 São só exemplos que devem servir só de alimento para o debate nacional de onde queremos esta modalidade que todos amamos siga e como podemos eventualmente parar a fuga de praticantes.

Alguns destes exemplos já existem com os clubes satélites mas a FPR devia fazer mais por eles, tanto para incentivar os clubes, como para ajudar na mudança de mentalidade de “ou jogo na minha tribo ou não jogo por nenhuma”, mas sobretudo, olhando para o quão desajustados os seus regulamentos são e o quanto impedem esta fluidez de movimentos que pode ajudar a elevar o rugby nacional.


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