[Aqua Moments] A pior derrota de Michael Phelps

João BastosSetembro 11, 20175min0
Michael Phelps teve muitas vitórias memoráveis, mas as suas derrotas (pela sua raridade) também passaram a fazer parte da História da modalidade

O Fair Play continua a sua série de artigos que recordarão momentos históricos (uns mais do que outros) da natação. O Aqua Moments olhará para o retrovisor e reviverá marcos incontornáveis da história da modalidade


O segundo Aqua Moment é dedicado ao maior nadador da História. Michael Phelps venceu 23 em 29 provas nadadas em Jogos Olímpicos e 31 em 34 provas que nadou em Campeonatos do Mundo. Entre tantas vitórias é difícil escolher a melhor, mesmo que, para quem viu, sejam inesquecíveis os confrontos com Milorav Cavic nos 100 mariposa, primeiro na vitória tangencial dos Jogos Olímpicos de 2008 e depois nos segundos cinquenta metros demolidores nos Mundiais de Roma 2009.

Memorável foi também a vitória da estafeta norte-americana 4×100 metros livres sobre os favoritos franceses, igualmente nos Jogos de Pequim 2008. Nessa altura, foi Jason Lezak quem manteve Michael Phelps na rota dos históricos 8 ouros olímpicos numa só edição dos JO.

Podíamos também eleger as vitórias sobre Ryan Lochte, o adversário com quem Phelps se cruzou mais vezes, quer nos 200, quer nos 400 metros estilos. Só considerando Jogos Olímpicos e Mundiais, Phelps defrontou Lochte por 7 vezes nos 200 estilos, com clara vantagem para Phelps que venceu 6 vezes, mas na única vez que Lochte ganhou (Mundiais de Shanghai 2011) estabeleceu o record do mundo que ainda vigora. Nos 400 metros estilos, os dois gigantes norte-americanos defrontaram-se por 3 vezes, com Phelps a levar a melhor em duas.

Foto: Getty Images

Resumindo, se o objectivo fosse eleger a melhor vitória de Phelps a tarefa seria complicada tendo em conta que foram muitas. Escolher a pior derrota cinge-se a leque muito mais restrito de possibilidades e aí não temos dúvidas.

Corria o ano de 2009 e Michael Phelps ainda vivia o estado de graça dos Jogos Olímpicos do ano anterior, durante os quais o mundo se rendeu ao maior desportista de todos os tempos, depois de ganhar oito ouros, numa competição imaculada.

Phelps foi aos Mundiais de Roma, em plena era dos fatos de poliuretano, retirando do seu programa as provas de estilos. Na capital italiana propunha-se ser campeão do mundo dos 100 e 200 mariposa, 200 livres, 4×100 e 4×200 livres e 4×100 estilos.

Este programa de 6 provas começava com uma das mais complicadas – a estafeta 4×100 livres – que os americanos acabaram por descomplicar, superiorizando-se (por curta margem) à Rússia e à França. Primeiro ouro para Phelps.

Na segunda prova, Phelps esperava ter um passeio. Eram os 200 metros livres, prova onde Michael Phelps era o recente recordista do mundo com o tempo de 1:42.96 que lhe deu o ouro olímpico em Pequim, e na qual viu o vice-campeão olímpico Tae-Hwan Park (que ficou quase a 2 segundos de Phelps em Pequim) ficar-se pelas meias finais.

O grande incómodo deveria vir da parte do alemão Paul Biedermann que na meia final bateu o record da Europa ao nadar em 1:43.65. Ainda assim, não deveria passar disso mesmo, um incómodo.

Assim chegamos ao dia 28 de Julho de 2009. Biedermann contra Phelps. Dois nadadores com uma técnica de nado bastante similar – posição alta na água, pernada forte, grande amplitude de braçada e respiração unilateral -, uma estratégia de prova idêntica – ambos conseguiam evoluir bem na segunda metade da prova – mas com grande vantagem para Phelps em fundamentos como partida (Biedermann ainda era dos poucos que não praticava a “track start”) e viragens.

Depois do tiro de partida, e depois de recuperar do atraso da partida, o alemão veio com tudo e aos 35 metros já liderava a prova. Veio a primeira viragem e Phelps voltou a colocar-se na liderança que Biedermann rapidamente recuperou. A meio da prova o alemão passou com o fantástico tempo de 50.12, com Phelps a passar em 50.25. Com os dois muito próximos e com o americano a aparentar estar a fazer uma prova mais controlada, o sentimento de todos espectadores da prova era que Michael ia ultrapassar Paul no momento que entendesse e levaria o ouro que já tinha o seu nome gravado.

Passagem aos 150 metros com o alemão 41 centésimos à frente do americano. Começava ali a parte da prova onde Phelps sempre estabeleceu as maiores diferenças para qualquer nadador no mundo, ou seja, os últimos 50 metros. O problema é que Biedermann não era qualquer nadador e o americano estava prestes a descobri-lo.

Os últimos 50 metros da prova daquele 28 de Julho foram um choque para quem assistiu. Paul Biedermann não terminou a sua prova de 200 metros livres a resistir a Phelps. Biedermann deixou Phelps completamente apeado e cravou uma diferença uma diferença de 1.22 segundos, para esmagar o record do mundo do americano, nadando em 1:42.00.

Na piscina sentia-se um misto de espanto e incredulidade, bem patentes nos rostos de Debbie e Hillary Phelps, a mãe e irmã de Michael. Também o o treinador de Phelps, Bob Bowman, teve uma digestão difícil da prova, afirmando que Biedermann tirou vantagem por ter usado um modelo de fato inteiramente revestido a poliuretano (Arena X-Glyde) em oposição ao Speedo LZR usado por Phelps, que incorporava poliuretano na zona do peito e pernas.

Desculpas à parte, o que é facto é que, ao terceiro dia do Mundial de Roma, um alemão foi a kryptonite do recém-aclamado semi-Deus do Olimpo. Na tarde soalheira do dia 28 de Julho de 2009, Paul Biedermann vulgarizou o melhor nadador de toda a História numa das suas melhores provas, fazendo o que um ano antes tantos tentaram e ninguém conseguiu.

No que restou dos Mundiais, Phelps não voltou a perder, saindo de Roma com 5 ouros e a prata dos 200 livres. Curiosamente nunca mais foi campeão do mundo dos 200 livres. Voltou a tentar em 2011 mas perdeu para o seu arqui-rival Ryan Lochte. Paul Biedermann também não voltou a ser campeão do mundo dos 200 livres, foi apenas quando infringiu a pior derrota de Michael Phelps.

Veja o vídeo:


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