Rivalidade tradicional e persistente: Tennessee e Connecticut

Lucas PachecoFevereiro 2, 20237min0

Rivalidade tradicional e persistente: Tennessee e Connecticut

Lucas PachecoFevereiro 2, 20237min0
Uconn versus Tennessee é uma das principais rivalidades do desporto dos EUA e Lucas Pacheco olha para o passado e presente deste duelo

No dia 26 do mês passado, aconteceu o grande clássico do basquete feminino norte-americano. O duelo entre as universidades de Tennessee e Connecticut teve como palco um ginásio lotado, principalmente de torcedores locais de Tennessee, além da transmissão nacional nos Estados Unidos.

Soa estranho que a maior rivalidade na modalidade não esteja no profissional; menos estranho se lembrarmos a idade da WNBA. A liga profissional iniciou-se em 1997, dois anos após o primeiro confronto entre as duas universidades. Outra razão reside na adesão dos torcedores ao esporte universitário: as equipes profissionais possuem uma relação menos apaixonada com sua base de torcedores, ao passo que as universidades congregam pertencimento, sociabilidade e tradição.

O basquete masculino, cuja liga profissional possui maior tempo e consolidação, presencia esse fenômeno, amplificado no feminino. Bastaria lembrar que a primeira dinastia da WNBA pertenceu ao Houston Rockets, franquia inexistente hoje. Enquanto isso, Tennessee e Connecticut mantem a chama da rivalidade por mais de duas décadas.

A disparidade entre basquete masculino e feminino remonta ao âmbito universitário: a NCAA realiza campeonatos nacionais desde 1939 para o naipe masculino; a estreia do torneio feminino remonta a 1982, após a emenda conhecida como Title IX obrigar o investimento equalitário para o esporte universitário. Uma das primeiras campeãs foi justamente Tennessee, em 1987, na sexta edição da competição.

À época, Tennessee era dirigida pela técnica Pat Summitt, lenda do esporte que dirigiu a universidade por quase 40 anos. Figura central na rivalidade com Uconn, Summitt praticamente moldou o programa, passando por todas as fases da modalidade. Ela iniciou sua carreira conciliando comando técnico com a quadra, na era pré-Title IX; passou pela era de implantação e, posteriormente, consolidação da NCAA. O amplo cenário existente hoje deve demais a essas figuras.

FOTO – SUMMITT 1

Geno Auriemma representa a antítese de Summitt na rivalidade, embora suas trajetórias guardem muitas semelhanças. Apenas 2 anos separam os dois treinadores e neste ano Geno completa 38 anos à frente de Uconn, exatamente o tempo de Summitt comandando Tennessee. Auriemma construiu o programa mais vitorioso da NCAA a partir do zero e transformou sua universidade na meca do basquete feminino universitário.

Dois pioneiros e, junto à técnica Tara VanDerVeer de Stanford, maiores vencedores da NCAA. Todos os 8 títulos nacionais de Tennessee vieram sob comando de Summitt; todos os 11 títulos de Uconn, sob comando de Auriemma. As duas maiores vencedoras do basquete feminino universitário moldaram sua rivalidade e ajudaram a elevar a modalidade a patamares inimagináveis.

FOTO – GENO

Além dos títulos, ambos formaram as principais atletas da WNBA nas últimas décadas. As principais candidatas a GOAT (greatest of all times) são egressas ou de Tennessee (candace Parker e Tamika Catchings) ou de Connecticut (Diana Taurasi, Maya Moore e Breanna Stewart); a rivalidade entre as universidades reverberou para seus técnicos e nos anos finais dos duelos Geno e Pat protagonizaram verdadeiros barracos, com declarações afrontosas antecedendo a cada partida. Infelizmente, a disputa entre os técnicos foi abreviada pela descoberta de uma doença degenerativa em Pat Summitt, obrigando-a à aposentadoria forçada e, alguns anos depois, à sua morte. Decorridos alguns anos do calor das disputas, a rivalidade permanece forte.

