O que esperar da Alemanha nas qualificatórias para Paris

Lucas PachecoOutubro 31, 20239min0

O que esperar da Alemanha nas qualificatórias para Paris

Lucas PachecoOutubro 31, 20239min0
Lucas Pacheco explica o que esperar da Alemanha no caminho para os Jogos Olímpicos 2024 e quem é o favorito para a qualificação

A definição dos quatro quadrangulares classificatórios para as Olimpíadas de Paris, programados para o início de fevereiro, colocou no grupo do Brasil, com sede em Belém, Austrália, Sérvia e Alemanha. Para uma seleção que almeja retornar aos grandes torneios, com três vagas disponíveis, temos que ser realistas e listar a Austrália com amplo favoritismo. Embora tenha perdido o lugar cativo no pódio nos últimos anos, segue uma potência na modalidade, com um time competitivo e que entra em qualquer competição candidata a medalha. A Sérvia também desponta à frente, dado o exitoso retrospecto recente, o entrosamento e a excelente técnica Marina Maljkovic.

Não foi gratuito a Fiba mencionar o confronto entre Brasil e Alemanha como um dos principais das qualificatórias, partida cujo vencedor deve carimbar a última vaga do grupo. A Sérvia pode ser batida por qualquer dessas seleções (assim como a Austrália), porém sem vencer as alemãs o objetivo brasileiro dificilmente será conquistado. Logo, devemos nos perguntar o que esperar desse confronto.

A Alemanha possui pouquíssima tradição no basquete feminino, sem participação olímpica (tentará a estreia nos Jogos) e com apenas um Mundial no currículo (quando foi sede, em 1998). Entretanto, a federação tem investido nos últimos anos e os resultados na base parecem enfim aparecer no adulto. Dona de gerações promissoras, a Alemanha rompeu a primeira barreira ao retornar ao Eurobasket deste ano, quebrando um jejum de mais de 10 anos e 5 edições.

Curiosamente, a federação trocou o comando técnico após a classificação, ao demitir Walt Hopkins e contratar a canadense Lisa Thomaidis. Hopkins é conhecido pela preferência pelos arremessos de três, estilo transferido para o Eurobasket, já sob comando de Thomaidis, quando a seleção finalizou na sexta posição, com as chamas acesas da vaga olímpica. A canadense é velha conhecida do Brasil, por conta do trabalho à frente do Canadá (sua demissão passa pela incapacidade de elevar o patamar da atlética e promissora seleção, esbarrando nos jogos decisivos e mantendo-se fora do pódio).

Temos, assim, pouco material de análise da Alemanha com Thomaidis. Olhemos com calma para a sexta colocada no último europeu, resultado enorme para um seleção em busca de consolidação; no primeiro trabalho com um elenco praticamente igual, Thomaidis rompeu a segunda barreira e tentará a glória da vaga inédita em Paris.

A transição de técnicos não afetou a formação do elenco (praticamente o mesmo), a rotação (6 jogadoras acima de 20 min por jogo, 7 acima de 15 min por jogo) e o estilo de jogo. Na vitoriosa campanha do Eurobasket, a Alemanha foi a terceira equipe que mais arremessou da linha de 3 pontos (23 tentativas por jogo), apesar de ser a que menos tentou arremessos (57,3 por jogo, atrás até mesmo das últimas colocadas) – colocando a seleção como o penúltimo ataque (61,7 pontos por jogo).

O volume de arremessos longos contrasta apenas na aparência com o biotipo do elenco, principalmente das 7 mais utilizadas na rotação: delas, apenas a armadora Svenja Brunckhorst (32 anos) possui menos de 1,90m. Trata-se de um conjunto com bons fundamentos, ciente de suas forças e fraquezas, com boas mecânicas de arremesso. Emily Bessoir (22 anos), por exemplo, joga como pivô com muito espaçamento na UCLA (universidade nos EUA), e refletiu o gosto pelos arremessos longos no europeu (4,9 chutes de três e 2 de dois de média), mesmo deslocada para o perímetro na formação alemã.

A mais eficiente foi a experiente pivô, com passagem pela WNBA e no elenco do Valencia na atual temporada, Marie Guelich (29 anos, 1,95m); ao lado de outra pivô alta (1,90m) e muito fundamentada (Luisa Geiselsoder, 23 anos), formam a base do time. Duas pivôs pouco móveis, com dificuldade em defender no espaço, e muito inteligentes. Nas alas, um combo de tamanho, envergadura e habilidade, com a experiente Sonja Greinacher (31 anos e 1,90m) e a melhor jogadora do elenco, a ala Leonie Fiebich (23 anos e 1,92m).

