O começo de um novo ciclo olímpico e a boa iniciativa da FIBA

Lucas PachecoAgosto 25, 20246min0

O começo de um novo ciclo olímpico e a boa iniciativa da FIBA

Lucas PachecoAgosto 25, 20246min0
A FIBA faz mudanças que Lucas Pacheco concorda e explica-te neste artigo que recomeça o relógio olímpico para 2028

Quando a FIBA apresenta uma nova proposta para o basquete feminino, as expectativas são baixíssimas e a desconfiança nubla a crítica adequada. O passado recente não autoriza grandes sonhos; a criação do ‘women’s basketball world cup 2026 pre-qualifying tournament’ veio cercada de ceticismo.

Com os dois quadrangulares na fase semi-final, sediados no México e em Ruanda, tendo transcorrida a fase de grupos, podemos voltar atrás e enaltecer a iniciativa. Que o torneio tenha vida longa e cresça cada vez mais; rara oportunidade de intercâmbio para as seleções fora do topo mundial, as participantes foram recrutadas pelas colocações nos continentais, ainda que não suficientes para a classificação olímpica. O bônus é a classificação direta, para as campeãs de cada quadrangular, para o pré-Mundial de 2026, pulando as etapas regionalizadas. Mas o mais importante é a troca, a chance de conquistar um título mundial, ainda que uma competição nível B. Nada melhor para o ‘bola ao alto’ de um novo ciclo olímpico.

No México, fizeram parte Montenegro e Tchéquia (Europa), México e Venezuela (América), Coréia do Sul e Nova Zelândia (Ásia + Oceania) e Moçambique e Mali (África). Seleções que dificilmente se enfrentariam se não nesse torneio, uma espécie de ‘mundial B’. Na fase de grupos, as européias saíram invictas e avançaram às semi-finais: a jovem Tchéquia duela contra o surpreendente (e anfitrião) México, na estreia de Gabriela Jaquez pela seleção; a experiente e eficiente Montenegro joga contra a rediviva Coréia do Sul, que buscou a classificação na partida derradeira, quando venceu com placar amplo o emergente Mali. Torneio muito interessante!

No Ruanda, reuniram-se Grã-Bretanha e Hungria (Europa), Brasil e Argentina (América), Filipinas e Líbano (Ásia + Oceania) e Ruanda e Senegal (África). Na geografia do basquete feminino, confirmou-se o crescimento das seleções africanas, cujo modelo mais significativo foi a ótima campanha da Nigéria em Paris, e que reverberou nessa competição – as duas africanas avançaram e farão a semi caseira. Outra tendência explicitada, esta que se prolonga na história, é o favoritismo das européias – apesar do sustos (derrotas na estreia, a Hungria para Senegal e a Grã-Bretanha para a Argentina), elas jogarão a outra semi. As semi e finais ocorrem nos dias 24 e 25.

E o Brasil? Eliminada na fase de grupos, com vitória sofrida sobre Filipinas, derrota de virada para Senegal e contundente para a Hungria, a seleção repetiu o resultado desolador do pré-olímpico de Belém, com desempenho inferior, diga-se de passagem. Jogávamos sem o trio da WNBA (Kamilla Cardoso, Stephanie Soares e Damiris Dantas), sem a dupla do perímetro responsável pelo retorno do domínio continental (Débora e Tainá), sem as talentosas jovens em processo de formação nos Estados Unidos (em high schools e colleges). O núcleo foi composto pela LBF, com os principais destaques da liga local. As mais experientes nunca chegaram a se consolidar na seleção adulta e o time careceu de identidade ao longo da competição; quem acompanha a liga não se surpreendeu com as quedas de intensidade, com os turnovers bobos e o baixo aproveitamento.

A mudança mais importante, entretanto, ocorreu após a saída do ex-técnico José Neto, todo poderoso na confederação brasileira mesmo sem atingir o objetivo de retornar o Brasil às competições mundiais. O primeiro na linha sucessória (João Camargo) também pediu dispensa e, em cima da hora do torneio, a seleção viu-se no limite para escolher um substituto. Atendendo aos clamores, enfim uma técnica foi convocada. No parco cenário nacionça, tampouco havia muitas opções; ajudou a formação de Bruna como técnica.

Discípula de Camargo, Bruna emula o esquema do mestre, cuja proposta, por sua vez, é copiada de.. José Neto. Por essa razão, dentro de quadra, vimos muitas similaridades táticas (ênfase nos chutes de três, defesa pressionada alternando pra zona, princípio do ‘chegar jogando’); o escasso tempo da técnica no comando resultou em uma réplica da formação do time campeão da LBF, o Sesi Araraquara (comandado por Camargo). 4 das titulares em Ruanda formavam a espinha dorsal do Sesi.

A cópia da cópia fracassou, mas todo o contexto deve amenizar a avaliação. Certo que o time deixou a desejar, em se tratando de uma técnica com pouca rodagem mesmo na liga nacional, com um elenco sem as principais referências e incorporando novidades ao elenco. Bruna é uma técnica em formação, em quem a confederação deveria investir; o pequeno ensinamento adquirido por Camargo junto à comissão técnica de Neto fez com que ele se destacasse no Brasil (significativo da falta de incentivo dos técnicos por aqui, preocupados em aspectos administrativos e focados mais na continuidade dos poucos projetos).

A herança de Neto deu as caras e a eliminação precoce confirmou o vaticínio – a desconfiança frente à LBF. Por outro lado, não podemos eximir o ex-técnico no fracasso em evoluir esse núcleo de jogadoras; em Ruanda, sem opções, elas tiveram que assumir, replicando um modelo de jogo sem resultados no nível mundial. Temos as peças para esse volume todo de bolas de três e pace acelerado? Nossas pivôs são baixas, bem diferentes das referências (sempre presentes nas convocações de Neto). No momento, não temos muita opção; qualquer pequena evolução das jogadoras, qualquer possibilidade de intercâmbio será valiosa.

Assim, muita cautela nas críticas para o mau resultado; estamos apenas na largada do ciclo olímpico. Não podemos jogar fora o bebê junto com a água do banho; o núcleo precisa evoluir e o plano tátic precisa de adaptar às especificidades e características das jogadoras disponíveis.

A verdadeira prova de fogo acontece logo na sequência, na disputa do Sulamericano. O Brasil defenderá o título e precisa figurar no pódio para chegar à Copa América, único caminho rumo ao Mundial. A Argentina conquistou bons resultados no torneio, assim como Venezuela, apesar das eliminações. Apivô Sassá será integrada, após pedir dispensa de Ruanda para curtir as férias? Tainá, Débora serão opções para agregar experiência?

Enquanto nós brasileiros colocamos as barbas de molho, convem aproveitar as finais dos torneios no México e em Ruanda. Bons jogos, com seleções pouco vistas – o basquete feminino só ganha.


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