A largada da edição 2025 da LBF

Lucas PachecoMarço 22, 20258min0

A largada da edição 2025 da LBF

Lucas PachecoMarço 22, 20258min0
Lucas Pacheco tenta explicar o que mudou na LBF 2025, com algumas novidades e mudanças que vale a pena descobrir

A edição de 2025 da Liga de Basquete Feminino (LBF), principal torneio de basquete feminino no Brasil, teve início no início do mês, repetindo o script da edição passada: Sampaio e Sesi Araraquara anos luz à frente das demais. As adversárias das duas últimas finais mostraram credenciais de que podem (devem) repetir os resultados recentes. A crescente rivalidade – atrativo para uma liga tão carente de referências e estabilidade – destoa da desigualdade de nível entre as equipes participantes – fator que afasta o público.

A similaridade não significa monotonia, entre a final da LBF de 2024 e o início da edição atual muita coisa mudou. O basquete feminino brasileiro beira o amadorismo; sem condições de manter estruturas mínimas de funcionamento e profissionalismo, a cada intertemporada ocorrem muitas alterações nos elencos, nos comandos técnicos e até mesmo na composição dos participantes da competição, mudanças que apenas mantem o status quo da modalidade e reproduzem o amadorismo.

Anunciada como a ‘maior edição da LBF’ em 2024, a liga repete o número de equipes, com 11 no total. Porém, um olhar mais aproximado revela que três equipes abandonaram a modalidade (Ituano, uma das principais concorrentes das edições mais recentes, chegando a faturar o título em 2021, Ponta Grossa e Catanduva), substituídas por Ourinhos (retorna após quase uma década afastada), Cerrado e Maringá. Blumenau e Cerrado confirmaram presença no “frigir dos ovos”; Campinas e Santo André reduziram significativamente o investimento. Mesquita reformulou o elenco e perdeu suas principais referências técnicas. O nível técnico caiu, sem alterações no nível tático, ampliando a desigualdade entre o restritíssimo topo e o resto.

As transmissões oficiais seguem com erros (por exemplo, o narrador trocar Tássia por Thaíssa), com problemas no cronômetro e nos placares (esta, uma novidade de 2025), restrita ao público já fidelizado. Muitas das promessas vistas ano passado, devido ao aumento dos postos de trabalho, estão fora (Mika, de Catanduva, Bruna, de Ponta Grossa, Carolzinha, de Campinas); até mesmo a única técnica mulher deixou seu cargo. Infelizmente, a modalidade não oferece condições mínimas de continuidade. O grande ‘museu de grandes novidades’ do basquete feminino segue sua triste rotina.

O Sampaio, em sua dinâmica intermitente, contratou novo elenco estelar e escolheu o técnico David Pelosini (oriundo do basquete masculino) para buscar o quarto título, na ânsia de encerrar a seca de três anos. O elenco receberá reforços da Europa (Thayná e Letícia Josefino), ampliou a profundidade do elenco e contratou uma pivô de ofício, elementos determinantes para a perda na final em 2024. Abaixo da dupla amplamente favorita, desponta o Corinthians, que arregimentou nomes consagrados da liga, inclusive o técnico Bruno Guidorizzi. Em dois anos de retorno do esporte ao tradicional clube, houve uma mudança drástica de direção: sem as promessas da base, com ênfase em experiência e troca de toda a comissão técnica. Para uma modalidade tão combalida, tais mudanças costumam inviabilizar o projeto a médio prazo; para o imediato, a chegada da pivô Licinara e de um esquema tático mais arejado deve catapultar o time à semi-final.

Depois do trio, concentrador do talento de elite (para os níveis caseiros) e do investimento, um abismo separa as demais participantes. Times antes medianos, que lutavam para subir um degrau, decaíram: Campinas apostou em opções duvidosas e ultrapassadas, Santo André enfim dará espaço à sua base, Cerrado tentará entrosar um elenco envelhecido formado pelas sobras do mercado. Ainda mais abaixo, Blumenau, São José, Maringá e Mesquita lutarão por vitórias umas sobre as outras, com mínima perspectiva de surpresas.

Ainda assim, com todas as ressalvas mencionadas, o basquete brasileiro insiste em se manter vivo. Respira por aparelhos, mas demonstra flashes do potencial disponível, quando bem trabalhado, organizado e com condições mínimas de trabalho. A partida entre Ourinhos x Sesi Araraquara, por exemplo, empolgou, com mudanças táticas, reviravoltas, estilos distintos, atleticismo e talento técnico. Como dito, Ourinhos retornou à liga e o jogo marcou a re-estréia do ginásio Monstrinho.

