Inês Henriques – Estar no local certo à hora certa não é (apenas) sorte
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RECORDES E HENRIQUES, UMA PARCERIA DE SUCESSO
Foi no dia 13 de Agosto de 2017 que Inês Henriques, na altura com 37 anos, alcançou a maior conquista da sua carreira até ao momento.
Nesse dia em Londres, a atleta de Rio Maior alcançou a medalha de Ouro nos Campeonatos Mundiais, sendo a primeira mulher da história a fazê-lo nos 50 km Marcha, melhorando também o recorde mundial. Antes, a atleta já havia alcançado o primeiro recorde mundial da distância e este ano foi a Berlim alcançar a medalha de Ouro nos Europeus de Berlim, tornando-se assim a primeira campeã europeia da história da disciplina.
Vozes afirmam que Inês Henrique tem a sorte de estar no local certo à hora certa: de ter fraca concorrência por todas as atletas terem sido apanhadas desprevenidas pela inclusão da distância no programa feminino. E se é verdade que a história dos 50 km Marcha no feminino está apenas agora a começar, também é verdade que esse começo em muito se deve a Inês Henriques e ao seu fiel treinador e companheiro de longas batalhas, Jorge Miguel – ele próprio uma das maiores figuras do Atletismo nacional e um nome que é sinónimo de marcha atlética.
Ambos foram incansáveis e ambos provaram que para estar no local certo à hora exata não basta ter sorte. É preciso procurá-la e trabalhar para que a oportunidade surja.
A história de Inês Henriques no Atletismo não é, como bem sabemos, recente. Com mais de 26 anos no nosso desporto, Inês foi uma atleta sempre ao nível da elite internacional, com bons resultados e com marcas de relevo nos 20 km Marcha, onde alcançou uma 7ª posição em Campeonatos Mundiais (Osaka 2007) e uma 8ª posição em Campeonatos Europeus (Barcelona 2010). Além disso, na prestigiante World Race Walking Cup, Inês foi Bronze nos 20 km em Chihuahua 2010, além de um 8º lugar em Roma 2016 e um 9º em Saransk 2012.
A nível nacional, foi por 4 vezes campeã nacional dos 20 km Marcha e 5 vezes na metade dessa distância. Ainda assim, no final dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016, o final da carreira era uma possibilidade para a atleta portuguesa, que na altura já tinha 36 anos e que esperava mais do que o 12º lugar alcançado nesses Olímpicos.
Inês decidiu continuar, pelo menos, mais um ano, fazendo um balanço anual se valeria a pena continuar no Atletismo ou não. O convite do seu treinador Jorge Miguel para experimentar a distância mais longa foi bem recebido por Inês, mesmo antes de saber que a distância poderia vir a fazer parte do programa oficial.
Os 50 km há muito que existiam no programa masculino – em 1932 já fazia parte do programa olímpico – mas sempre estiveram de fora do programa feminino. A luta das mulheres para a inclusão da distância teve nos últimos anos o rosto da norte-americana Erin Taylor-Talcott e o advogado Paul DeMeester, luta da qual Inês Henriques e o seu treinador também têm feito parte, existindo neste momento a pretensão de incluir os 50 km marcha no feminino nos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020.
No início de 2017, a IAAF deliberou que qualquer performance abaixo dos 4:30 seria considerada válida para recorde mundial, ao contrário do que antes acontecia nesta distância da marcha atlética.
Inês Henriques, que já tinha aceitado o repto do seu treinador, queria mais e tinha confiança que poderia correr abaixo dos 4:06, a marca de qualificação masculina para os Mundiais, o que lhe permitiria estar presente em Londres numa prova mista. Uma quebra numa fase adiantada da prova levou a que terminasse em 4:08:26, ainda assim o tempo mais rápido que alguma mulher havia feito na história e o primeiro recorde mundial oficial da distância.
PRIMEIRA EM PORTUGAL… E AGORA DO MUNDO
A IAAF, sob ameaça do caso passar para a barra dos tribunais sob a acusação de “discriminação de género”, acabou por ceder e, a apenas 3 semanas dos campeonatos, confirmou a introdução do género feminino na distância nos Mundiais de Londres, com direito a medalhas, caso fossem cumpridos determinados critérios a nível de marcas. Aí Inês Henriques foi uma das 7 participantes e voltou a bater o seu recorde mundial, desta feita correndo em 4:05:56, uma marca agora abaixo dos 4:06 e tornando-se a primeira campeã mundial da história!
Neste momento, Inês já não tem o tempo mais rápido do mundo – esse pertence à jovem chinesa, de 24 anos, Liang Rui com 4:04:36 em Taicang desde Maio deste ano – mas a portuguesa voltou a fazer mais história este ano, ao sagrar-se a primeira campeã europeia da história, em Berlim, com uma marca de 4:09:21, numa prova disputada sob muito complicadas condições climatéricas e que contou já com 19 atletas europeias.
Para 2020, o caso será diferente, pois será analisado e tratado pelo Comité Olímpico Internacional, mas tal como Inês Henriques confidenciou recentemente, a luta continua e o mesmo advogado continua a tratar do caso, agora com o objetivo Tóquio 2020.
Perante tudo isto, é importante reconhecer que vivemos uma época especial nos 50 km Marcha e, logicamente, Inês Henriques tem a felicidade de poder estar presente e viver esta época que lhe permitiu afirmar-se como o primeiro grande nome da distância no feminino. No entanto, resumir as suas conquistas a sorte ou a um acaso do destino, é desmerecer em muito os feitos da atleta portuguesa que tem uma carreira que fala por si.
Independentemente do número de atletas praticantes da disciplina e distância no momento, a verdade é que Inês Henriques se tem destacado e foi a detentora de duas marcas de recorde mundial, é a atual campeã mundial e a atual campeã europeia e isso nunca ninguém lhe poderá tirar.
A inteligência de Inês Henriques e de Jorge Miguel de terem antecipado cenários e de se terem preparado para o que poderia vir não deve ser visto como algo caído de para-quedas. Foi algo estudado, preparado minuciosamente, trabalhado arduamente e com resultados visíveis para a atleta e para o desporto nacional.
É também uma lição do quão importante é o planeamento na carreira dos atletas e de como a experiência – neste caso, do técnico e da atleta – pode fazer toda a diferença no alcance do sucesso de forma orientada, calculada e racional, com os pés bem assentes na terra.
Se em breve veremos marcas abaixo das 4 horas? Não tenho qualquer dúvida acerca disso, mas isso é a evolução do desporto e não desmerecemos campeões de pista da década de 80, mesmo que os tempos tenham sido muito inferiores aos de hoje. Se é para fazer questões utópicas, porque não fazer uma outra que poderá ter mais significado: até onde poderia Inês ter ido a nível de marcas se a oportunidade tivesse aparecido antes, numa fase não tão adiantada da sua carreira?
Não temos resposta para isso, mas temos a certeza que, pelo menos, nos próximos dois anos ainda muito iremos ouvir falar de Inês Henriques e que a mesma continuará a batalhar como sempre nos habituou. Dentro e fora de competição.