A Académica de Coimbra e a afirmação da juventude no rugby Nacional
A Associação Académica de Coimbra tem uma longa História no Desporto português, tendo conquistado títulos nacionais em diferentes modalidades, quatro dos quais no Campeonato Nacional de Rugby. O último foi levantado no ano de 2004, num confronto ante a AEIS Agronomia que resultou numa das melhores finais do rugby português (30-26).
Passados doze anos desse feito, os “Pretos”, entraram numa “montanha-russa” com mais momentos baixos do que altos, que se deveu à falta de jogadores de formação que garantisse uma base suficientemente forte e capaz para aguentar com a subida de nível das equipas de Lisboa ou com as exigências do calendário.
Notar que a Académica chegou a descer à 1ª Divisão (referente à Segunda Liga do rugby português) na época de 2007-2008, após um ano desastroso com treze derrotas em catorze encontros. Essa descida foi uma forma de “revolucionar” os Pretos, que voltariam a subir no ano seguinte, com uma vitória na final por 11-10 frente ao Vitória Rugby.
O estado de “dormência” durou bastante tempo, e nem a ida à final da Taça de Portugal (derrota frente aos “agrónomos”) e meias-finais do Campeonato Nacional em 2012, serviu para “atenuar” os problemas inerentes ao rugby dos conimbricenses.
Entre 2012 e 2017, a Académica terminou por duas vezes no 5º/6º lugar, duas no 8º e uma em 7º, sendo que os maus resultados aumentaram substancialmente nas últimas três temporadas. Todavia, apesar dos resultados aquém em 2016-2017, houve uma subida de nível na qualidade de jogo, uma entrega maior da maior parte dos atletas e um trabalho mais “forte” em termos de estratégia de jogo.
A “reformulação” academista possibilitou que se dessem alguns resultados surpreendentes na temporada actual: duas vitórias frente ao sempre finalista Técnico e uma vitória em casa frente ao CDUL que desta forma, carimbaram o “passaporte” para a Final Six do Campeonato Nacional.
Para os que não acompanham a prova mais alta do rugby português, o campeonato agora joga-se em três fases com doze equipas: 1ª- três grupos de quatro, com os dois primeiros a apurarem-se para a Final Six; 2ª- Apuramento para as meias-finais do Campeonato Nacional com os quatro primeiros classificados a seguirem para essa fase; 3ª- meias-finais e final do Campeonato Nacional.
Os seis 3ºs e 4ºs seguem para uma fase em que os quatro últimos classificados são relegados directamente para a 2ª Divisão, enquanto que o 2º lugar destes últimos seis, joga um playoff de descida/subida com o vencedor da 2ª Divisão.
Ou seja, a Académica já garantiu a sua manutenção no principal escalão para a temporada 2018-2019, algo importante para o rugby português, que parece caminhar para uma “centralização” da modalidade em redor de Lisboa (neste preciso momento, cinco dos seis primeiros/segundos classificados são da região de Lisboa com CDUL, CF “Os Belenenses”, GDS Cascais, AEIS Agronomia e GD Direito já apurados.
Se CDUP, Lousã, Montemor e Évora terminarem nos últimos quatro, então o Campeonato Nacional poderá mesmo ficar só com uma formação de Lisboa, algo preocupante para o futuro da modalidade e desenvolvimento da mesma.
Mas, a Académica já está “salva” e agora tudo o que colher são “bons frutos” de um projecto que tem tudo para ser um sucesso. Os conimbricenses construíram uma equipa em redor da sua formação, com Manuel Picão (internacional português e vice-campeão World Trophy sub-20), Francisco Bessa (internacional sub-18 e vice-capitão dos “Pretos” desde os 22 anos), Ricardo Gonçalves (capitão de equipa desde os 24 anos), Manuel Queirós (internacional português aos 22 anos), João Aguiar, Francisco Murta, entre outros.
Uma breve análise aos 23 convocados dos últimos três jogos da Académica da presente temporada, demonstra que a média de idades é de 24 anos, com a inclusão de três jogadores estrangeiros (o chileno Anton Petrowitsch e os australianos Josh Vainikolo e Adam Danckert), o que significa que 87% dos 23 convocados são portugueses e da “casa”.
