Desejos para o basquete feminino em 2025
Algumas tradições merecem ser mantidas. Finais de ano propiciam avaliações do que passou e projetam o ano vindouro, com novas esperanças e expectativas. Manteremos, assim, a tradição do balanço do que ocorreu no basquete feminino, reformulado para 2025.
2024 foi ano olímpico, efeméride mais rara no calendário do esporte. Mais que uma mera competição, anos olímpicos criam períodos de planejamento para a modalidade – os 4 anos entre as edições criam uma unidade, um marco para aferição do sucesso de um programa, de uma federação, de um país. Após a final em Paris, em agosto, inaugurou-se um novo ciclo olímpico, com o mesmo resultado dos últimos oito ciclos (24 anos!) e a ampliação da hegemonia estadunidense; para detectar mudanças, precisamos sair do pódio, vez que as medalhistas são figurinhas carimbadas.
Sob uma temporalidade de média duração, as seleções asiáticas vinham conquistando medalhas nas últimas competições e ficaram de fora das semi-finais olímpicas. As seleções europeias retomaram esse espaço; a Nigéria atingiu resultado histórico, chegando às quartas-de-final. Ainda que pouco, a geopolítica do basquete feminino alterou-se. Quem segue por baixo é o Brasil.
Basquete brasileiro
Outra tradição, seguida pelos parcos e diminutos amantes do basquete feminino brasileiro, é a crença em novos tempos. Contra toda a desorganização e fragmentação do circuito, ao final de 2023 seguíamos acreditando na vaga olímpica para Paris. A realidade mais uma vez expôs o tamanho do buraco da modalidade, aprofundado por aqueles que deveriam trabalhar pelo oposto. Perdemos, em casa, com direito a roubo de placar, para as três concorrentes, repetindo a mesma fórmula tática que despreza as alas em prol de pick-and-roll no estouro do cronômetro.
Sem a vaga, os recursos destinados à modalidade minguaram ainda mais. Sem qualquer projeto relevante de base, sem planejamento da Confederação, restou comemorar (até quando?) o patrocínio do banco estatal à liga adulta. A seleção adulta, fora de Paris, cumpriu o resto do calendário anual com um basquete esquecível, acumulando derrotas para Hungria, Senegal e Argentina. As seleções de base regrediram ainda mais, sintetizado pelo vexatório quarto lugar no Sulamericano sub 15, quedando fora da Copa América sub 16 e do Mundial sub 17.
Iniciamos um novo ciclo de desilusão. Desta vez, as esperanças recaem na contratação da nova comissão técnica da seleção adulta. No final do ano, a CBB anunciou Pokey Chatman; anúncio posterior à demissão da coordenadora Roseli. Com técnica nova, experiente e vitoriosa, com passagem pela WNBA e Euroliga, falta todo o resto: quem coordenará o feminino? O quanto Pokey influenciará as seleções de base e o circuito interno? Como será a divisão entre seu trabalho na WNBA (assistente do Seattle Storm) e na seleção, sendo que os calendários coincidem?
Torcemos pelo êxito. O baixo nível técnico nos obriga a projetar as gerações futuras, dada a pequena probabilidade de sucesso na curta duração. Assim, atenção especial ao Mundial sub 19, previsto para julho de 2025. O Brasil garantiu a (última) vaga continental e terá à disposição algumas das apostas para o futuro próximo da seleção, como Manu Alves, Ayla McDowell, Alexia Dagba, Mica Cavalcanti, Heloísa Carrera, base de muito potencial e que, bem treinada, pode surpreender e atingir uma oitava posição (resultado excelente em confronto com as últimas competições da base). Aaliyah Guyton tem idade para compor o grupo e seria um reforço importantíssimo (já faz muito tempo que ela vestiu a amarelinha e precisa retornar urgentemente). Que essa geração receba investimento e seja nomeado um(a) técnico(a) capaz de elevar o desempenho delas.
Enquanto sonhamos, cumpre repetir um trecho do balanço anterior: “O basquete feminino corre atrás do próprio rabo há uma boa década e a brincadeira não parece estar perto do fim”. Sem um ‘plano de salvação’, seguimos sem presente de Natal.
