Futebol de praia no combate às alterações climáticas

André CoroadoFevereiro 27, 20196min0
Embora cada vez menos, o futebol de praia é influenciado pelo clima das regiões onde se pratica. Mas poderá o futebol de praia ter uma palavra na luta contra as alterações climáticas? O sucesso dos heróis das Ilhas Kwai vem provar que sim!

As condições naturais e o clima de uma determinada região exercem uma influência indubitável no panorama desportivo local, conforme o atesta a maior ou menor popularidade de desportos realizados ao ar livre que requerem um conjunto de condições básicas por forma a viabilizar a sua prática.

O futebol de praia, por se tratar de um desporto tradicionalmente (e como o nome indica) ligado à praia, acaba por florescer mais facilmente em nações com uma vasta linha costeira salpicada de amplas extensões de areia, o substrato natural desta modalidade.

Todavia, um dos pontos mais marcantes da evolução da modalidade no século XXI consistiu a vulgarização da prática de futebol de praia em destinos pouco ou nada conotados com a cultura balnear, em recintos muito afastados da praia que receberam grandes quantidades de areia aí colocada para o efeito. Naturalmente, o melhor exemplo provém da ascensão ao estatuto de potências da modalidade de países sem litoral como a Suíça ou com um clima rigoroso como a bicampeã mundial Rússia, onde se disputa a partir de hoje o Mundialito de Clubes de Futebol de Praia (indoor).

Atendendo a esta realidade, o futebol de praia poderá até ser considerado mais ou menos imune aos constrangimentos geográficos e meteorológicos, devendo o seu desenvolvimento nos próximos anos continuar a pautar-se pela expansão da modalidade a novas áreas do globo.

À luz do que acabámos de referir, o espectro das alterações climáticas que paira sobre a humanidade, cada vez mais iminente, não parece ameaçar a prática do futebol de praia, que necessita apenas de um campo de areia com as dimensões oficiais, o que sempre será de fácil concepção. Mas por que não colocar a questão ao contrário? Poderá o futebol de praia produzir algum impacto sobre o aquecimento global e as alterações climáticas? A história que vos trazemos hoje vem justamente provar esta ideia.

Os heróis da Ilha Kwai

Na longínqua Oceânia, diversas nações insulares enfrentam hoje em dia os desafios prementes que as alterações climáticas colocam. Os mesmos atóis que em meados do século XX foram utilizados pelas grandes potências nucleares (nomeadamente os EUA) como palco de testes de armas nucleares são agora ameaçados pelo aumento do nível da água dos mares, que se manifesta através de marés extremas e tempestades.

Trata-se de uma situação frequente nas Ilhas Salomão, particularmente na Ilha Kwai, na província de Malaita, cujos problemas quotidianos têm vindo a adquirir algum mediatismo graças à iniciativa de um grupo de cidadãos muito peculiar: a selecção de futebol de praia da ilha.

Numa região que tem vindo a registar alterações significativas da paisagem, o campo de futebol de 11 da ilha acabou por ser devastado pelos sucessivos eventos meteorológicos extremos, mas os habitantes não tardaram a encontrar uma nova forma de praticar desporto com qualidade: foi construído um campo de futebol de praia no local do antigo campo de futabol de 11 e, desde então, a dedicação dos jovens locais ao futebol de praia tem sido notável. O desenvolvimento técnico dos atletas culminou na criação de uma equipa super competitiva, que acabaria por gerar sensação nas Olimpíadas desportivas das Ilhas Salomão em 2016, vencendo o torneio de futebol de praia.

O triunfo da equipa local no mais importante evento desportivo do país produziu um impacto tremendo, não apenas por se tratar da vitória de um conjunto de jovens de um pequeno ilhéu, mas pela forma como os atletas trouxeram as alterações climáticas e o risco de destruição da ilha que os viu nascer ao debate público.

Na memória colectiva das Ilhas Salomão ficou o momento em que o capitão da seleccção de Kwai, Roy Funusui Mafane, subiu ao lugar mais alto do pódio para receber a medalha de ouro conquistada pela sua selecção, lavado em lágrimas. Mais do que as aspirações desportivas de uma equipa, os jovens de Kwai representavam a esperança de um povo impotente perante a submersão iminente da terra que lhes sesrve de casa, e a oportunidade de dar voz a quem não tinha a possibilidade ese manifestar foi aproveitada da melhor forma por Roy e os seus companheiros de equipa.

O triunfo das Rising Stars of the sinking island of Kwai (estrelas em ascensão da ilha de Kwai prestes a afundar-se, como ficarão conhecidos), teve um impacto que se estendeu muito para lá das Olimpíadas de 2016. Desde então, as gentes da ilha passaram a contar com um maior apoio por parte da Federação de Futebol das Ilhas Salomão (SIFF), que tem lutado ao seu lado para conseguir desbloquear fundos que permitam proteger os habitantes da ilha do inevitável avanço das águas do mar.

Apesar da resistência imposta por um sistema que reduz o orçamento dedicado ao ambiente em comparação com áreas como a economia, a saúde ou a educação, algumas mudanças têm vindo a ser anunciadas nesse capítulo. Para já, a construção de diques que protejam pontos mais vulneráveis parece estar a caminho, assim como medidas análogas em outras ilhas vizinhas que padecem do mesmo problema.

Kwai: um bom princípio para uma missão (quase) impossível

Estamos portanto perante uma pequena história de sucesso, protagonizada pelos heróis de Kwai, que por via da sua paixão pelo futebol de praia lutam pela terra onde deram os primeiros passos na areia. Contudo, apesar da pequena vitória alcançada, seria preciso muito mais do que o financiamento de um muro para salvar a ilha de Kwai, como milhares de outras ilhas e regiões costeiras um pouco por todo o mundo.

Na verdade, só uma acção concertada a nível global poderia travar a subida do nível médio das águas do mar e evitar o desaparecimento de ilhas como Kwai. Para que tal ainda seja possível, urge continuar a escutar os apelos dos habitantes das regiões mais afectadas e lutar para que sejam ouvidos pela classe política na hora de tomar as decisões.

Para já, se nos é permitido ter um pouco de esperança, pelo menos podemos sorrir um pouco perante o exemplo da história de sucesso dos heróis das praias de Kwai. Eles não deixaram de lutar pela sua casa e continuaram a treinar arduamente, conforme o atesta a recente chamada de 5 jogadores locais à selecção nacional das Ilhas Salomão que vai disputar a qualificação para o Mundial de Futebol de Praia FIFA 2019.

É pois por isso com Fair Play que aplaudimos a atitude desta equipa de valorosos guerreiros, para que possam continuar a fazer exaltar os valores mais nobres do desporto em defesa de uma causa tão nobre.


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