Canito, o herói dos subúrbios de Barcelona
A cidade de Barcelona, entre as décadas de 50 e 70, tornou-se num sorvedouro de gentes que fugiam da miséria em busca de uma vida mais próspera. Ciganos (povo roma) andaluzes, galegos e extremanhos escolhiam a cidade de Gaudí como a sua nova casa. Surgem assim as grandes cidades satélites de Llobregat, Hospitalet e Cornellá.
Nestas cidades satélites e nos seus bairros negligenciados pelas autoridades, a pobreza, a delinquência, as drogas e o desemprego eram uma realidade constante. Tanto que uma das primeiras bandas “punk” espanholas nasce precisamente dessa realidade – La Banda Trapera del Rio, fundada em Llobregat em 1976.
Outros mitos desse período que foram imortalizados através da sétima arte seriam os ladrões “El Vaquilla” e “El Torete”. O “Cine Quinqui” mitificou estes personagens, especialmente com os filmes “Yo, el Vaquilla”, musicado pelos míticos “Los Chichos”, e o filme “Perros Callejeros” de José António de la Loma.
José Cano, ou simplesmente Canito, cresceu neste ambiente. Devido as condições de vida miseráveis da sua família, Canito foi entregue a um Colégio Religioso. Mas a sua personalidade rebelde e inconformada fez com que ele fugisse do colégio e fosse viver para ruas dessa vibrante metrópole catalã. Canito dedica-se ao roubo e esquemas ilegais para sobreviver. Porém, o talento que tinha para o futebol leva-o para fora das ruas, começando, ao serviço do Lloret del Mar, a jogar profissionalmente. Daí até ao Espanyol – o seu clube de coração – foi um breve instante. O talento de Canito não passava despercebido a ninguém.
As suas boas exibições levam a que o gigante de Barcelona note no jovem e que dispense 40 milhões de pesetas para o adquirir. Em 1979, Canito está nos Blaugrana e tem acesso a tudo o que sempre faltou na sua infância: dinheiro, roupas, carros potentes e mulheres. Canito chega, inclusivamente, a apostar com companheiros de equipa que consegue usar uma roupa diferente durante toda época, e de facto conseguiu.
Apesar de ter assinado pelo Barcelona, nunca escondeu o seu amor pelo rival Espanyol. No dia 20 de Abril de 1980, ambos os clubes jogavam à mesma hora, o Espanyol precisava de ganhar o jogo para se manter na primeira liga, quando Canito soube que o Espanyol marcou golo, celebrou em campo como se fosse um golo da sua equipa. Este gesto caiu muito mal aos adeptos do Barça.
Tudo isso levou a que o Barcelona o transferisse para o Betis, aonde a sua irreverencia deixou marcas. Num jogo frente ao Atlético de Madrid, Canito entendeu ter sido mal expulso pelo juiz. Furioso, arrombou a porta do vestiário dos árbitros, encheu a banheira de água e colocou as roupas dos juízes lá dentro.
Pagava viagens, carros, casas e roupas aos seus amigos de infância, assim como emprestava avultadas somas as pessoas do seu bairro. Um dia trocou 5000 pesetas no banco por notas de 100 pesetas, apenas para dar uma nota a cada criança que lhe pedisse um autografo.
A vida levaria Canito a Lisboa, para representar “Os Belenenses”. Realiza 18 jogos pelo clube da “cruz de cristo”, mas já era tarde para reabilitar uma carreira que poderia ter sido de sonho.
Pendurou as chuteiras, o que criou naquele espírito rebelde um enorme vazio. Canito encontrou o consolo para esse vácuo na realidade em que cresceu e aprendeu a sobreviver, as ruas da vibrante Barcelona. A heroína, o álcool e prostitutas presenteavam-no com pequenos momentos de felicidade face à dureza da vida. Abandonado por todos, Canito passou a viver de motel em motel, apenas contando com a preocupação de sua irmã – a única pessoa que lhe fora sempre fiel.
No ano 2000, o seu corpo jazia num num motel em Barcelona com uma seringa no braço. Vitima de overdose, Canito partiu com apenas 44 anos.