March Madness e Washington State: a primeira loucura da época

Lucas PachecoMarço 9, 20236min0

March Madness e Washington State: a primeira loucura da época

Lucas PachecoMarço 9, 20236min0
O March Madness traz sempre loucuras e novidades, e Lucas Pacheco olha para uma das primeiras da época com o Pac 12 das Washington State

No Brasil, há um dito popular que afirma que ‘agosto é o mês do cachorro louco’; em relação ao basquete, nos Estados Unidos a mesma alcunha é dada ao mês de março. As ‘loucuras de março’ (March Madness) definem o cume do circuito universitário, quando o calendário chega ao fim com o torneio nacional e a consagração de uma universidade campeã. Nesta temporada, antes mesmo do chaveamento, uma vez que parte das conferências ainda realizam suas disputas internas, as loucuras já deram as cartas.

Das cinco principais conferências, quatro chegaram ao fim. Na SEC (Southeastern Conference), nenhuma surpresa com a vitória de South Carolina sobre Tennessee, por 74 x 58, ampliando sua invencibilidade; pela Big 10, Caitlin Clark e sua trupe conquistaram o bicampeonato de forma tranquila ao vencer Ohio State por 105 x 72. O título da ACC (Atlantic Coast Conference) acabou pela primeira vez na história com Virginia Tech, que derrotou Louisville por75 x 67. A conferência Big 12 está realizando suas finais nesta semana.

A loucura de março apareceu com força na costa oeste do país, onde a Cinderela universidade de Washington State faturou a forte Pac 12. Resultado absolutamente inesperado, já que a conferência abriga potências como Stanford, Arizona, Oregon, além de times em temporada histórica, como Utah e Colorado. Para mensurar o tamanho do feito de Washington State, o time chegou aos playoffs da conferência com a sétima posição na temporada regular.

A colocação colocou a equipe em ação desde o dia inicial, sem rodada de descanso. No primeiro confronto, único em que Washington State possuía favoritismo, vitória sobre Cal; na segunda rodada, duelo contra a segunda colocada Utah, universidade cotada para a elite do torneio regional, e vitória surpreendente. Avançar para a semifinal seria um resultado digno, porém insuficiente para as pretensões do grupo: nova surpresa com o triunfo sobre Colorado, que colocou a modesta universidade na final da conferência.

O outro lado do chaveamento, de onde sairia a outra finalista, também reservou boas e gratas surpresas. UCLA, apesar da ótima classe de calouras, atingiu a final mesmo largando na quinta posição da temporada regular; no caminho, teve que eliminar as favoritas Arizona e Stanford. Assim, a final colocaria frente a frente duas universidades em boa sequência, contraditórias à campanha de classificação; o favoritismo recaía sobre UCLA, detentora de um título da Pac 12.

Nada que atrapalhasse o crescimento de Washington State. Março costuma separar o joio do trigo e premiar equipes com uma cancha decisiva. No basquete, tal atributo é ainda mais valorizado, a capacidade de vencer partidas complicadas em momentos decisivos definem personagens e elencos para a história. Washington State entrou no seleto rol abusando de tais características.

O programa, comandado por Kamie Ethridge, recorre a centros inusuais e periféricos no mundo do basquete. Sem o apelo das grandes universidades, o recrutamento volta-se para o exterior e inclui jogadoras oriundas de Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Kosovo, Estônia, Finlândia e Ruanda. A craque do torneio foi justamente a neozelandesa Charlisse Leger-Walker, cestinha dinâmica com ótimo chute e muito inteligente.

Leger-Walker brilhou nos playoffs e coroou a ótima fase na final, quando anotou 23 pontos, 7 rebotes e 3 assistências. Ela é o eixo ofensivo da equipe, atraindo a atenção da defesa adversária; sua presença fora da bola atrai a defesa e ela mescla sua acurácia nos tiros de três (5/7 na final) com cortes indiretos para as pivôs. UCLA não teve resposta para seu jogo e, com seu aproveitamento precoce nos arremessos, obrigou-se a se adaptar, cobrindo sua movimentação, o que liberou espaço para a pivô ruandesa Bella Murekatete. Se UCLA cobrisse a arremessadora, Washington State explorava o pick-and-roll com a pivô, cuja trajetória até a cesta não encontrava segunda marcadora, atenta á movimentação do perímetro.

Murekatete saiu-se com 21 pontos (8/11 nos arremessos) e desafogou o ataque de Washington State. A característica que poderia desfavorecer a universidade, a baixa estatura, foi revertida a seu favor. O time esteve a frente do placar desde antes do intervalo, mantendo a vantagem no segundo tempo e fechando as vias ofensivas de UCLA – Charisma Osborne, cotada para a primeira rodada do draft da WNBA, terminou com 19 pontos, mas 6/16 nos arremessos, assim como caloura Kiki Rice (13 pontos em 16 chutes).

Impossível não exaltar o plano tático proposto por Kamie Ethridge, cuja dinâmica atingiu seu ápice no momento mais decisivo da conferência. Independente de Washington State prolongar a sequência no torneio nacional, a universidade conquistou o título inédito com a vitória por 65 x 61, primeio título da universidade em qualquer modalidade coletiva. Não é pouca coisa.

As oportunidades surgidas em março refletem ainda histórias pouco conhecidas do público. Washington State produziu uma história digna de contos de fada, embora sua treinadora tenha um longo cinturão de títulos e muita história para contar. Ethridge foi, ela própria, em sua época de jogadora, uma estrela: jogando pela universidade de Texas, a armadora conquistou o título nacional em 1986, faturando ainda o prêmio de melhor jogadora do país.

Foto: USA Olympics

Seu currículo não para por aí: ela é campeã pan-americana (1987), mundial (1986) e olímpica (1988) pela seleção dos Estados Unidos. Infelizmente, Ethridge jogou numa época difícil do basquete feminino profissional; sua geração possuía a única saída de migrar para outros países, trajetória buscada por Ethridge em uma temporada na Itália. Com todas as dificuldades, porém, ela retornou a seu país e logo acomodou-se como assistente técnica no nível universitário, única etapa com possibilidades reais de profissionalização no basquete feminino da época.

(Foto: Texas Tech)

Um nome quase esquecido hoje, devido a fatores extra-quadra, que retoma sua proeminência com o grande trabalho em Washington State. Prova de que, mesmo distante das condições adequadas, o basquete feminino produz linhas de continuidade histórica e figuras emblemáticas que teimam em prolongar casos de sucesso e um basquete bem jogado.

Não podemos adivinhar o futuro de Washington State e das jogadoras que conquistaram o inédito título da Pac 12, sequer quanto ao torneio nacional, para o qual a universidade assegurou sua participação. Nem uma eliminação precoce apagará a conquista histórica – e os efeitos do título para as gerações futuras e para centros pouco comentados do basquete feminino mundial.

Foto: USA Olympics

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