Hoje, porém, Tennessee encontra-se degraus abaixo do poderia de Connecticut. Após a saída de Summitt, a universidade não conseguiu manter o programa estável e as duas trocas de técnicas (ambas ex-jogadoras de Summitt) evidenciam a dificuldade em manter Tennessee na disputa por títulos. Há uma evidente busca por continuidade, sem que o resultado na quadra permaneça no mesmo patamar. Enquanto isso, Geno segue em Uconn, renovando seus elencos com estrelas saídas do high-school e produzindo jogadoras em série para a WNBA.

FOTO – SUMMITT 2

A partida da semana passada foi mais uma prova da distância atual entre as universidades. Tennessee recrutou uma classe fortíssima no portal de transferência, somada aos talentos já disponíveis na temporada passada; antes da temporada, expectativas altas para Tennessee, como a previsão de chegada ao Final Four, o que não acontece desde 2008. A etapa inicial do calendário não animou as expectativas criadas e a equipe sofreu muitas derrotas, em um calendário fortíssimo. A técnica Kellie Harper não conseguiu integrar o talento de Rickea Jackson, que passou um tempo afastada da quadra, tampouco repetiu a disposição vista o ano anterior. Com um elenco bem mais forte, os resultados tardaram a aparecer; a bem da verdade, a equipe engatou boa sequência no início de 2023, na disputa interna à conferência (SEC).

Uconn, por outro lado, viu suas principais estrelas afastadas por contusão: Paige Bueckers pela temporada toda, Azzi Fudd por longas sequências. Se não fosse o suficiente, Geno Auriemma perdeu várias outras peças e a repetição de formações passou a ser um luxo. A despeito de todos os infortúnios, Uconn seguiu vencendo.

Ou melhor, Uconn encontrou meios de seguir vencendo. No maior clássico, contra Tennessee, a equipe contava com apenas 8 jogadoras disponíveis, a maioria pivôs. Geno Auriemma optou por uma formação com 3 “grandes”: Aaliyah Edwards, Dorka Juhasz e Aubrey Griffin. Contra uma equipe dominante nos garrafões, Uconn apostou (até por não ter outras opções) em envergadura e altura; a receita focava no lado defensivo e não comprometeu no ataque graças à atuação magistral da única ala disponível de Uconn, a francesa Lou Lopez Senechal (26 pontos).

A francesa esteve on fire desde o apito inicial. Uconn fez um primeiro quarto excepcional, abrindo 16 pontos de vantagem, resultado de transição ofensiva e movimentação sem a bola na meia quadra. Diversas posses terminaram em arremessos próximos ao aro e, quando Tennessee bloqueava o garrafão, Senehcal se incumbia de converter à distância. Mesmo um segundo quarto irregular, responsável por reduzir a diferença para perigosos 4 pontos no intervalo, não tirou a liderança de Connecticut, que voltou a abrir vantagem no segundo tempo.

Tennessee esbarrou em si própria, mais uma vez. A equipe foi amplamente dominada no início e tomou cesta de todas as posições. Quando passou a colecionar rebotes, trouxe equilíbrio à partida; porém, o time permaneceu dependente da produção ofensiva individual de Jordan Horston (27 pontos).

Ao final, a desfalcada universidade de Connecticut saiu-se vitoriosa sobre sua arqui-rival, pelo placar de 84 x 67. Sem Bueckers e Fudd? Nada que a armadora croata Nika Muhl (14 assistências), a pivô canadense Aaliyah Edwards (25 pontos) e a já citada Senechal não superem; a equipe fez um excelente jogo coletivo e Geno Auriemma demonstrou novamente a razão de ser considerado um dos maiores da história.

A vitória ampliou a sequência de 4 partidas de Uconn, que não perdem para Tennessee desde o longínquo 2007; desde que o confronto anual foi retomado, em 2020, apenas Uconn venceu. A série histórica também pende a favor da universidade da costa leste – 17 a 9.

Para Tennessee, faltaram ajustes durante a partida. A formação inicial não respondeu e os ajustes durante a partida tampouco surtiram efeito. Senechal fez a festa marcada por armadoras mais baixas; Rickea Jackson jogou o tempo inteiro desconfortável e na base do 1×1, tal qual Horston. O caminho da reconstrução da universidade e retorno ao topo não admitem atalhos e há muito trabalho pela frente.
A rivalidade acrescentou mais um capítulo a sua longa história.


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