Fiebich é disparada a mais talentosa do elenco, ainda que seu desempenho no europeu tenha sido reduzido por conta de lesão. Mas é ela quem pode produzir algo por conta própria, saindo do esquema. Seus chutes de três são excelentes, ela possui tamanho para enxergar bem a quadra e mobilidade para cobrir linhas de passe na defesa, aspectos carentes na seleção. É ela também quem irá socorrer a armadora quando necessário, sendo das poucas capazes de conduzir a bola com segurança ao ataque.

Tais carências quedaram expostas nas derrotas no Eurobasket, quando as adversárias pressionaram a bola e cortaram as linhas de passe. Contra França e Espanha, duas defesas agressivas, as alemãs sofreram demais. Já as vitórias ocorreram por margem pequena (o que parece ser uma característica do time, manter um ritmo/pace baixo), em confrontos equilibrados, contra elencos altos porém pouco atléticos. A Alemanha venceu a boa Eslovênia por 4 pontos, a Grã-Bretanha por diferença mínima e, no jogo que valia o qualificatório, superou a Tchequia por módicos 2 pontos, na prorrogação.

O padrão tático é bem definido e possui lacunas que o elenco não consegue suprir. Faltam alas que produzam por conta própria, ou mesmo em jogo de pick-and-roll. Sem agressividade, a equipe ocupou a última posição em lances livres cobrados (11,9 por jogo); pressionada a bola e sem passes fáceis, também no quesito turnovers, a Alemanha ocupou a lanterna, com folga (17,3 desperdícios por jogo), do Eurobasket. Ao longo do torneio, o número de assistências foi praticamente igual ao de desperdícios. A ausência de armadora de elite acarreta na necessidade das pivôs criarem e o efeito é a tendência a Guelich e Geiselsoder estourarem em turnovers.

Se essas características demonstram fraquezas, por outro lado a equipe soube superar suas deficiências e vencer os jogos equilibrados. Uma equipe que não se entrega e que joga dentro de sua identidade. Muita altura e pouco atleticismo podem gerar bons resultados quando bem manejados. Até fevereiro, data das qualificatórias, não há como superar os problemas na armação/perímetro; Thomaidis usou com parcimônia as reservas Jennifer Crowder e Alexandra Wilke no europeu e não aparentam ter a confiança da técnica, embora introduzam infiltração ao estilo tático pesado.

O Brasil, por sua vez, é uma equipe atlética, que pode exercer a defesa pressionada que tanto trabalho trouxe às alemãs no europeu. Porém, é também uma seleção com retrospecto terrível contra as europeias no passado recente.

Há outro fator, imponderável, que pode pesar a favor da Alemanha. Caso as irmãs Sabally juntem-se ao grupo, com sinalização positiva já que elas comporão a janela Fiba anterior em novembro, o cenário torna-se mais incerto. A pivô Nyara teve pouco espaço na recém finalizada temporada da WNBA e faz sua estreia na Euroliga; impossível qualquer previsão. Já a incorporação de sua irmã, a ala Satou (25 anos e 1,90m), seria o elemento surpresa que faria a balança pender para o lado alemão.

Satou figurou no quinteto ideal da WNBA em 2023 e ficou na quinta colocação na escolha da MVP. Uma ala com jogo de costas, capaz de infiltrar, com bom arremesso, envergadura… Ela possui o pacote ofensivo completo e, no contexto da seleção, ocuparia a posição 2, ajudando na armação e na produção/criação coletiva e desafogando as altas e pouco atléticas pivôs. O reforço de Satou Sabally seria bem vindo em qualquer equipe de basquete do mundo. A essa altura, distante três meses das qualificatórias, não podemos cravar sua presença na seleção alemã. Convem, entretanto, preparar-se para os piores cenários.

O Brasil gosta de correr, diferente da Alemanha. Grande parte do confronto depende do ritmo imposto e da defesa sobre as alemãs. Há uma disparidade atlética evidente a favor do Brasil, cuja contrapartida é a experiência alemã e os bons fundamentos. Seu núcleo duro disputa torneios competitivos no âmbito europeu, testado semanalmente contra a nata no continente. Será um duelo imperdível, com resultado imprevisível: a tradição se mantem e o Brasil finalmente retorna às Olimpíadas, ou veremos uma seleção estreante em Paris? Façam suas apostas.


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