Corrupção, Futebol e a Ditadura de Pinochet – Ganhar a qualquer Preço

João Ricardo PedroSetembro 1, 20196min0

Corrupção, Futebol e a Ditadura de Pinochet – Ganhar a qualquer Preço

João Ricardo PedroSetembro 1, 20196min0
A ditadura militar imposta por Pinochet no Chile afectou tudo e todos, e o futrebol não foi excepção deste período tirânico. As histórias peculiares que ficam da "mão" do ditador na redonda chilena

A ditadura militar liderada por Augosto Pinochet que foi imposta ao povo chileno através do golpe militar dia 11 de Setembro de 1973, nesse mesmo dia o então presidente chileno democraticamente eleito, Salvador Allende, cometeu suicídio. A ditadura militar só terminou com a derrota de Augusto Pinochet no plebiscito de 5 de Outubro de 1988 e com as eleições livres de 1989 que elegeram Patricio Aylwin para o cargo de presidente do Chile. As ligações entre o governo militar, o futebol e a corrupção foi algo que sempre existiu durante os anos de chumbo no Chile. No artigo de hoje vamos relembrar um episódio que ficou conhecido como o “ Os caso dos passaporte falsos no Sul-Americano Sub-20 de 1979”.

Em 1978, o presidente da Associação Central de Futebol do Chile, general Eduardo Gordon, nomeou para o cargo de diretor técnico, Pedro García Barros, que ficou conhecido como arquiteto do esquema de falsificar as idades dos jogadores, na época a idade máxima para poder competir era de 19 anos e dois meses.

Após a realização de vários jogos amigáveis foi conhecida a lista final de convocados para a fase final do torneio, organizado na cidade de Paysandú no Uruguai. Dos 18 jogadores convocados 17 jogadores ultrapassavam o limite de idade de elegibilidade para participar na competição, e o amadorismo no esquema foi tanto que três jogadores chilenos, Fuentes, Ormeño e Puyol, já tinham participado no Sul-Americano anterior em 1977. José Luis Álvarez era o único jogador chileno com idade legal.

As autoridades chilenas também estiveram envolvidas neste esquema, uma vez que para alterar as idades nos passaportes e cartões de identidade foi necessária a colaboração dos funcionários dos registos civis chilenos. O  general Eduardo Gordon deu ordens aos jogadores manterem o silêncio sobre o caso e também solicitou a imprensa um pacto de silêncio sobre o assunto, com o argumento que as outras seleções também praticavam as mesmas ilegalidades. Os chilenos estavam convencidos que os paraguaios e uruguaios também faziam o mesmo.

A ditadura no futebol chileno (Foto: Revista Libero)

No dia 12 de Janeiro de 1979, os chilenos realizaram o seu primeiro jogo e sofreram uma derrota pesada diante da seleção do Paraguai. Os paraguaios venceram por uns expressivos seis a zero, ironicamente, os jogadores chilenos usaram como desculpa para o desaire o facto dos jogadores paraguaios serem mais velhos que a idade permitida. No segundo jogo nova derrota desta vez contra o Brasil, os brasileiros venceram pela margem mínima.

A CONMEBOL analisou a queixa dos chilenos contra os paraguaios, e constatou que os registos Edgardo Fuentes e Mariano Puyol não coincidiam com os apresentados na edição anterior. Mas para evitar problemas o diretor técnico, Pedro Garcia, retirou-os do torneio e alegou que estavam lesionados e foram substituídos por Fernando Astengo e Óscar Meneses (ambos com a idade legal). Entretanto em entrevista a um jornal chileno, o presidente do Colo-Colo, afirmou que Raúl Ormeño não tinha idade legal para jogar o torneio, e Edgardo Fuentes que estava desapontado por não poder participar no torneio afirmou: “Eu sabia que não podia jogar, mas eles convenceram-me”. Mais tarde confirmou que a sua data de nascimento era de 18 de Agosto de 1958, ou seja, 20 anos e seis meses.

