Diana Taurasi, o adeus de uma lenda
Em um período de três anos, despedimo-nos das principais jogadoras de uma geração dourada do basquete feminino estadunidense. Em 2022/23, Sue Bird e Sylvia Fowles anunciaram o fim de suas carreiras; em 2024, chegou a vez de Candace Parker. Nesta semana, recebemos a notícia de que Diana Taurasi não disputará a temporada 2025, optando pela merecida aposentadoria. É o fim de uma era, com a despedida do último esteio de uma geração que comandou a liga por quase duas décadas.
Taurasi acumulou títulos por onde passou, suas conquistas e troféus encheriam uma casa (Diana Taurasi). Caso raro no esporte, sua carreira profissional possui mais vitórias que derrotas, mesmo com uma carreira longeva. Na universidade de Uconn, três títulos nacionais (de quatro disputados); na WNBA, três títulos; na Euroliga, seis troféus, mesmo número de medalhas de ouro olímpicas. Sem mencionar os três ouros em campeonatos mundiais pelos Estados Unidos. Poucos currículos chegam perto do de Taurasi, a maior pontuadora da história da WNBA.
Para o público brasileiro, o gostinho especial por uma das poucas derrotas de Taurasi pela seleção, no distante Mundial de 2006, sediado em São Paulo. No único revés pela seleção em jogos oficiais, os Estados Unidos foram batidos pela Rússia na semi-final, ainda na fase inicial de Taurasi representando seu país.
Diana Taurasi, de ascendência argentina, surgiu como um foguete, liderando a segunda geração de estrelas da WNBA, geração esta que já possuía a liga profissional como futuro garantido. Ela compartilhou a quadra com as pioneiras e, ao longo de mais de 20 anos, levou o bastão para a nova geração, figurando como principal modelo de jogadora para as novatas. Em certo momento, todas queriam ser a próxima Diana Taurasi, cujo poderio ofensivo e mentalidade vencedora saltavam aos olhos. Apesar de certa introspecção na relação com a mídia e os fãs, Taurasi ajudou a consolidar a WNBA, estabelecendo parâmetros altos.
Seus dois primeiros títulos, em 2007 e 2009, vieram com estilos táticos que favoreciam ritmo acelerado e arremessos rápidos, com ênfase em liberdade para as jogadoras atacarem a cesta. Nada mais acertado que construir esse ambiente em torno de uma das cestinhas mais letais que o esporte já testemunhou. No período de 2006 a 2011, ela não liderou a liga em pontos somente em 2007, ano do primeiro título; ou seja, ela foi imarcável por longos 6 anos! Com a chegada de Brittney Griner ao Phoenix Mercury, Taurasi achou um complemento a seu jogo de perímetro e o título de 2014 coroou a parceria.
Certamente, Taurasi não será rememorada por suas ações políticas ou seu engajamento nas discussões entre jogadoras (mão-de-obra) e franquias (patrões); o ativismo tão característico da geração mais nova não fez parte da rotina de Taurasi, ocupada em pontuar em rodo, vencer títulos por onde passava e mesclar sua carreira na WNBA com a Europa. Em 2015, sua opção em descansar na temporada da WNBA causou burburinho e levantou o debate sobre o baixo pagamento na liga – ela recebeu de seu clube russo mais do que o salário que receberia pelo Mercury, com a contrapartida de descansar e se preparar para a temporada europeia seguinte.
Aliás, impossível não falar da junção de talento promovida pelo Spartak Moscow, que juntou nada menos que Taurasi, Sue Bird (amigas íntimas desde os tempos de Uconn) e Lauren Jackson. Mais tarde, ela jogou ao lado de Candace Parker em Ekaterimburgo. Na Europa, a diferença no regime de investimento de cada clube possibilita verdadeiros esquadrões, sempre montados com Taurasi como a opção 1.
Taurasi também será lembrada por seu temperamento explosivo e provocador, afinal ela acumula uma quantidade de faltas técnicas invejáveis a Dennis Rodman. Por vezes, sua competitividade extrapolava. Nada que macule sua estrondosa carreira; alguns gestos, passada a ira do momento, merecem destaque, como quando, em plena bolha de 2020, com a temporada disputada em uma única sede, ela xingou um juiz e soltou “te vejo no lobby [do hotel] mais tarde”.
Como testemunho pessoal, há que se recordar as séries de semi e final de 2021. Já na fase final da carreira, sem o mesmo atleticismo e com sua defesa cada vez mais vulnerável, Taurasi foi essencial para conduzir um desvalorizado Mercury à final. Na semi, em uma série épica contra o amplo favorito Las Vegas Aces, Taurasi liderou sua equipe à vitória no quinto e decisivo jogo – as jogadas desenhadas por Sandy Brondello para seus chutes de três não encontraram resposta e ela ainda deu um toco na gigante Liz Cambage em lance decisivo para a vitória. A final contra o Chicago Sky não teve o mesmo resultado; após a derrota por 3 x 1, Taurasi simplesmente esmurrou a porta do vestiário. Ela não estava acostumada a perder.
Ela foi protagonista em muitas das principais séries de playoffs da história da WNBA, seja nas finais de 2007 (Mercury 3 x 2 Detroit Shock), seja na semi de 2018 (Mercury 2 x 3 Seattle Storm). Seu negócio era vestir a camisa e entrar com mão aquecida; tendo na pontuação sua principal característica, não podemos deixar de mencionar sua visão de quadra (figura na quarta posição da história). Nunca tida como uma grande defensora, ela soube, porém, compensar com esquemas que a favoreciam, relegando-a para proteger o aro (função em que se destacou) e ajudar no lado contrário.
Aos 42 anos, ela se sentiu completa. E sem alarde, sem uma campanha de despedida, decidiu se retirar para curtir a família. Taurasi é casada com sua ex-companheira Penny Taylor, ala-armadora australiana que chegou em Phoenix no mesmo ano de Taurasi (2004), com quem tem dois filhos. Penny Taylor, antes de dividir uma família, foi companheira de quadra, complemento perfeito ao instinto assassino de Taurasi.
Taurasi aposenta-se sem nunca ter trocado de franquia, algo que as gerações mais novas instituíram quase como regra. Assim como Sue Bird, elas deixam um legado não somente para a liga, como para suas franquias e cidades.
Na universidade, seu técnico uma vez argumentou a razão de Uconn vencer: “nós temos Diana”. Poucas frases definem e resumem tão bem uma atleta. Se a WNBA é o que é hoje, deve muito a Diana Taurasi; se Uconn consolidou-se no topo da NCAA, grande parte veio por obra de DT; se os Estados Unidos construíram uma dinastia imbatível, liste Taurasi como um dos motivos.
Agora é hora de curtir seu imenso legado (WNBA Legend Diana Taurasi Reflects On Her Retirement And Legacy). Que a lenda, uma das melhores jogadoras que o basquete já viu, desfrute de sua carreira. A partir de hoje, teremos somente os vídeos de partidas antigas para rever o talento, a disposição e a fúria de Diana Taurasi.