Hegemonia confirmada
Os torneios olímpicos de basquete em Paris, como não podia deixar de ser, tinham como eixo as seleções dos Estados Unidos, ao redor das quais surgia a principal questão a ser respondida: alguma seleção conseguirá desbancar a hegemonia norte-americana e arrancar o ouro? No masculino, eram quatro ouros consecutivos, tendo que remontar a 2004 para outro país alcançar o posto máximo. Nos Campeonatos Mundiais, pelo contrário, a última conquista estadunidense ocorreu em 2014, fenômeno explicado pelo peso muito maior das Olimpíadas para o país; as edições mais recentes presenciaram elencos mais jovens, desfalcados das principais estrelas.
Ainda assim, com o acúmulo de conquistas recentes, pairavam dúvidas sobre a força dos Estados Unidos. Não somente pelas derrotas nos Mundiais, como pelo predomínio de atletas estrangeiros na NBA. Se a geração de LeBron James e Steph Curry impunha-se, as mais novas não demonstram o mesmo domínio. Em Paris, as principais estrelas resolveram aparecer e acabar com qualquer dúvida.
No feminino, a hegemonia é ainda mais acentuada, com sete ouros olímpicos seguidos (última derrota na longínqua edição de 1992) e quatro Mundiais (perdeu o ouro em 2006). Com uma dinâmica diferente à do masculino, onde os altíssimos valores da liga nacional afastam os protagonistas do ‘mundo Fiba’, as principais jogadoras apresentam-se tanto em Olimpíadas quanto em Mundiais. Desse modo, as expectativas eram sobre possíveis derrotas dos Estados Unidos, resultado que ficou a segundos de ser atingido – nos dois naipes.
A seleção masculina não encontrou resistência até as semi-finais em Paris, com vitória acachapante inclusive sobre o Brasil nas quartas. No duelo contra o tri-MVP da NBA, o pivô Nikola Jokic, as duas principais estrelas precisaram de performances históricas para carimbar a vaga na final. A Sérvia impôs seu ritmo logo de partida e manteve o desempenho alto nos três primeiros quartos, iniciando os dez minutos finais com vantagem de 13 pontos. Faltavam 10 minutos para entrar na história, mas do outro lado estavam ninguém menos que LeBron e Curry. O primeiro liderou o time com um triplo-duplo (16 pontos, 12 rebotes e 10 assistências), enquanto o segundo anotou surreais 36 pontos, com direito a 64% nas bolas de três, em alto volume (9/14).
Stephen Curry and LeBron James knew exactly what they were doing with this post. 😂https://t.co/iuf8Yvyqhi
— Lakers Nation (@LakersNation) August 23, 2024
Com um último quarto arrasador (parcial de 32 x 15), os Estados Unidos virou e venceu por 95 x 91. Na final, o confronto seria contra os anfitriões, com arena lotada e a maior jovem estrela do basquete mundial em Victor Wembanyama. A França soube superar a periclitante fase de grupos (quando sofreu para vencer o Brasil e contou com colaboração dos árbitros para superar o Japão) e evoluir na fase eliminatória; para tal, fundamental a mudança na formação e no estilo do time promovida pelo técnico Vincent Collet. Ele sacou Rudy Gobert do time, escolhendo o dinâmico e explosivo pivô Guerschon Yabusele para seu lugar; a substituição deu o fluidez que o time não encontrara até então, alcançando a final após despachar os atuais campeões mundiais (Alemanha) na semi-final.
O esperado duelo correspondeu às expectativas e, novamente, se não fosse o talento e a liderança de LeBron (14 pontos, 6 rebotes e 10 assistências), o resultado poderia ser outro. O ouro estadunidense veio após o placar de 98 x 87, diferença enganosa, posto que a França encostou nos minutos finais. Curry salvou a pele com dois minutos fabulosos, daqueles que somente ele é capaz, fechando a final com 24 pontos e conversões longas decisivas (8/12 de três). Wembanyama lutou e teve uma atuação digna das expectativas, com 26 pontos e 58% de arremessos de quadra.
Foi um ouro suado e conquistado dentro da quadra, com muito mérito. Se o cenário internacional continua perigoso ao domínio dos Estados Unidos (Wembanyama apenas iniciou sua carreira na seleção, Jokic conduziu a Sérvia ao bronze, a Alemanha com um conjunto fortíssimo, o Canadá com estrelas da NBA etc), não foi desta vez que o ouro olímpico teve destino diferente. LeBron Foi eleito o MVP do torneio, aos 39 anos de idade.
Os prognósticos colocavam a seleção feminina com mais favoritismo, confirmado na campanha até a final. A menor margem de vitória fora de 13 pontos sobre a Bélgica e os Estados Unidos chegaram à final repetindo o duelo contra a França, dona do elenco mais diverso e atlético do mundo (atrás apenas das estadunidenses). Não foi uma final de nível técnico bom; muitos erros dos dois lados, nervosismo e defesas sobrepondo-se aos ataques. O que faltou em qualidade técnica e tática (ambas as equipes com mais turnovers que assistências e módicos 33% de aproveitamento), sobrou em insuspeito equilíbrio.
Todos esperavam uma fácil vitória dos Estados Unidos, porém a partida chegou ao intervalo empatada. O equilíbrio permaneceu no segundo tempo, com leve vantagem às norte-americanas, sempre na frente do placar. Mas as francesas dificultaram ao máximo; enfim o técnico Jean Aime Toupaine definiu a identidade do time com base da defesa. Ele optou por uma única pivô (não tão alta, porém extremamente móvel), uma armadora e três wings com bastante envergadura, atacando as linhas de passe. A estratégia funcionou e a França teve o arremesso final para empatar e forçar a prorrogação: 3 pontos atrás, Marine Johannes preferiu passar para Gabby Williams, que chutou no estouro do cronômetro e converteu. O problema? Ela pisou na linha e o arremesso valeu dois pontos (67 x 66), selando o oitavo ouro olímpico consecutivo para os Estados Unidos.
D’Tigress takes its place in history as the first African team to reach the Quarter-Finals (Men or Women).
Before this historic outing, teams from Africa tallied only one win in 37 games played in the Women’s tournament. pic.twitter.com/ao1u00vGya
— DTigress (@DtigressNG) August 4, 2024
A’ja Wilson foi eleita a MVP do torneio e Diana Taurasi faturou sua sexta medalha de ouro, tornando-se uma das maiores atletas da história dos Jogos. Outro momento histórico aconteceu graças à Nigéria, primeira seleção africana (nos dois naipes) a avançar para a fase eliminatória. No caminho, as nigerianas venceram a Austrália, que deu a volta por cima durante a competição e garantiu o bronze com tirunfo sobre as belgas. A medalha aumentou ainda mais a grandiosidade de outra atleta histórica do basquete: Lauren Jackson, aos 43 anos, conquistou sua quinta medalha olímpica, atingindo o pódio em todas as edições em que competiu. No hiato de duas edições em que ela aposentara, a Austrália ficou fora do pódio.
A passagem de bastão entre gerações na seleção estadunidense feminina ocorre de forma menos brusca que na masculina; os Estados Unidos largam o próximo ciclo olímpico novamente como francas favoritas a todos os títulos. Apesar do susto na final, a diferença frente às concorrentes segue imensa. Daqui a quatro anos, elas jogarão em casa e possuem tudo para ampliar a hegemonia.