Basquetebol brasileiro: um raio (feminino) em meio às trevas

Lucas PachecoJulho 6, 20237min0

Basquetebol brasileiro: um raio (feminino) em meio às trevas

Lucas PachecoJulho 6, 20237min0
Lucas Pacheco mergulha nos problemas dentro do basquetebol brasileiro que vive entre a luz e as trevas, mesmo quando há momentos positivos

O cenário do basquetebol brasileiro não traz um instante sequer de tranquilidade. Após a seleção masculina adulta amargar 16 anos sem vaga olímpica, Londres marcou o esperado retorno. O longo período coincidiu com desmonte do circuito de clubes e os problemas causaram interrupção dos campeonatos, cada um organizado por um ente. A contratação do técnico argentino, campeão olímpico, Ruben Magnano trouxe um porto seguro para uma geração ultra talentosa, formada por bons coadjuvantes na NBA.

A seleção, aos poucos, se recolocou nos principais torneios, enquanto no âmbito doméstico a Liga Nacional de Basquete dava início a um exitoso torneio, remontando o circuito de clubes e propiciando condições para o desenvolvimento dos jovens valores. Não havia outra possibilidade, já que a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) acumulava dívidas e soterrava boas gerações com a péssima gestão, cujo ápice foi a suspensão das seleções brasileiras pela FIBA.

Esse arranjo, por mais criticado que possa ser, trouxe estabilidade entre os entes que formam o sistema de basquete brasileiro masculino. Como tudo é dourado reluz, o sucesso da liga de clubes fez brilhar as ambições da CBB, que agora, num movimento pensado e ensaiado a bons anos, cancelou a chancela oficial da liga. A confederação pretende voltar a organizar a liga nacional, relegando todo o histórico de sucesso da Liga.

Os próximos passos parecem obscuros e o movimento, protagonizado pela confederação, joga a todos num limbo. Teremos, novamente, a fragmentação e a divisão em duas ligas totalmente independentes? Infelizmente, só resta aguardar. Essa luta que se desenha no horizonte causou reflexões sobre a modalidade no Brasil; sem surpresa alguma, a totalidade das análises exclui o basquete feminino.

Se no masculino a situação é periclitante, no feminino é ainda pior já que a redução dos clubes reduziu a prática esportiva, restringindo o circuito de base e atrasando a formação das atletas. A LNB contou, na última edição, vencida por Franca, com 17 equipes; adicionemos o campeonato organizado pela CBB, a liga de desenvolvimento e teremos um bom cenário, de disputa. No feminino, a liga profissional conta com 8 equipe; o Brasileiro sub 23, organizado pela CBB, teve 11 participantes.

Curiosamente, as últimas medalhas brasileiras foram conquistadas pelas mulheres. Nem esse dado prático entra na cabeça dos dirigentes e torcedores e analistas: a CBB sem fornecer tempo digno de treino aos conjuntos femininos (com alegação de falta de recursos); os torcedores e analistas e a imprensa especializada pelo desprezo frente ao feminino.

Impossível a briga não respingar sobre a seleção feminina adulta, já que a chancela foi cancelada enquanto a seleção treinava para a Copa América. As jogadoras permanecem alheias, como se a questão não lhes dissesse respeito, e embarcaram para a competição no México com suas duas principais jogadoras (Kamilla e Damiris) apresentando-se na última fase de preparação.

A Copa América é etapa rumo às Olimpíadas de Paris, assegurando duas vagas ao pré-olímpico mundial. Com 10 seleções, divididas em dois grupos, o Brasil iniciou bem sua caminhada, vencendo a renovada seleção cubana com tranquilidade: 92 x 53. O Brasil impôs-se fisicamente, com defesa pressionada e transição ofensiva veloz; as dificuldades no 5×5 foram superadas pelo domínio de nossas pivôs. Porém, aspectos perigosos desse jogo voltaram a aparecer nos dois confrontos seguintes, a vitória sobre a Venezuela (90 x 76) e ainda mais fortemente no triunfo sobre as argentinas.

O Brasil fez um jogo lento contra a Argentina, atrapalhado pela péssima arbitragem, que logo carregou todas as pivôs com faltas. Sem a principal via de pontuação, sofremos na mão das argentinas, que tiveram a bola final para vencer – e erraram. O baixo placar fala por si: 56 x 55, com aproveitamento pífio (25%), mais desperdícios que assistências e sem movimentação ofensiva. Em toda posse, buscava-se as pivôs, enquanto as demais estacionavam no perímetro e na primeira oportunidade chutavam da linha de três pontos.

Uma exibição para esquecer, que despertou desconfiança na torcida. O próximo jogo, último da fase de grupos, seria contra a poderosa seleção norte-americana, valendo o primeiro lugar da chave. E daí, de repente, acontece uma epifania impensável: o Brasil faz um belo jogo, movimentando no ataque e pressionando na defesa. Jogadoras até então nulas aparecem e o Brasil restringe o ataque adversário – a vitória por 67 x 54 relembrou a todos do poderio e da tradição da seleção brasileira. Sem dúvida, também mostrou o talento dessa geração, que carece de melhores condições de preparação. Ainda que contra um adversário formado por universitárias, elas são estrelas e protagonistas, cotadas para os próximos drafts da WNBA.

Lauren Betts demonstrou toda sua qualidade, ao finalizar com 11 pontos e 15 rebotes, em um duelo equilibrado com a brasileira Kamilla. Felizmente, pela primeira vez no torneio, a seleção canarinho jogou como um coletivo, organizado, onde cada uma desempenhou sua função, de forma eficiente. Nessas condições, é possível despontar todo poder de decisão da ala Tainá Paixão, que matou as adversárias no jogo de bloqueio.

Tainá tem histórico de derrotar os EUA, e o fez de forma similar à final do Pan de 2019. Vitória para reconquistar a torcida e demonstrar o potencial desse elenco. Garantido na primeira posição do grupo A, o Brasil cruzará nas quartas contra México ou Colômbia, que se enfrentam na rodada derradeira do grupo B. A conquista sobre os EUA “facilitou” o caminho rumo à final – e a uma vaga no pré-olímpico mundial, já que empurrou EUA e Canadá para uma eventual semi-final.

Se o mundo do basquete brasileiro desse mais atenção ao naipe feminino, principalmente a CBB, poderíamos ocupar um outro patamar. O respeito despertado pela seleção feminina nos lembra que somos o maior ganhador da competição continental (5 ouros), com retrospecto positivo frente às norte-americanas (5v e 3d), fato raro no esporte da bola laranja.

Entretanto, ao invés de propiciar condições adequadas, e mínimas, ao basquete feminino, a Confederação prefere se engalfinhar contra a Liga de Clubes. Convém lembrar que, enquanto a celebrada seleção masculina sub-19, finalizou a preparação com 3 amistosos de elite, a feminina embarca para o mundial da categoria sem nenhum confronto na agenda.

Pobre modalidade que desperta o pior nas organizações de gestão, enquanto os resultados desaparecem. Resta apenas torcer para que, dentro de quadra, surjam raios como o que a seleção adulta feminina nos proporcionou na vitória sobre os EUA.


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