Dos filmes de Kung-Fu ao auto-conhecimento

Fair PlayMaio 29, 20183min0

Dos filmes de Kung-Fu ao auto-conhecimento

Fair PlayMaio 29, 20183min0
Uma crónica do professor João Maurício Brás

Uma grande parte dos jovens no fim dos anos setenta e anos oitenta recordam com nostalgia os filmes de Kung Fu, especialmente Bruce Lee e as escolas Shaolin, entre outros. Tardes e noites inesquecíveis que se prolongavam fora do cinema, onde não raras vezes as técnicas eram repetidas, ora em jeito de brincadeira, ora mais a sério, em que cada um colocava em prática o seu estilo gafanhoto, urso, cobra, águia ou mesmo a conjugação de vários estilos.

Se para a maior parte de nós era a faceta lúdica que nos remetia para outros universos, alguns acabaram por ter nos filmes de artes marciais um estímulo para brilhantes percursos no mundo das artes marciais, como o mestre Fernando Fernandes. Como ele tantas vezes tem repetido em conversa e mesmo em entrevistas, esse tipo de filmes marcou a sua personalidade e o seu percurso de vida. Cada um de nós não se esquece desses cinemas, no caso do Fernando, os saudosos Éden, Jardim Cinema, Animatógrado, Arco-Íris, Politician, Campolide, Paris, Europa, etc, que eram locais de sonho e de aprendizagem.

As artes marciais ficaram assim no imaginário de gerações, no meu caso, nunca esqueci esses anos, e descobri mais tarde nos desportos de combate uma atividade por excelência para o desenvolvimento físico, psicológico e mental. Como praticamente amador tenho constatado os vários fatores onde estas modalidades trazem benefícios insuperáveis nas mais diversas áreas.

Como professor de Psicologia e Filosofia tenho refletido não só sobre esse tipo de desporto como até na importância que tem para mim e as diferenças que vejo nos meus alunos que também são praticantes dessa modalidade.

Há uma longa tradição intelectual e cultural no Ocidente que sempre separou o corpo da mente. Atualmente todas as evidências filosóficas e científicos permitem-nos afirmar que não temos um corpo, somos um corpo. Mente, componente psicológica e biológica são inseparáveis.

O nosso tipo de vida pode promover uma união mais ou menos harmoniosa entre esses dois domínios, mente e corpo, que apenas podemos separar teoricamente. Destaco pelo que conheço das modalidades de Kick-Boxing e de Muay-Thay que são ideais para promover essa conjugação harmoniosa. Estes desportos podem ser praticados com objetivos muito diversificados, desde a alta competição até ao simples exercício físico, que neste caso não é um exercício qualquer. A quantidade e a diversidade de movimentos implicam a mobilização da quase totalidade dos músculos do nosso corpo, a atividade de cárdio também é garantida. A grande vantagem mesmo para qualquer atleta amador ou curioso é a demonstração clara dessa promoção da relação entre corpo e mente. A atenção, os reflexos, a perceção, a coordenação motora, a capacidade de reação e decisão, a concentração, o foco, a disciplina são requisitos que não só são desenvolvidos como se tornam fundamentais.

Uma das principais máximas da filosofia “Conhece-te a ti próprio” está inscrita desde há milhares de anos no templo de Delfos. Esta frase remete para a importância do auto-conhecimento como processo crucial da nossa existência. As modalidades de combate são um bom contributo para esse auto-conhecimento, quer dos nossos limites, da nossa capacidade de superação, de enfrentar os nossos medos, e estabelecer desafios. O conhecimento não é só reconhecimento de algo, mas também o que fazemos dessas experiências e novos dados que desconhecíamos. O conhecimento é inseparável do como viver, e o aprofundamento da dimensão ético-moral é um dos traços fundamentais que se adquirem com este desporto. Lealdade, amizade, altruísmo, cumprimento de regras, companheirismo, entreajuda, respeito e admiração são alguns desses valores.


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