Du Bist Weltmeister: o legado de Sebastian Vettel
No dia que hoje escrevo, 25 de junho de 2023, acontecerá o RedBull Showrun em Lisboa. A partir das 15h, poderemos ver o RB7 a percorrer as ruas de Belém debaixo do calor abrasador de um início de tarde de verão. O RB7 não é apenas mais um carro na história do automobilismo mundial, é o carro com que Sebastian Vettel se consagrou bicampeão de F1 em 2011. Comparativamente ao RB6, as características são praticamente as mesmas, divergindo em pequenos apontamentos de design e aerdinâmica. Nessa temporada, Vettel venceu 11 dos 19 Grande Prémios do calendário, evidenciando o domínio da maquinaria e o talento do piloto alemão.
Era o começo de uma nova era: uma marca conhecida pelas suas bebidas energéticas, que havia adquirido no ano de 2005 a Jaguar Racing, desafiava agora as históricas e conceituadas Ferrari e McLaren, fosse no campeonato de pilotos, fosse no de construtores. RedBull era sinónimo de ser cool e de colocar à prova o panorama estabelecido, tal como um adolescente rebelde a provocar toda e qualquer entidade que lhe seja superior.
De 2010 a 2013, um jovem Vettel conseguiu ser tetracampeão contra adversários como Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Jensen Button e Kimi Räikkönen. Durante esse perído, tornou-se numa figura um tanto polémica, não apenas por ganhar (quase) sempre e, por isso, fazer das corridas aborrecidas aos olhos de alguns, mas também pela sua forma de ser, vista como petulante. Talvez preferissem um piloto sisudo e sem sentido de humor, características muitas vezes associadas às pessoas verdadeiramente sérias e profissionais.
Todas estas opiniões mudariam drasticamente, bastando transferir-se para Maranello, casa da Ferrari, para tal acontecer. Na mais reputada e afamada equipa do desporto automóvel, passou a ser o piloto carismático e querido pelos fãs que conhecemos. “Everybody is a Ferrari fan. Even if they say they’re not, they are Ferrari fans.”, disse Vettel, e com toda a razão, durante uma entrevista. Independentemente da simpatia por qualquer outra equipa, a Scuderia Ferrari não deixa de ser um marco incontornável da História automóvel. Foi por décadas a equipa que todos temeram, aquela que representou Prost, Schumacher, Ascari, Niki Lauda e Nigel Mansell, sendo pioneira em muitos dos avanços que permitiram uma evolução refinada dos monolugares ao longo de mais de 50 anos. Ao lado dos italianos seria vicecampeão em 2017 e 2018, escapando-lhe pelas mãos o título que até hoje nenhum piloto voltou a conquistar ao seu serviço.
A chegada da pandemia trouxe consequências de um enorme impacto global, e claro que a F1 não ficou imune a isso. No final da temporada de 2020, Vettel abandonava os tifosi para se juntar a Lance Stroll na Aston Martin. Há sempre uma nuvem de expectativas em torno de um acontecimento destes. Depois do sucesso da Racing Point, prever-se-ia que a nova equipa de Lawrence Stroll fosse igualmente competitiva, ideia que rapidamente seria provada do contrário quando terminaram o campeonato de construtores em 7.º lugar por dois anos consecutivos. O otimismo transformou-se em frustração e a saída do alemão parecia cada vez mais próxima. Até mesmo na Hungria, quando aparentava começar tudo a correr de vento em popa depois de uma subida ao pódio em Baku, o alemão viria a ser desqualificado após os oficiais de corrida não terem conseguido retirar a amostra de 1 litro de gasolina exigida no fim da corrida, restando-lhe uns míseros 0.3 litros.
Chegados ao final de julho do ano passado, foi neste mês, em mais um dia de férias, que tive o desgosto de deparar-me com um vídeo a anunciar o que mais temia: a saída oficializada de Sebastian Vettel da F1. De imediato quis escrever um artigo, mas demoraria quase um ano a fazê-lo por sentir que nada do que publicasse fosse fazer justiça a uma figura tão singular e peculiar.
Vettel contribuiu para este desporto nas suas mais diferentes dimensões, fosse como piloto, fosse como figura política ativa dentro e fora do paddock. Dentro do paddock, assumiu o cargo de diretor do Grand Prix Driver’s Association, mais conhecido por GPDA, um sindicato defensor dos direitos e interesses dos pilotos. Foi uma voz ativa em temas como a segurança, a qual foi posta em causa vezes sem conta em acidentes como o de Jules Bianchi ou de Romain Grosjean. Há até uma conhecida transmissão de rádio no circuito de Spa-Francorchamps onde se revoltou contra a Federação Internacional do Automóvel (FIA) que até ao momento não tinha tomado nenhuma atitude quanto ao excesso de água existente no circuito, crendo que a corrida devesse ser interrompida por uma bandeira vermelha. Nestas circunstâncias perigosas, Lando Norris acabou a ter um acidente. Seb, visivelmente irritado, parou perto do britânico para certificar que se encontrava bem.
Depois de perceber que não havia problemas com o jovem, prosseguiu caminho e não se inibiu de deixar um recado aos delegados da FIA quanto ao tema. Fora do paddock, fez uso da sua posição privilegiada ao tornar-se um defensor acérrimo da sustentabilidade ambiental e dos direitos humanos. Num mundo onde muitas das ações associadas a estes temas são performativas, Vettel destacou-se por levar a cabo iniciativas bastante concretas e de impacto significativo. A nível da sustentabilidade ambiental, juntou-se ao Keep The Bees Humming, alertando para a importância da biodiversidade no futuro do Planeta e para a necessidade de autossuficiência dos produtores das várias regiões da Alemanha. Juntamente com várias crianças, foi ainda responsável por construir um hotel para abelhas, alertando de maneira lúdica para a questão.
Sobre direitos humanos, não foram poucas as vezes em que falou na Hungria, ao lado de Lewis Hamilton, sobre a legislação em vigor no país contra a comunidade LGBTQ+. Mais centrado na igualdade de género, criou a #Race4Women, organizando um evento de karting para mulheres sauditas, defendendo intransigentemente a presença feminina na grelha da F1.
O verdadeiro impacto deste homem só poderá ser realmente compreendido e medido num futuro distante. Até lá, fica a certeza de que o mundo da F1 se tornou melhor com o seu contributo, aconselhando os que precisassem de ouvir uma voz sensata e amiga – era o caso do menino dos olhos da Ferrari, Charles Leclerc, que tantas vezes recorreu a Vettel em momentos mais críticos – e consciencializando os que acompanhavam de perto a genialidade, se me permitem, de um dos melhores pilotos de que há memória, com um recorde de 9 vitórias seguidas à espera de ser quebrado.