Eurobasket 2023: Enfim, a merecida coroação belga

Lucas PachecoJunho 29, 20238min0

Eurobasket 2023: Enfim, a merecida coroação belga

Lucas PachecoJunho 29, 20238min0
Lucas Pacheco faz o balanço ao Eurobasket 2023 feminino que teve a Bélgica como a campeã, num torneio de emoções e dúvidas

Não se pode dizer que o pódio do Eurobasket 2023 feminino surpreendeu, uma vez que as três primeiras colocadas no torneio continental estão bem ranqueadas e constam no topo da modalidade a alguns anos. A França consolidou-se como uma das principais potências da modalidade e renova suas seleções sem perder consistência ou ceder medalha – última vez em que ficou de fora no pódio do Eurobasket remonta a 2007. Mesmo sem suas duas grandes estrelas (Marine Johannes e Gabby Williams), em conflito de calendário com a federação, a seleção manteve-se na disputa e saiu da competição ostentando o bronze.

Ao lado das francesas no topo da Europa (e mundo) na média duração, a Espanha reverteu a campanha ruim da edição passada e retomou seu lugar, sagrando-se vice-campeã. Com a exceção de 2021, a última edição sem medalha para as espanholas fora no longínquo 2011; a dúvida deixada pela sétima posição em 21 tartou de ser enterrada com a vitoriosa campanha nesta edição. Se há um mês, discutia-se se a ESpanha perdera seu lugar de destaque, agora a narrativa virou e podemos afirmar que a troca de geração tem tudo para ser exitosa.

O grande destaque foi o título belga, inédito na história, que coroa uma geração talentosa e que vinha batendo na trave há bons anos. Não houve adversária párea para a Bélgica: na primeira fase, as tranquilas vitórias asseguraram a passagem direta às quartas, quando destruiu a então atual campeã Sérvia por 40 pontos de diferença. O resultado final da semi-final (87 x 83 sobre a França) não traduz a superioridade belga, que abriu logo de cara e conduziu a partida com segurança. Se houve dificuldade na campanha, foi na partida decisiva contra a Espanha.

O brio de campeã foi finalmente testado e a seleção saiu-se com louvor; após passar o jogo inteiro atrás, contando com participação exígua das reservas e rotação curtíssima, a Bélgica fez um maravilhoso quarto final (parciaal de 21 x 10) e virou nos cinco minutos finais. O placar final (64 x 58) demonstra a dificuldade do duelo, ditado pelas espanholas, que restringiram a pontuação belga a apenas 4 jogadoras e aumentaram os desperdícios belgas.

A impressão é que o plano de jogo espanhol funcionou: 16 arremessos a mais, Vanloo não teve tantos chutes de três e obrigou a pivô Kiara LInskens a pontuar em situações de 1×1. Nos momentos de aperto, o espírito campeão aparece e a pivô conseguiu recolocar sua equipe no prumo; em momentos cruciais, ela apareceu no estouro do cronômetro para manter a Bélgica na disputa. Terminou com 18 pontos, 15 rebotes e 3 tocos.

Porém, a despeito da fundamental atuação de Linskens na final, a principal personagem da histórica conquista foi Emma Meesseman. Ninguém sintetiza tão bem o longo e árduo caminho de uma seleção sem tradição rumo ao topo da Europa. A Bélgica aparece no mapa do basquete feminino graças à pivô Ann Wauters, draftada na primeira escolha da WNBA em 2000, e campeã da Euroliga pela primeira vez em 2002, com apenas 22 anos. Sua carreira explicita a dominância que impunha nos garrafões – resultados não traduzidos para a seleção. Faltava companhia à pivô.

Wauters catalisou o surgimento de outros valores e, mesmo no final de sua trajetória dentro das quadras, orientou e comandou a primeira medalha continantel para seu país, em 2017. Ao seu lado, as irmãs Mestdagh (aposentadas da seleção) e a base da seleção agora campeã europeia; nesse processo, Wauters acompanhou o surgimento de uma estrela mundial da modalidade. Emma Meesseman, seguindo os passos de sua referência, logo migrou para a WNBA e desde cedo estabeleceu uma carreira vitoriosa na Europa. Meesseman acumulou títulos por onde passou, faltando apenas o ouro pela seleção belga.

Tarefa que ela cumpriu com maestria no Eurobasket recém finalizado: líder em eficiência (29,8, 7 acima da segunda colocada), cestinha (21,7 por jogo), líder em roubos (4,3), quinta nos rebotes (8,7) e tocos (1,3) e terceira em assistências (5,2). Isso tudo com média alta de minutos (mais de 30) e peça chave no esquema defensivo belga. Impressionante? Que tal o primeiro triplo-duplo da história da competição, obtido nas quartas?

O título de MVP não podia ter outra dona. Messeman, MVP de finais da WNBA, multi-campeã nos clubes europeus, adicionou outra conquista a sua coleção, talvez a mais relevante de todas até o momento.

Meesseman  teve companhia de duas companheiras belgas no quinteto ideal e não podemos menosprezar as atuações magistrais da armadora Julie Allemand (organizadora e ritmista das campeãs) e da surpreendente ala Julie Vanloo, com suas bombas precisas e mecânica aceleradíssima. Allemand não figura mais como surpresa, oposto a Vanloo, cuja carreira não teve o mesmo reconhecimento. Completam o quinteto ideal da competição a ala espanhola Alba Torrens e a pivô francesa Sandrine Gruda.

De resto, a competição refletiu as expectativas e nenhuma grande surpresa aconteceu. A Hungria terminou na quarta posição, resultado de uma seleção organizada, com liga local forte, que finalmente galgou alguns degraus no continente – a ver como desempenham nas próximas competições, onde a expectativa certamente será mais alta. A Sérvia parou nas quartas-de-final, ainda ressentindo-se das aposentadorias de Jelena Brooks e Sonia Vasic. A Alemanha fez um bom torneio e comprovou as esperanças depositadas nos jovens talentos: Leonie Fiebich firma-se a cada jogo e, caso consigam a dupla de irmãs Sabally (além de aprimorar a armação), devem disputar medalha no futuro próximo. A Tchequia, com uma seleção renovada, avançou mais que o esperado e um honroso sétimo lugar.

Individualmente, vale mencionar a atuação da pivô norte-americana, naturalizada montenegrina, Natasha Mack, principal responsável pela inesperada passagem às quartas de final. As naturalizações seguem a todo vapor na Europa e são raras as seleções que não recorrem a esse artifício para preencher lacunas táticas – para o bem da modalidade, a campeã Bélgica não precisou disso.

Ponto de preocupação para a competição, e para o comitê organizador, deve ser o baixo público nos ginásios. Com as seleções hóspedes (Eslovênia e Israel) eliminadas na fase inicial, presenciamos ginásios vazios, silenciosos e que depõm contra a modalidade. Deveria ser foco prioritário de atenção para as próximas edições do Eurobasket.

Sob a ótica da construção de uma modalidade, visando o futuro, a Fiba pode contar com jovens talentos, que deixaram sua marca na edição. Seja na competente e aplicada reserva belga Maxuella Lisowa Mbaka, seja na promissora armadora francesa Leila Lacan, ou na talentosíssima ala eslovena Ajsa Sivka, o futuro europeu (dentro das quadras) está garantido e pavimentado.


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