Regra dos 4 segundos: o que mudou?
Este ano, a Beach Soccer WorldWide aprovou uma nova regra que prometia uma transformação das dinâmicas de jogo no futebol de praia. A nova regra, que entrou em vigor nas competições internacionais já em 2021, visava combater o excessivo adormecimento do jogo na primeira fase de construção das equipas que recorriam consistentemente à acção do guarda-redes fora da sua área.
Com efeito, nos últimos anos tinha vindo a observar-se uma aposta generalizada no sistema 1:2:2, no qual o guarda-redes emergia como principal distribuidor de jogo, saindo a jogar com os pés fora da área, gerando uma situação de superioridade numérica. A circulação de bola entre o guarda-redes e os alas nestas condições possibilitava a manutenção da posse enquanto desgastava as defesas adversárias, podendo assim ser utilizada para “queimar tempo”, isto é, reduzir o ritmo de jogo de uma forma que prejudicava a essência do espectáculo.
Sendo certo que este tipo de acção poderia ser combatido com estratégias defensivas mais agressivas, que passam por uma pressão mais alta ao guarda-redes e portadores da bola nesta primeira fase de construção, é também verdade que implica alguns riscos, ao deixar a zona mais recuada temporariamente mais desprotegida, algo que nem todas as equipas estão dispostas a aceitar, enquanto outras não terão a capacidade física para o fazer. De facto, muitos jogos começavam a mergulhar num torpor induzido por uma excessiva aposta neste tipo de saída, o que começava a representar um entrave ao desenvolvimento táctico da modalidade.
Neste sentido, impunha-se tomar uma resolução que desincentivasse este tipo de estratégia por parte das equipas, acelerando o jogo. A solução adoptada acabou por ser a mais simples, porventura a única que se poderia imaginar: a imposição de um limite de tempo para a posse de bola do guarda-redes não apenas dentro da sua área (que já existia), mas em todo o seu meio-campo defensivo. O guardião passa a dispor assim se um máximo de 4 segundos para manter a bola em seu poder antes de a passar a um colega. Caso este limite de tempo seja ultrapassado, é concedido à equipa adversária um livre ao centro da linha de meio-campo, numa clara oportunidade de golo.
A medida obriga as equipas que pretendem apostar neste tipo de táctica a um desenvolvimento técnico apurado do guarda-redes, exigindo uma grande confiança no seu jogo de pés para que uma saída em 1:2:2 possa ser bem sucedida em segurança. Ao mesmo tempo, torna o jogo necessariamente mais fluido, forçando as equipas a atacar de forma mais directa e tornando mais difícil a redução dos ritmos de jogo no âmbito deste sistema ofensivo. No nosso entender, a medida tem vindo a cumprir a sua função, porque de facto tem vindo a impedir o entorpecimento do jogo outrora observado com frequência. Mas a excessiva verticalidade induzida no jogo é também objecto da crítica de algumas vozes, uma vez que reduz a margem de manobra das equipas no âmbito de uma competência considerada chave no futebol de praia, que consiste na gestão dos ritmos de jogo com base no conhecimento da modalidade e na leitura dos momentos da partida. Embora compreendamos este argumento, parece-nos que acaba por se justificar a implementação desta regra, que de um modo geral tem vindo a cumprir os objectivos propostos.
É interessante observar o efeito que esta regra produziu ao nível dos desempenhos das selecções nacionais no último mundial e nas provas europeias, assim como dos clubes europeus na Euro Winners Cup. De um modo geral, as equipas que já apostavam consistentemente no sistema 1:2:2 faziam-no assentes na segurança oferecida pela técnica dos seus guarda-redes, pelo que continuaram a apostar na mesma estratégia de forma sistemática, mas adoptando um jogo mais directo do que antes.
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Ainda assim, a nova regra causou dificuldades a algumas equipas que por vezes tiravam partido da saída em 1:2:2 para acalmar o jogo. Trata-se do caso da Rússia, que apesar de ter sido campeã mundial num torneio que dominou, sempre com base no 1:2:2, começou curiosamente por denotar algumas dificuldades perante as formações dos EUA e do Paraguai, em jogos que teria sabido controlar de uma forma mais tranquila se pudesse dispor dos mecanismos de outrora. Também Portugal acabou por sentir ocasionalmente algumas dificuldades, que obrigaram o guarda-redes Elinton Andrade a ultrapassar a linha de meio campo para não exceder os 4 segundos, correndo um risco acrescido que resultou, por exemplo, no primeiro golo senegalês na partida da fase de gruopos do mundial. Apesar disso, tanto a Rússia como Portugal superaram estas dificuldades iniciais, num período de adaptação, para emergirem como as grandes vencedoras da época: a Rússia como campeã do mundo, Portugal enquanto tricampeão da Liga Europeia.
Realçamos também um outro ponto importante, mencionado por Bruno Torres na entrevista que fizemos com ele na Revista Olímpica: as equipas mais fortes fisicamente foram as que melhor se adaptaram a esta mudança. Vemos assim que a Bielorrússia, a Suíça ou a Ucrânia, por exemplo, continuaram a obter resultados excelentes com um jogo praticamente dependente da saída em 1:2:2, graças à preparação física e à qualidade técnica dos seus jogadores. Por outro lado, equipas capazes de utilizar outras estratégias na saída para o ataque, como o 1:3:1 ou o 1:1:2:1, eram à partida imunes a esta alteração e não tiveram de proceder a grandes adaptações. É o caso de Portugal, do Brasil ou do Sporting de Braga.
Não obstante, os efeitos são mais notórios ao nível da divisão B da liga europeia. Com efeito, num escalão com equipa que apostam tendencialmente no 1:2:2, mas sem a qualidade de outras selecções, algumas das equipas apresentaram maiores dificuldades na contenção dos adversários, mercê das dificuldades de redução do ritmo geradas pela nova regra. Acreditamos que este factor contribuiu para algumas surpresas, como a surpreendente derrota da Turquia perante a Lituânia ou as tímidas prestações do Cazaquistão, abaixo dos níveis de anos anteriores.
Finalmente, tendo em conta que a nova regra só entrará em vigor nas competições nacionais no decorrer do próximo ano, deixamos a seguinte questão: irá a nova regra limitar o recurso à saída em 1:2:2 por parte das equipas menos experientes? Poderá contribuir para agravar o fosso entre as equipas de topo e as que apresentam menos recursos?
Acompanharemos os novos desenvolvimentos com expectativa e cá estaremos para as análises a seu devido tempo!
Revista Olímpica# Bruno Torres e a Selecção Nacional de Futebol de Praia https://t.co/3njoG1AkDx
— Fair Play (@FairPlaypt) September 24, 2021