Futebolistas e Operárias – o futebol feminino durante a Grande Guerra

João Ricardo PedroOutubro 14, 20195min0
A Enciclopédia do Desporto em Português traz à baila o nome de duas jogadores e operárias e equipas femininas inesquecíveis e que marcaram uma era no futebol inglês. Conhecias a história de Parr e Reay?

Há cem anos atrás a classe operária feminina dominou o “desporto rei” no Reino Unido, o berço futebol.

Uma geração inteira de futebolistas foi enviada para lutar, e morrer, na frente ocidental da Primeira Guerra Mundial. Após o êxodo dos homens para a Europa Continental, as mulheres britânicas foram empregadas massivamente em fábricas de munições em todo o país. Mais de 900 mil mulheres trabalhavam no fabrico de munições, que eram vitais para garantir a sobrevivência dos maridos na frente de combate.

As condições de trabalho destas mulheres eram bastante duras. Estas trabalhavam diariamente com químicos sem o uso de proteção adequada.

A exposição intensa e prolongada ao ácido nítrico resultava na transformação da pele nas operárias numa cor amarela, sendo que eram popularmente apelidadas de meninas canárias. Outros problemas de saúde eram comuns entre as operárias das fábricas de munições como, por exemplo, graves danos no sistema imunológico, insuficiência hepática, problemas de fertilidade, entre outros efeitos colaterais bastante graves.

As fábricas tomaram a iniciativa de incentivar as operárias a usar o tempo livre que tinham para se divertir, e entre os turnos longos e pesados, as trabalhadoras começaram a praticar vários desportos. O futebol rapidamente se tornou o mais popular entre as mulheres. Uma atividade desportiva que anteriormente era considerada inapropriada para as mulheres era agora incentivada como algo positivo para a saúde, bem-estar e moral.

À medida que a guerra avançava no tempo, o futebol feminino tornava-se cada vez mais organizada e foram fundadas equipas de futebol nas fábricas de munições. As equipas normalmente usavam o nome da fábrica onde trabalhavam.

Estas mulheres preencheram o vazio do culto enraizado na sociedade britânica de ir, ao sábado à tarde, ao estádio ver futebol.

Antes da Primeira Guerra Mundial já eram realizados jogos de futebol feminino. Inicialmente, as mulheres jogavam de saia e, por o futebol feminino ser uma novidade, eram ridicularizadas com frequência pelos homens. Contudo, durante a guerra, as mulheres tiveram a oportunidade de mostrar as suas habilidades, talento e entusiasmo, passaram a ser levadas a sério pelo homens e, consequentemente, grandes multidões passaram a ir aos estádios para ver futebol feminino.

Bella Reay e as Blyth Spartans.

Bella Reay jogou no Blyth Spartans, a equipa feminina de maior sucesso no nordeste de Inglaterra. Reay destacou-se por conseguir a proeza de marcar 133 golos em apenas uma temporada.

Quando a guerra terminou, as fábricas de munições fecharam e as mulheres foram forçadas a voltar à vida de doméstica. No dia 5 de Dezembro de 1921, a Federação Inglesa posicionou-se contra o futebol feminino, por considerar que este era um desporto inadequado para as mulheres, acabando por proibir os jogos de futebol feminino nos seus estádios. Esta decisão ditou o declínio do futebol feminino que, até então, estava em ascensão.

As Blyth Spartans cessaram a sua atividade, no entanto, Bella Reay e outras futebolistas continuaram a jogar futebol de forma não-oficial.

Em 1921 foram organizados alguns jogos de futebol para recolher fundos para apoiar os mineiros e as suas famílias durante os três meses de greve nas minas de Carvão. O futebol feminino associou-se à luta dos trabalhadores para impedir os cortes de salários impostos pelo governo conservador-liberal e pelos industriais proprietários das minas.

Bella Reay

Lilly Parr e as Dick Kerr Ladies

As Dick Kerr Ladies da cidade de Preston foram indiscutivelmente a melhor equipa de futebol feminino na época.

A famosa atacante desta equipa, Lilly Parr, é ainda hoje reconhecida como a melhor marcadora da história do futebol inglês, quer masculino como feminino. A jogadora marcou, supostamente, mais de mil golos ao longo dos seus 31 anos de carreira, entre 1920 e 1951.

Um jogo de futebol das Dick Kerr levou até ao Goodison Park uma multidão. Estavam nas bancadas 53 mil espectadores, mas muitos outros ficaram de fora a tentar entrar. Pensa-se que se a proibição de 1921 não tivesse sido imposta, o futebol feminino talvez conseguisse ficar mais perto da popularidade do futebol masculino.

Com o fim da guerra, as comunidades devastadas tentavam voltar à normalidade. As fábricas fecharam e as mulheres que foram galvanizadas e libertadas tiveram de voltar às suas vidas domésticas. Assim, a era de ouro do futebol feminino durou pouco. Apesar da proibição, um pequeno número de equipas femininas continuou a jogar por algum tempo. A equipa das Dick Kerr Ladies foi uma delas. Esta equipa chegou a fazer uma digressão pelos Estados Unidos da América enfrentando não só equipas femininas, como também masculinas.

No entanto, no Reino Unido, o futebol feminino foi sendo cada vez mais ofuscado pelo retorno e crescimento do futebol masculino. Só 50 anos mais tarde, as mulheres voltaram a ser aceites nos campos de futebol. O futebol feminino continuou a crescer desde então.

Além de conseguirem alcançar um sucesso fenomenal, estas mulheres são uma inspiração, e o papel que tiveram para o crescimento do futebol feminino deverá ser divulgado como forma de promoção e disseminação do futebol feminino.

Lilly Parr

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