O time não conta com o poder de uma década atrás, tenta recriar o vínculo com a torcida/cidade e montou seu elenco a partir da disponibilidade do mercado, sem grandes investimentos. Entretanto, as peças fazem sentido juntas, com jogadoras para rotação em todas as posições; integradas em um sistema cadenciado e controlado, Ourinhos tem sido o destaque positivo no início da LBF.

O pool de técnicos (Márcio Pereira é o comandante oficial, mas Lisdeivi tem muito peso nas escolhas, não sendo raros os tempos em que ela assume a dianteira) impõe um ritmo menos acelerado, incomum no basquete ‘moderno’; dentro  de quadra, as jovens (não em idade, sim em experiência na liga) armadoras Maísa Marçal e Gabrielly Parro comandam as ações, mesmo que tenham que segurar a bola quando as defesas adversárias bloqueiam as jogadas. Na defesa, são as que mais pressionam a bola. Jeanne retomou o bom basquete, com seus chutes longos; Kaw é a pivô capaz de furar as defesas com suas infiltrações e giros.

Contra Araraquara, a equipe funcionou como uma máquina azeitada no quarto inicial, quando venceu a parcial por 20 x 17. Sem pressa, a equipe movimentou a bola e achou bons arremessos próximo à cesta, envolvendo a defesa adversária. Nem as atuações ruins das experientes Thaíssa e Maria Carolina pesaram, o coletivo sobrepôs-se ao individual. Veio o segundo quarto, Araraquara alternou defesa individual com uma zona e brecou Ourinhos. Apesar da amostra pequena (2 jogos apenas), Ourinhos é quem menos chuta de três na liga, característica determinante para o Sesi atropelar no segundo quarto (6 x 21 na parcial). As anfitriãs foram anotar seus primeiros pontos na reta final do período.

Um time desorganizado entregaria os pontos, não Ourinhos. Os técnicos arrumaram a casa no intervalo e a equipe venceu o segundo tempo – sem o apagão do 2Q, o time venceria o atual bi-campeão. A derrota por 64 x 68 não apaga as boas qualidades demonstradas, incluindo a postura: Marçal individualizou no final e diminuiu a vantagem para uma posse de bola. A equipe encontrou soluções para superar os obstáculos durante o jogo, como tirar a ênfase de Kaw no ataque, raro na LBF.

Necessário frisar, do outro lado, o bom desempenho de um recauchutado Sesi Araraquara. João Camargo trouxe dois títulos para a cidade, mas seu último ano seguiu no ponto morto, com um esquema manjado, sem vitalidade, que testemunhou a queda técnica de quase a totalidade do elenco. Sua saída abriu espaço para Fábio Appolinário, técnico que antecedeu interinamente o próprio Camargo, responsável pelo primeiro título do clube, o Paulista de 2021.

Appolinário, em pouquíssimo tempo, já imprimiu sua marca; mantendo elementos e movimentações do Camargo, a estrutura tática é bem diferente. Ele rearranjou os elementos e, privilegiando o espaçamento, com cinco jogadoras abertas na linha de três com liberdade para cortar e atacar, o Sesi ressurgiu. Nem sombra daquele time preguiçoso do ano passado: Vitória sedenta por pontos, Evelyn com espaço para atacar e cavar faltas, Débora utilizada (à exaustão) como bloqueadora fora da bola. Sem pivôs, Appolinário vem apostando em formações velozes, com três alas fazendo as vezes de defender as (raras) pivôs adversárias. Vimos muito jogo de dupla, isolando um lado da quadra, ou mesmo trios de jogadoras.

A citada alternância na defesa é planejada e a equipe maneja o momento e a situação de jogo com maestria. Os reforços (especialmente Aline) devem alterar um pouco o padrão, porém a estrutura já está pronta. Appolinário pecou pelo preciosismo no final do segundo quarto, quando seu time mandava no jogo e ele chamou um tempo para desenhar uma jogada – movimento que possibilitou 6 pontos seguidos de Ourinhos.

O saldo é amplamente positivo neste começo. Tanto para Araraquara quanto para Ourinhos. Dois estilos bem montados, com variações e possibilidades de diversificar as formações; dois comandos que fizeram falta nas edições anteriores da LBF.

O basquete feminino brasileiro estrebucha, não sem vislumbres de talento e organização. Que essas equipes evoluam ainda mais e subam o patamar de uma LBF fraca, carente de inovação e estabilidade.


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