Entretanto no campo a situação acabou por melhorar para os chilenos, venceram a Colômbia e a Bolívia por 2-0 e 5-1. Terminaram na terceira posição do grupo, apesar de eliminados ainda tinham a chance da qualificação para os Jogos Pan-Americanos. No play-off de qualificação venceram o Peru por 3-1.

José Bernales, diretor do Serviço de Registo e Identificação Civil, ordenou uma investigação ao caso após as declarações de Luis Alberto Simián (presidente do Colo Colo) e do jogador  Edgardo Fuentes, para apurar a veracidade dos factos. A investigação interna chegou à conclusão que a idade de 17 jogadores dos 18 jogadores foi adulterada e foi apresentada queixa contra os envolvidos. Enrique Jorquera, coordenador das seleções do Chile, propôs aos jogadores que os passaportes adulterados fossem queimados, mas depois decidiu-se que iriam entrar no Chile com as identificações adulteradas. Quando a equipa aterrou no aeroporto de Santiago, os jogadores e diretores foram detidos pelas autoridades. Apenas três jogadores, Oscar Meneses, Fernando Astengo e José Luis Álvarez, não foram presos pois tinham a sua documentação legal. O general Gordon, a mais alta figura do futebol chileno, escapou à vergonha de detido.

Os jogadores estiveram detidos durante 12 dias de na penitenciaria de Santiago, todos eles afirmaram que não sabiam o que estavam a assinar e apenas assinaram um papel em branco, mas o juiz disse-lhes que eram maiores de idade e iriam ser responsabilizados pelos seus actos. Entretanto vários jogadores citaram o nome do general Eduardo Gordon durante os interrogatórios, lembrando mais uma que vez o que o General Gordon nunca foi acusado e mais tarde foi nomeado para o cargo de embaixador na Nicarágua. Após os 12 dias, os jogadores dias mais tarde receberam a ordem de libertação concedida pela justiça chilena, os outros membros da comitiva do Chile permaneceram sob custódio das autoridades, só foram libertados após 37 dias.

Em 1982, passados quase quatro anos após o escândalo do Sul-Americano de 1979, o tribunal chileno condenou Pedro García Barros a mais de 1000 dias de cadeia mas apesar da pena não voltou a ser preso, apenas estava obrigado a pedir autorização aos tribunais para poder sair do país. Enrique Jorquera, Manuel Rodríguez e Claudio Miranda foram também condenados pela justiça chilena.

Um dos jogadores envolvidos nesta polémica do passaportes falsos foi Roberto Rojas que dez anos mais tarde se envolveu em nova polémica, o celebre caso que ficou conhecido para a eternidade como “Maracanazo”. O guarda-redes do Chile Roberto Rojas ‘El Condor’, aos 67 minutos, decidiu simular em pleno Maracana ter sido atingido por uma tocha na cabeça. A jorrar sangue perante a indignação dos companheiros, Rojas foi retirado de campo pelos colegas, tendo a seleção abandonado o campo em protesto. Após forte investigação do sucedido, não havendo forma de relacionar a tocha com as feridas de Rojas, mesmo com identificação da autora do lançamento Rosenery Mello, que ficou conhecida como a “Fogueteira do Maracaná”, inclusive chegou a ser capa da revista masculina “PlayBoy”.

A investigação confrontou Rojas sobre o sucedido, e este mais tarde confessou de que teria infligido a si mesmo um longo corte na cabeça através duma lamina, num plano elaborado de dentro a fim de gerar jogo em campo neutro. Sancionado com derrota, o Chile perdeu a hipótese de competir no Mundial de 90 e foi impossibilitado de jogar a qualificação para o Mundial de 1994, corando de vergonha por um episódio chamado “Maracanazo Chileno”, que levou também à irradiação do guarda-redes Rojas, com 32 anos. Arrependido pela farsa produzida em campo, Rojas garantiu ter sido “um corte na sua própria dignidade”.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS