Ciclismo de estrada nos Olímpicos 2020: Carapaz e Roglic para a História
Está concluída a vertende de ciclismo de estrada dos Jogos Olímpicos de Tóquio, e tivemos duas empolgantes provas ao longo da semana. Primeiro, a prova de estrada, na madrugada de sábado, e a prova de contra-relógio a disputar-se na madrugada de quinta-feira.
Portugal fazia-se representar pelo prodígio João Almeida, com ambiçoes nas duas vertentes, e por Nélson Oliveira, que trabalhou muitissimo na prova de estrada para Almeida. Ambos são excelentes contra-relogistas, pelo que tinham legítimas aspirações no contra-relógio.
Começando pela prova de estrada. Um dificilimo percurso, com 230 kms no total, mas com zonas diabólicas onde as pendentes chegavam aos 12% (não vamos aqui entrar em escrutíneo de todas as dificuldades do percurso, para não massar).
Uma prova com subidas de elevada dificuldade, perfeitas para os puros trepadores e para voltistas completos.
Nos favoritos às medalhas, os belgas perfilavam-se como nomes fortes a ter em conta, contando com um super Wout Van Aert, que vinha de terminar em grande o Tour de France, coadjuvado pelo fenómeno Remco Evenepoel (também candidato a uma medalha) e pelos classicómanos Greg Van Avermaet (medalha de ouro no Rio 2016) e Tiejs Benoot.
O bicampeão do Tour Tadej Pogacar encabeçava a forte comitiva eslovena onde também estava Primoz Roglic, mais dois grandes nomes na luta pelo pódio olímpico. Um percurso bem ao estilo do veterano Alejandro Valverde que liderava uma armada espanhola composta pelo campeão nacional espanhol Omar Fraile, e pelos irmãos Izaguirre.
Os irmãos Simon e Adam Yates, com Geraint Thomas e Tao Geoghegan Hart na comitiva, davam esperança à Grã-Bretanha, enquanto os Países Baixos podiam sonhar através do trio composto por Bauke Mollema (um especialista neste tipo de percursos longos e com várias subidas), Tom Dumoulin e Wilco Kelderman.
Os azzurri da Italia também se perfilavam como candidatos a estar na luta, com trepadores de grande nível como Vincenzo Nibali, Damiano Caruso ou Giulio Ciccone, e ainda o vencedor da Volta à Flandres 2019, Alberto Bettiol.
Se é para trepar montanhas, é chamar os colombianos. Bernal foi ausência notada, mas Nairo Quintana, Rigoberto Urán ou Sergio Higuita davam garantias, à semelhança de Jakub Fuglsang pela Dinamarca, ajudado por Kasper Asgreen e Michael Valgren.
Richard Carapaz e Jonathan Narváez carregavam as esperanças equatorianas, March Hirschi as suíças, Alexsandar Vlasov as russas, Dan Martin as irlandesas, Max Schachmann e Emmanuel Buchmann as alemãs, Michal Kwiatkowski e Rafal Majka as polacas, todos eles com apoio de 2/3 homens.
Também Michael Woods pelo Canadá se sentia como peixe na água neste percurso, com a ajuda de Gillaume Boivin e Hugo Houle. George Bennett e Brandon Mcnulty tentavam dar a Nova Zelândia e Estados Unidos, respetivamente, motivos para sorrir no ciclismo.
Uma prova com vários ataques, com Evenepoel, Caruso e Pogacar a arriscarem, com o esloveno a fazer a maior diferença e a levar consigo Woods e McNulty. Devido ao percurso, muitos foram ficando para trás, mas um grupo numeroso conseguia manter-se na frente antes da última subida, onde Carapaz e McNulty atacaram e deixaram a concorrência para trás.
Apenas o super Van Aert trabalhava para chegar à frente (mesmo sem grande ajuda quase conseguiu alcançar o duo da frente), mas vendo o aproximar da concorrência, Carapaz meteu a quinta e só parou no ouro olímpico, um dia histórico para o Equador e para o ciclista da INEOS, que junta esta medalha ao Giro de 2019, e aos pódios na Vuelta 2020 e Tour 2021.
A mais de um minuto chegavam os restantes, e num sprint pelas medalhas restantes, Van Aert ficou com a prata, ficando Pogacar com o bronze, com Mollema, Woods, McNulty, Adam Yates, Gaudu e Urán a falharem o pódio no sprint final.
No contra-relógio, previa-se mais um dia de dificuldades. Um percurso longo (44 kms), com várias subidas pelo meio, com pendentes acima dos 6% em alguns locais, o que deixava os puros contra-relogistas (mais pesados) em alerta.
Wout Van Aert partia como grande candidato à vitória (o belga de 26 ansos é um perigo em qualquer tipo de prova), por ser muito explosivo para as subidas ao longo do percurso. No entanto, o percurso parecia também feito para o australiano Rohan Dennis, ou para Remco Evenepoel, quiçá para Primoz Roglic ou para Geraint Thomas, se estivessem num bom dia.
Os puros homens do esforço contra o relógio, Filippo Ganna, Stefan Kung ou Remi Cavagna, tinham de estar num grande dia, mas eram naturalmente nomes a ter em conta para as medalhas, não esquecendo as possíveis “gracinhas” que os lusos João Almeida e Nélson Oliveira podiam fazer.
O colombiano Rigoberto Urán fez o primeiro tempo referência, mas um super Tom Dumoulin vinha a voar baixo, e completou o percurso em menos tempo, tirando 1 miniuto e 13 segundos ao tempo de Urán. Mas o dia era de Roglic. O esloveno vinha com tudo, e completou os 44 kms em 55 minutos e 4 segundos, menos 1 minuto que o companheiro da Jumbo-Visma, Dumoulin.
Mas ainda não era altura de relaxar. Rohan Dennis, Filippo Ganna e Stefan Kung vinham com tempos muito próximos, e qualquer um ainda podia ameaçar pelo menos a prata de Dumoulin.
Dennis garantia o lugar de bronze, a 3 segundos da prata, e esperava pelos tempos de Ganna e de Kung. O suíço fazia praticamente o mesmo tempo de Dennis, com alguns milésimos a mais, e o campeão do mundo Filippo Ganna fechava no quinto lugar com mais dois segundos que o australiano da INEOS.
Ouro para o azarado Roglic, que devido a uma queda teve de abandonar o Tour, e deu aqui uma demonstração de força mental e dedicação.
Prata para Dumoulin, tal como no Rio 2016. Um momento de clara emoção para o neerlandês, que em Janeiro pôs a carreira em suspenso por motivos pessoais (não estava mentalmente bem). Voltaria em Junho na Volta à Suiça, e ninguém esperaria que se apresentasse desta maneira apenas com 2 meses de treino intenso (com mais tempo, talvez fosse possível o ouro).
Bronze para Dennis, um dos grandes especialistas contra o relógio dos últimos 5 anos, campeão do mundo da disciplina por duas vezes.
João Almeida e Nélson Oliveira em 16º e 21º, respetivamente, numa prestação digna dos dois lusos.