A despedida de uma precursora do basquete mundial: Pilar Valero

Lucas PachecoNovembro 9, 20225min0

A despedida de uma precursora do basquete mundial: Pilar Valero

Lucas PachecoNovembro 9, 20225min0
Uma lenda do desporto mundial e do basquetebol, Pilar Valero deixou uma marca enorme e Lucas Pacheco conta-te quem era a atleta e dirigente

No dia 7 passado, faleceu uma precursora do basquete feminino espanhol: Pilar Valero veio a óbito em sua cidade natal, Zaragoza, aos 52 anos. A jogadora não possui a fama das protagonistas de sua geração, como Blanca Ares, Marina Ferragut e Amaya Valdemoro, mas foi figura constante na primeira grande geração espanhola.

Atualmente causa estranheza pensar na geopolítica do basquete feminino mundial sem a Espanha. A seleção acumula pódios em todas as categorias, é candidata perene a medalhas e sua liga figura entre as mais fortes do mundo. Nem sempre foi assim; mais precisamente, o sucesso espanhol começa a ser construído no começo dos anos 90. Até 1992, nenhuma medalha nos campeonatos europeus e zero participação em Mundiais e Olimpíadas; a estreia nos grandes torneios deu-se quando o país sediou a Olimpíada de 1992, em Barcelona.

Pilar não esteve no grupo, desclassificado ainda na primeira fase. No ano seguinte, no Europeu de 1993, disputado em Perugia, Itália, o grande feito da seleção findou com a inédita conquista continental. O ouro veio após vitória sobre as francesas, por 63 x 53, façanha que viraria rotina a partir de então. Em Mundiais, Pilar coleciona duas participações, nas edições de 1994 (Austrália) e 1998 (Alemanha) – o ineditismo aparece mais uma vez, já que 1994 marcou a estreia da seleção no torneio.

A colocação final, o oitavo lugar, não faz jus ao desempenho das espanholas. Na Austrália, o caminho de Pilar Valero, e da Espanha, cruzou com o do Brasil. Novamente, a avaliação atual não corresponde às apreensões da época; o Brasil sagrou-se campeão, coroando a geração de Paula, Hortência e Janeth, mas até ali a geração era conhecida pelos sucessivos fracassos. O Brasil possuía estrelas de quilate porém escorregava em todas as competições e, com exceção do Pan de 1991, não conquistara um título à altura de seu talento.

Foto: FEB

A história mudaria naquele ano, com o ouro. Mas o caminho foi tão tortuoso quanto a trajetória daquela geração: na primeira fase, a derrota para a Eslováquia não impediu a classificação para a segunda fase. Em um grupo equilibradíssimo, o Brasil largou na frente com a vitória sobre Cuba, seguida de derrota para a China. Na última rodada do grupo, todas as seleções empatadas e a conta era simples – quem vencesse, avançaria. A adversária do Brasil seria a Espanha, cuja rotação incluía Pilar Valero.

Aquele 09 de junho de 1994 poderia ter alterado para sempre a grandiosidade de Paula e Hortência, assim como ter antecipado a ascensão espanhola no âmbito mundial. A derrota significaria mais uma confirmação das limitações da seleção brasileira e talvez a última oportunidade de reunir aquele elenco. Foi um jogo muito difícil para o Brasil, indo para o intervalo com déficit de 8 pontos. A recuperação brasileira no segundo tempo foi gradativa, frente a uma Espanha que não cedia espaço. A bem da verdade, a virada ocorreu no último minuto de jogo; com 48 segundos por jogar, as espanholas venciam por 1 ponto.

Para nossa sorte, aquele elenco demonstrou uma resiliência incrível e a virada alavancou o grupo ao ouro. A confiança conquistada naquela tensa partida contra a Espanha mostrou-se fundamental na semi contra os Estados Unidos e na final contra a China, devolvendo a derrota anterior sofrida na competição.

Infelizmente, há parcas informações sobre a memória e a história do basquete feminino. O jogo contra a Espanha está disponível no youtube, com uma definição ruim e dividido em partes. Para resumir, a parte final está no link abaixo.

Um átimo que mudou o patamar do basquete feminino brasileiro. Para a Espanha, a derrota atrasou a consolidação, que voltaria a medalhar apenas em 2001, no Europeu. A partir daí, em quase todas as edições do continental a Espanha saiu exitosa. Em Mundiais, após o “quase” de 94, a seleção teve que aguardar até 2010, quando conquistou o bronze. Já a medalha olímpica viria somente em 2016, quando a Espanha tornara-se uma das potências no basquete feminino mundial.

Pilar Valero não disputou olimpíada. No âmbito de clubes, sua carreira coincidiu com o primeiro boom dos clubes espanhóis; ela fez parte da dinastia do Dorna Godella, equipe de Valencia campeã da Euroliga em 1993. Pelo Dorna, Pilar esteve no Brasil no ano anterior, em 1992, para disputa do Mundial de Clubes, ocasião em que venceu o favorito (e riquísssimo) Leite Moça na final, diante de um abarrotado, barulhento e hostil ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.

Ainda que não tenha números de saltar os olhos, PIlar Valero compôs uma geração precursora no basquete espanhol e ainda hoje figura na lista de 30 jogadoras com mais partidas pela seleção. Por mais que exaltemos as craques e mencionemos números, o basquete é um esporte coletivo e a importância de uma jogadora não se reduz aos pontos, ou rebotes, ou assistências.

Se hoje as espanholas estão no topo do mundo, a dívida com a geração dos anos 90 é incalculável. Inclusive àquelas “coadjuvantes”, como PIlar Valero. Que sua grandeza seja reconhecida e exaltada pelas próximas gerações.


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