As armadoras e as alternativas coletivas: Brasil e Alemanha

Lucas PachecoNovembro 23, 20237min0

As armadoras e as alternativas coletivas: Brasil e Alemanha

Lucas PachecoNovembro 23, 20237min0
Lucas Pacheco traz o último artigo de antevisão à qualificatória para os Jogos Olímpicos de basquetebol feminino com destaque para o Brasil

O anseio brasileiro pela vaga olímpica no basquete feminino é notório e amplamente justificado. Fora da última edição, assim como dos dois últimos Mundiais, a seleção enfrenta os efeitos de décadas de má gestão, a despeito do país ter vivido um período de estímulo ao esporte de alto rendimento (sediando grandes torneios e implementando políticas de incentivo e fomento). Demorou, mas agora que a seleção do Brasil atingiu o fundo do poço, a retomada mostra-se árdua.

lassificar para Paris significa visibilidade e aporte de recurso pelo Comitê Olímpico Brasileiro, a ponto da Confederação Brasileira de Basquete (CBB) voltar a sediar um torneio adulto de basquete feminino, mais de 10 anos após a Copa América de 2011. Tão criticada, a CBB ainda juntou o elenco e a comissão técnica para um camping durante a última janela FIBA, e espera colher o resultado em fevereiro, no quadrangular de Belém que classifica 3 seleções aos Jogos.

Não foi à toa o olhar atento sobre Sérvia e Alemanha, concorrentes à vaga, considerando que a Austrália deve assegurar a classificação. E a análise das rivais joga luz sobre nossas próprias qualidades; ao destrinchar o conjunto alemão, detectamos a fragilidade na armação, posição ocupada por Svenja Brunckhorst, de 32 anos e 1,79m. No Eurobasket, em junho, as adversárias alcançaram sucesso quando pressionaram a bola; fato que se repetiu nas duas partidas de novembro, válidas pelas qualificatórias para o europeu de 2025. Com Satou Sabally em quadra, ela assumiu parte da função e tirou pressão da armadora titular.

A técnica Lisa Thomaidis testou formações alternativas, mas nenhuma outra jogadora rendeu a ponto de desbancar Brunckhorst. Mesmo que Satou Sabally tenha melhorado a transição ofensiva, a defesa ainda penou com Brunckhorst em quadra – espaço aproveitado pela jovem armadora Matilde Villa, mais eficiente e principal causa da vitória italiana. Novamente: não é uma surpresa e até mesmo o escritor oficial da Fiba aponta a carência no elenco.

No jogo de espelhos, a imagem da seleção brasileira não destoa da alemã e, posição por posição, temos tanta dificuldade na armação quanto a ascendente Alemanha. A maior parte da torcida brasileira diverge e diversos nomes aparecem como alternativas ao técnico José Neto. Nada que cause a perda de confiança em Débora (32 anos e 1,64m), presente em todas as listas e titular em quase todas as partidas.

A torcida reclama e aponta a dificuldade de Débora se manter em alto nível nos clubes. Nas últimas cinco edições da LBF, Débora passou por 4 equipes, repetindo apenas a passagem no Sesi Araraquara (2019 e 2023); seus números não causam espanto, com aproveitamento na carreira de 41,3% dos arremessos de dois pontos, 27,5% de três pontos e 64,6% nos lances livres. A ausência de poderio ofensivo é constantemente destacada e, na edição deste ano, ela perdeu a titularidade para uma armadora nunca convocada para a seleção. A carreira no exterior tampouco empolga, com passagens curtas por clubes pequenos e humildes.

Não raras vezes, tendemos a individualizar demais um esporte que é coletivo. Débora não perde sua posição na seleção porque ela organiza e conduz bem a equipe, atributos que nenhuma outra armadora brasileira conseguiu desempenhar nesses quase cinco anos de trabalho da atual comissão técnica. Várias foram testadas e nenhuma correspondeu como Débora. Não custa lembrar que, antes do Pan de 2019, quando ela enfim (e tardiamente) assume a vaga, a seleção sofria na posição 1.

O cenário manteve-se, mas Débora soube conquistar sua posição. Ela pode não pontuar (e isso faz falta em alguns momentos), mas construiu uma química com a ala-armadora Tainá Paixão (nossa craque do perímetro) e faz bons passes para as pivôs, principal força do Brasil. Se ela não comprometer o ataque com turnovers (a relação assistências por turnover é boa na LBF), já terá contribuído – a essa altura, todo mundo sabe que ela não traz ameaça na pontuação.

E, do outro lado da quadra, é onde ela se destaca e assegura seu lugar cativo: qual outra armadora é capaz de pressionar a bola como Débora? Seu desempenho oscila de torneio para torneio, sem prejudicar sua defesa, sempre em bom nível.

Brunckhorst (Foto: FIBA)

Quadro muito similar ao da seleção alemã, com a diferença de que Débora possui explosão não vista em Brunckhorst. Por outro lado, a armadora alemã é mais refinada no jogo de pick-and-roll. Dificilmente veremos a armadora brasileira atacando a alemã no 1×1 como a italiana fez, mas para um esquema com trocas defensivas constantes, o Brasil pode desenhar jogadas para forçar a troca de Brunckhorst em Tainá, deixando Débora iniciar o ataque e manter-se offball durante a movimentação.

Na defesa, Débora terá papel fundamental e sua mobilidade e agilidade devem pressionar a bola alemã, a todo instante. Repito: nenhuma outra jogadora hoje no Brasil é capaz de defender tanto quanto ela nessa posição. A inconstância preocupa – não faz muito tempo que o Brasil viu-se obrigado a puxar Tainá para a posição 1, com as duas armadoras de ofício relegadas ao banco (Sulamericano do ano passado).

Com todas as críticas possíveis, Débora deu estabilidade à seleção numa posição carente. Ela conquistou seu lugar e merece o reconhecimento pela comissão técnica – as recentes conquistas foram obtidas com ela na organização do time.

Seleção tem um aspecto intangível, há um histórico nas mais diversas modalidades de jogadores que sobem quando na seleção. Débora e Brunckhorst não estão na primeira prateleira na posição, mas foram as responsáveis por conduzir suas seleções ao quadrangular – com papéis bem definidos, ainda que diminutos. Elas estarão em Belém e, a essa altura, com menos de três meses, não há outro caminho a trilhar.

Voltamos ao caráter do basquete: no coletivo, deficiências individuais podem ser escondidas, disfarçadas e minimizadas. Desde que o time esteja na mesma página, com papéis e atribuições delimitadas, cientes de situações de jogo que potencializam as armadoras, a classificação é possível – seja para Alemanha, seja para Brasil.

A frase síntese das duas partidas da Alemanha com as irmãs Sabally aplica-se às armadoras, nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Longe de armadoras completas (como a sérvia Yvonne Anderson, por exemplo, motor de sua seleção), Débora e Brunckhorst não são tão frágeis como propagandeado, uma com ótima defesa, a outra com capacidade de organização ímpar. Brunckhorst converteu arremessos importantes em momentos decisivos; Débora produziu mais posses a partir de sua defesa. Quem equilibrar melhor a dosagem, com as armadoras da posição 1 diluídas em conjuntos altos e fortes, sairá vitoriosa e com a vaga olímpica.


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