Estados Unidos
Na terra da criação do esporte, não há motivos para desânimo e ceticismo. A WNBA cresce vertiginosamente e a chegada das novatas pop stars Caitlin Clark e Angel Reese arregimentou público do universitário para a liga profissional. Haverá expansão de franquias nos três próximos anos, o novo acordo coletivo a ser firmado entre jogadoras e a liga promete ampliar consideravelmente o lucro daquelas, novas levas de estrelas chegarão nos drafts vindouros. Com a melhora da infraestrutura profissional, a tendência de hegemonia da seleção amplia-se ainda mais. Único ponto negativo do crescimento visto em 2024 foi a chegada do público de extrema-direita ao basquete feminino, nublando as narrativas ao redor da liga e deixando um gosto amargo em meio à empolgação.
Dentro de quadra, testemunhamos a história sendo feita, ainda que de forma diferente à esperada. O Las Vegas Aces não ampliou sua dinastia e encerrou a sequência de dois títulos consecutivos, dando lugar à inédita e merecida conquista do New York Liberty. O bastão rumo à história está de posse do Liberty, que buscará igualar o feito do Aces e faturar o bi-campeonato; sua base permanecerá junta e a direção fez movimentos que asseguram um elenco forte para os próximos anos. Sabrina Ionescu atingiu novos patamares em 2024, Breanna Stewart superou a oscilação das últimas temporadas e Jonquel Jones demonstrou a razão de ser uma das principais pivôs da liga. A peça que faltou em 2023 veio da Europa, na polivalente e excelente Leonie Fiebich.
A experiente Sandy Brondello terá concorrência nova na liga, já que 7 franquias trocaram de técnico na offseason, além da estreia de Natalia Nakase pelo Golden State Valkyries. Seguindo tendências da NBA, a liga vem optando por ataques mais fluidos, espaçados e velozes. O rol de estrelas na WNBA vai aumentar: Paige Bueckers, JuJu Watkins, Hannah Hidalgo, Olivia Miles, Flau’jae Johnson, Madison Booker logo estarão nos principais palcos do basquete feminino, advindas do universitário.
Nessa etapa, os desejos do final de 2023 cumpriram-se integralmente, com o tri-campeonato invicto de South Carolina, liderado pela brasileira Kamilla Cardoso. A temporada em andamento promete maior equilíbrio, com destaque para as tradicionais South Carolina, Uconn e Notre Dame, a ressurgência de USC e a ascensão de UCLA. A prevalência da equidade pode ocasionar surpresas, ampliando as loucuras de Março. Do ponto de vista das brasileiras, Aaliyah Guyton retornou às quadras ao estrear por Iowa; Alexia Dagba galga seu espaço na rotação de Georgetown; logo Manu Alves e Taíssa Queiroz estrearão (respectivamente por Illinois e North Carolina); e Idaho aposta no técnico brasileiro Arthur Moreira.
Europa
Presenteados no final de 2023, pudemos ver o show de Napheesa Collier no Final Four da Euroliga, peça fundamental para o bi-campeonato do Fenerbahçe. A dupla com Kayla McBride não somente confirmou o favoritismo turco como entrosou a parceria que culminaria no vice campeonato da WNBA, alguns meses mais tarde. Junte Emma Meesseman e Yvonne Anderson e está explicada a supremacia do Fenerbahçe.
A Euroliga (Euroliga 2024/25: palavra-chave no grupo A é… equilíbrio) é a competição mais consolidada do mundo, impedindo mudanças tão bruscas. As equipes favoritas da temporada passada são as mesmas da atual, obviamente aquelas com maior poder financeiro (leia-se: os times turcos). Por essa razão, repetimos os votos de que alguma surpresa ocorra no Final Six (houve mudança no formato) e um azarão roube o troféu. Em 2024, o Villeneuve D’Ascq chegou à final; em 2025, quem se candidatará?
As mudanças vistas da Euroliga decorrem de fatores externos aos clubes. Alguns anos atrás, o banimento da Rússia pela Fiba causou um verdadeiro êxodo. A Federação, mais interessada em política e dinheiro, sequer discute o retorno da Rússia, a despeito de nenhuma medida ter sido tomada contra Israel. A cada ano, a Fiba torna a promissora geração russa em pária internacional. Tampouco há muito a se fazer na concorrência que a Euroliga enfrenta para contratar estrelas de primeira prateleira dos Estados Unidos: além do aquecido mercado chinês, a liga Unrivaled arregimentou mão-de-obra antes disponível para a Europa.
Com menos investimento, vemos mais lançamento de jovens talentos. Não à toa, Carla Leite, Leila Lacan, Iyana Martin, Matilde Villa, Helena Pueyo chegaram à Euroliga com protagonismo e minutos na rotação. Que elas sigam evoluindo e alguma delas consiga destronar o Fenerbahçe do topo.