Mitos de um mercado do futebol português

Francisco IsaacSetembro 5, 20255min0

Mitos de um mercado do futebol português

Francisco IsaacSetembro 5, 20255min0
Mitos e inverdades são duas ferramentas de quem quer semear a discórdia e neste artigo analisamos o que se passou no mercado da Primeira Liga

O mercado de transferências está morto, viva o mercado de transferências. Esta parece ser uma regra cada vez mais dourada do futebol nacional, com os adeptos locais a manifestar o seu regozijo e raiva perante os avanços e recuos dos seus clubes no campo da batalha das contratações. Porém, o problema de vivermos em tempos em que o refrear e reflectir são palavras praticamente inexistentes, é que depois certos mitos ganhem proporções reais, acabando por encobrir a verdade.

O maior mito a discutir é que este mercado de transferências foi um fracasso tremendo para o Sporting Clube de Portugal, uma ideia que ficou perpetuada porque uma falange dos adeptos dos actuais bicampeões nacionais terem perdido o rumo e bom senso. Começamos logo pelo facto que nos últimos 18 anos nunca houve um mercado de transferências consensual para os adeptos dos verde-e-brancos. Contudo, e curiosamente, o clube tem acertado na maior parte das vezes nos últimos cinco anos, e o facto de terem conquistado três títulos nacionais, duas Taças da Liga, uma Taça de Portugal e uma Supertaça, demonstra exactamente isso. Continuemos pelo caminho dos factos, a começar pelas perdas.

Enquanto o SL Benfica perdeu três titulares (Florentino, Aktürkoğlu e Carreras) e o FC Porto dois (João Mário e Otávio), o Sporting CP perdeu apenas um titular, Viktor Gyökeres, que, só por si faz uma diferença profunda no que toca à eficácia do ataque leonino. Porém, foi apenas um titular do 11 titular dos leões, mantendo a estrutura praticamente toda. Os “leões” perderam também Conrad Harder que teve um papel importante no sair do banco para dar alguma força à equipa, mas não se pode dizer que tenha sido uma das maiores perdas de todos-os-tempos. Ou seja, o plantel que é bicampeão nacional em dois anos só perdeu efectivamente quatro jogadores importantes/fulcrais: Gyökeres, Sebastián Coates, Paulinho e Harder ou Edwards. Efectivamente foram estas as perdas cruciais numa equipa que dominou o espectro nacional nas duas últimas temporadas.

Reforçou-se para esta época com Luís Suárez, Fotis Ioannidis, Georgios Vagiannidis, Giorgi Kochorashvili, Ricardo Mangas, Alisson Santos e João Virgínia, o que significou resolver o problema dos finalizadores, e garantir profundidade na defesa, adicionando mais uma unidade no miolo de jogo. Faltou alguém para cobrir Trincão e Pote? Possivelmente, mas o mercado de transferências nas últimas três semanas entrincheirou-se com os clubes a serem forçados a gastar demasiado dinheiro para garantir jogadores, e isto prova pela quantidade de negócios que caíram até ao dia 2 de Setembro. No entanto, a não-transferência de Jota Silva (e a não chegada de outro extremo) levou a que uma parte dos media e massa adepta colocasse uma etiqueta de fracasso, quando a formação comandada por Rui Borges foi a que menos jogadores titulares perdeu.

O problema é a falta de perspectiva.

Veja-se que os “leões” foi o único emblema em Portugal que termina como uma balança de mercado amplamente positiva, com as vendas a ultrapassarem largamente o valor das compras, fechando com 60 milhões de euros positivos (129M€ em vendas – 69M€ em compras). Com a Liga dos  Campeões garantidas e uma série de vendas fechadas – a venda de Quenda só entra no exercício de 2026/2027 – o Sporting CP potencialmente garantiu o futuro para as próximas três temporadas.

Na época transacta, o SL Benfica tinha gasto mais de 90M€ para reforçar o plantel e acabou por não conquistar qualquer título nacional ou internacional, sendo que à altura já vários adeptos diziam que as “águias” possuíam um plantel mais competente. Todavia, o campeão foi outro no final, mesmo após ter sofrido três alterações de treinador, aguentado 20 jogos com menos 6-7 titulares e a necessitar de recuperar vitalidade quando parecia que o Benfica estava por cima.

E efectivamente aqui se encontra outro mito do mercado: gastar muito é sinal de ambição e conquistas. Bem, este foi um dos mercados em que o SL Benfica gastou mais, com 105.5M€, fazendo chegar Richard Rios, Franjo Ivanovic, Amar Dedic, Dodi Lukébakio e Samuel Dahl, para além de outros reforços como Rafa Obrador, etc. Porém, os encarnados já tinham feito movimentos similares em outras temporadas e não lhes garantiu vitórias, como em 2020/2021, altura em que a despesa foi ligeiramente superior, com gastos de 115M€. Entre um Darwin Núñez que custou 34M€ e um Everton ‘Cebolinha’ de 20M€, o SL Benfica cometeu uma autêntica loucura de merca sem que no final tenha garantido nada em termos de troféus.

Caso tenham dúvidas, vejamos que o FC Porto acabou por ser campeão em 2021/2022 com um mercado de Verão extremamente apertado com as contratações de Pepê (15M€), Wendell (4M€), Bruno Costa (2.5M€), Fábio Cardoso e Marko Grujic a terem sido as únicas novas caras do Verão de 2021. A Primeira Liga é uma maratona e não uma corrida de sprint, com o entrosamento da equipa, conhecimento das aptidões do colectivo e conhecimento do staff a valer tanto como o mercado. Rui Borges tem 61% de vitórias enquanto técnico do Sporting, com a primeira derrota no campeonato nacional a ter acontecido após quase 24 jogos…

A falta de vinda de dois reforços fará assim tanta diferença?

O mercado e o seu frenesim criam, como tudo na sociedade, uma série de mitos que podem ser desmistificados com factos ou o tempo. O problema está que as redes sociais criaram um burburinho incessante, com várias contas a optarem por fazer barulho porque leram uns números e dados no transfermarkt, invés de terem observar esses números, analisar os contextos e realmente efectuar uma análise fria e sem deixar que as suas paixões pessoais intervenham pelo meio.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS