A estagnação do basquete feminino no Brasil
No último mês, as atenções no basquete feminino voltaram-se para as fases finais das competições europeias (Euroliga e Eurocopa) e da NCAA; na sequência à coroação de South Carolina, o draft da WNBA causou frissom. Na Europa e nos Estados Unidos, os torneios assinalaram marcas históricas de audiência, com aumento exponencialmente da visibilidade e do interesse sobre o basquete feminino. O efeito imediato é o crescimento do investimento, no tão aguardado círculo vicioso.
For the first time in history, the NCAA women's basketball title game drew more viewers than the men's. pic.twitter.com/DTJbevFpBh
— Front Office Sports (@FOS) April 9, 2024
Enquanto a tendência mundial no basquete feminino aponta em uma direção, no Brasil seguimos estagnados. Por aqui, a presença nas Olímpiadas é fundamental para qualquer modalidade, à exceção do futebol, e como bem sabemos mais uma vez a seleção brasileira foi eliminada no pré-olímpico. Desde março, a Confederação não se pronunciou sobre o próximo ciclo olímpico, sobre a permanência ou mudança no comando técnico. Nenhum plano a médio prazo aparece no horizonte.
A historic #EuroLeagueWomen season on and off the court 🌟
Thank you for helping us grow the game! 🙏
— EuroLeague Women (@EuroLeagueWomen) April 23, 2024
Não bastasse os fracassos sucessivos da seleção brasileira, a Liga de Basquete Feminino (LBF) derrapa em entregar um produto atrativo. Dentro de quadra, como dito insistentemente aqui, o caminho é longo: reduzida a prática esportiva, com pouquíssimos clubes formadores, presenciamos os mesmos técnicos, com raras novidades no cenário, sem grandes inovações táticas, técnicas e físicas. A liga cresceu, com ampliação para 11 equipes, e mais jogadoras jovens entraram no mercado; a excitação sobre a temporada decorre, em sua maior parte, pelo afluxo de novos nomes.
Mas isso é insuficiente para o crescimento que a modalidade necessita. Enquanto no Brasil comemoramos que jogadoras de 22 anos sejam introduzidas na rotação, na França com essa idade as jogadoras frequentam a seleção adulta; nos Estados Unidos, fazem a transição para o profissional. Aqui, é o começo de um longo e acidentado processo, cujo auge vai acontecer na faixa etária dos 29 anos, em média.
O grupo do pré-olímpico retrata bem essa discrepância, dividido entre aquelas com mercado internacional e aquelas com mercado na liga nacional. Apenas 4 jogadoras do elenco abaixo dos 30 anos, muitas delas tendo a primeira chance em um torneio grande; a inexperiência em tais competições mostrou-se fatal. Para piorar, o técnico José Neto nitidamente não confiava no grupo de jogadoras da LBF, se vendo obrigado a utilizar uma formação inusitada e inédita no quarto decisivo da última partida. Suas declarações pós eliminação evidenciaram a descrença em parte do grupo (por ele convocada).
Seu assistente é o treinador mais vitorioso nos últimos anos na LBF. João Camargo revitalizou sua carreira em Blumenau e obteve a contratação do principal projeto do país, migrando para Araraquara. Ele não esconde sua principal influência: o técnico da seleção José Neto, chegando a praticar um basquete exatamente igual ao da seleção, com excesso de chutes de três, as mesmas movimentações ofensivas, a alternância entre defesa individual e zona. No cenário interno, sucesso; no internacional fracasso. A principal novidade na liga, a técnica (única mulher dentre as 11 equipes) de Blumenau Bruna Rodrigues, provem da mesma linha de formação.
A discrepância no nível entre os principais torneios de clubes e universidades do mundo com o Brasil é evidente. Na contramão do mundo, cujo calendário se inicia em setembro/outubro, indo até março/abril, a LBF opta por seguir a WNBA, liga muito acima da brasileira sob qualquer critério. Com apenas 2 meses na temporada, a LBF já está no meio do returno, acelerando seu calendário para não sobrepor ao período de seleção, com agenda para agosto (sulamericano e pré-pré-Mundial).
O modesto mercado brasileiro vê-se ainda mais estrangulado. Como uma atleta profissional, em uma carreira sujeita a contusões, pode se manter com salários baixíssimos, com meros cinco meses de atividade? Como podemos ver evolução nas jovens que enfim ganharam espaço na liga?
Algumas trajetórias exemplificam bem: ao encerrar suas carreiras universitárias nos Estados Unidos (o Brasil já aceitou terceirizar a formação ao invés de investir no circuito de base), Manu e Maria Paula Albiero pousaram na LBF e logo se destacaram, seja pelo nível físico superior, pela intensidade, pela carga tática. Após ótimas estreias, hoje parecem estagnadas; nomes que despontavam para o futuro da seleção. Manu restrita a um esquema de jogo rígido, sem variação; já Albiero voltou à boa forma em Itu, cujo técnico remonta aos anos 70 e 80.
A mudança de calendário da liga deveria ser prioridade para o bem do basquete feminino. Nos “detalhes”, a liga também peca – as transmissões do Live Basketball Br lembram conversa informal entre amigos, com pouca narração, sequer mencionando os nomes das protagonistas do espetáculo. O problema nos placares e cronômetros já foram normalizados: em duelos bons e equilibrados, os espectadores não podem confiar no tempo restante, nem no placar. Na boa partida entre Sodiê Mesquita e Santo André, intuíamos o tempo de posse; na única derrota do Sampaio na temporada, a transmissão da Imirante (melhor equipe disparada de transmissão) caiu nos minutos decisivos do primeiro e do segundo tempo – simplesmente não acompanhamos a virada do Ituano.
O baixo engajamento do perfil oficial da Liga nas redes sociais reflete a falta de cuidado com o produto. Enquanto o NBB (liga masculina) possui 159,8 mil seguidores no twitter, a LBF patina nos 14,7 mil, cerca de 10% de sua contraparte masculina.
Assim, seguimos, comemorando migalhas, enquanto a modalidade cresce a olhos vistos no mundo todo. Por aqui, as mesmas caras, os mesmos dirigentes, mais preocupados em se apoderar do pouco sucesso da modalidade, do que planejar conjuntamente e crescer organicamente em sua totalidade.
Padronizar o estilo das seleções femininas, do adulto à base, conforme os desígnios de um técnico (que nem contratado pela confederação é, que sequer acompanha a liga adulta ou o circuito de base), não nos levará de volta às competições mundiais. Manter o calendário em contraturno à maior parte do mundo não traz benefícios à liga, aos clubes ou às jogadoras, antes precariza ainda mais uma classe tão maltratada.
O destino deste desabafo é uma garrafa no meio do mar; as condições estruturais seguirão precárias e o basquete feminino à mercê do surgimento de valores individuais dependentes de outros centros de formação. Que ao menos a liga avance nos detalhes; seguimos torcendo que as jovens jogadoras tomem para si o rumo de suas carreiras e com isso consigam subir o nível da liga. O movimento global é favorável, restam as iniciativas locais.