João Luís Pinto, antigo técnico principal da Selecção Nacional entre 2014-2015, pegou nos “Pretos” na época de 2016 e tem guiado todo este processo a “bom porto”. Lidar com um plantel jovem nunca é fácil, mesmo que existam “bolsas” de experiência dentro da equipa. Porém, estes jogadores que competem pela Académica nas provas Nacionais têm já vários anos nas divisões nacionais séniores, o que lhes deu outra capacidade de aguentar com as exigências e pressões do rugby português.
O crescimento deu-se na temporada passada, com a ida até às meias-finais da Taça (perderam por 10-33 na Tapada da Ajuda) e as vitórias, em casa, frente ao CDUL, Cascais e Direito, o que despertou a atenção do rugby Nacional, especialmente daqueles que sentiam que a modalidade fora de Lisboa não tinha qualidade para se manter no principal competição Nacional.
E como joga esta Académica? É uma equipa que aposta num rugby físico, “musculado” e calculado, sem expor em demasia o canal exterior, o que força um trabalho extra do par de centros ou do três de trás. Mas o trabalho exigente na leitura de jogo e no apoio rápido a situações de perigo que se criem entre o espaço que pode haver entre o 13-14. Nisto, a ascensão de Francisco Murta, internacional português de 7’s, foi essencial para que a Académica tivesse um “solucionador” de problemas rápido, eficaz e que garantisse coesão nos momentos mais críticos.
O par de centros, Bessa e Tavares, é outro dos pormenores importantes da Académica, já que ambos garantem estabilidade na defesa (excelentes placadores e bons trabalhadores no breakdown) e um bom suporte na saída para o ataque (são ambos dos melhores em termos de trabalho dos básicos, ou seja, linha de corrida, trabalho de pernas, manter a bola afastada do contacto e boa acção no chão).
A avançada ainda precisa um pouco mais de “calejo”, mas o mundialista Manuel Picão (um dos melhores jogadores do Campeonato Nacional), é um dos pontos centrais desta equipa: veloz e ágil na saída com bola, difícil de parar, impossível de lhe roubar a bola, placador agressivo, defesa resiliente e dotado de uma enorme perícia no breakdown. Estas componentes juntas fazem de Picão uma das caras-fortes dos Estudantes, um jogador que pode “agigantar” a equipa em certos momentos.
A forte 1ª linha portuguesa, composta por João Mateus, João Aguiar e Ricardo Gonçalves (não sendo um jogador estupendo, é um trabalhador nato, um lutador de excelência e um resistente na formação ordenada) dá também um mote interessante e que será uma das “chaves” para o bom futuro da Académica.
Outro bom pormenor é a facilidade com que os jogadores conseguem mudar de posição… Sérgio Franco pode trocar de ponta para defesa, Francisco Murta a ponta ou centro, Manuel Picão entra bem na posição de asa fechado, aberto ou a segunda-linha e até Manuel Queirós pode passar para abertura sem qualquer problema.
Isto são aspectos positivos do trabalho de fundo da Académica, que apesar da qualidade da sua equipa sénior teve sérios problemas em ganhar campeonatos nos sub-18 ou 16, assim como nos sub-21 quando ainda existia esse escalão. Os últimos 5-8 anos foram difíceis para a formação dos Estudantes, que mal conseguiram chegar às finais (conquistaram o Campeonato Nacional de sub-18 em 2012/2013) ou até manterem-se na Primeira Divisão, algo que deve ser visto como um sinal preocupante.
Todavia, a Académica actualmente é um baluarte no escalão sénior, demonstrando que a juventude pode e deve merecer lugar nos destaques nacionais. Para além disso, conseguiram resistir aos aliciamentos pouco saudáveis de equipas de Lisboa a seus jogadores, construiu um grupo sólido que não abandona a Académica tendo objectivos delineados para o futuro próximo.
Esta é a Académica de Coimbra… será 2018 o ano das surpresas? Ou é ainda é só o início de um novo futuro que o rugby português tanto necessita?
Podem recordar a vitória dos Estudantes sobre o GD Direito o ano passado