Sérgio Conceição e o Yin e Yang do ADN do FC Porto
O bem e o mal, a luz e a escuridão, o quente e o frio, a paz e a guerra, são tudo exemplos de contrários que se completam ou que têm um complemento contrário à sua natureza. O perfil de Sérgio Conceição enquanto treinador encaixa na perfeição nesta figura de estilo ou imagética do Yin e Yang, encerrando em si um paradoxo de emoções e comportamentos que vão do normal ao estranho, da tranquilidade à raiva, da paz de espírito ao descontrolo emocional, sendo que podíamos listar aqui uma série de outros complementos associados ao treinador do FC Porto.
Não há margem para dúvida que o antigo internacional português moldou uma nova era nos azuis-e-brancos, colocando um ponto final de quatro anos de seca a nível de conquistas e finais, com as conquistas de dois campeonatos nacionais, uma taça de Portugal e duas supertaças a terem devolvido força e confiança a um clube que parecia ter caído numa penumbra problemática, criada pela sua própria direcção do clube e SAD. Contudo, e por outro lado, tem sido o próprio treinador a iniciar vários problemas dentro e fora de campo, muito por culpa do seu discurso ou forma de comunicar, para além da postura física que por vezes roça a violência ou a um comportamento minimamente agressivo e desconexo do profissionalismo que obriga à sua profissão e cargo.
Uma das imagens de marca de Sérgio Conceição desde que chegou ao FC Porto é a confrontação física e verbal, não se escusando de atacar qualquer que seja o adversário, como se viu com Rui Vitória, Paulo Sérgio, Pedro Ribeiro, Thomas Tuchel, apesar de recuar ou de se “proteger” num manto de vitimização quando recebe uma contrarresposta do mesmo nível ou de superior intensidade.
Os casos com Thomas Tuchel ou Paulo Sérgio não foram os únicos momentos de discordância ou possível vias de facto com um colega de profissão, já que no passado situações similares aconteceram, como as críticas descabidas realizadas a Rui Vitória em 2018 (atribui a etiqueta de “boneco” ao antigo treinador do SL Benfica), Pedro Ribeiro em 2019 (altercação com o ex-técnico do Belenenses SAD que acabou quase em agressões mútuas), Carlos Carvalhal em 2021 (o ataque após o empate em Braga para a Taça de Portugal), entre várias outras situações. Este tipo de situações não aconteceram só com adversários, e basta para isso lembrar os comportamentos problemáticos para com Iker Casillas, Danilo Pereira e, o mais grave de todos, com Shoya Nakajima, um momento protagonizado após o encontro frente ao Portimonense, no qual o treinador perseguiu o avançado nipónico devido a uma troca de palavras.
Este são alguns dos elementos que complementam o “Yang” de Sérgio Conceição, um lado conturbado e problemático, sobrecarregando a imagem do treinado do FC Porto com tons agressivos, desmedidos e de total irreflexão, em que estabelece um ambiente negativo e pesado, algo contrário do esperado dentro do futebol ou desporto. Contudo, do ponto de vista de Sérgio Conceição, o problema são quase sempre os “outros”, impondo um discurso de vitimização que não encaixa com o perfil conhecido e reconhecido por todos que se cruzaram no passado ou presente, e isto só ajuda a um crispar de emoções e de expansão da comunicação tóxica.
Mas será isto próprio do treinador ou é algo injectado pela estrutura do clube? O treinador é uma hipérbole elevada ao seu nível máximo do que é o FC Porto, seja na luta até ao último segundo, a raça desmedida e sem qualquer receio, a força de um acreditar profundo e uma ambição totalmente vertiginosa, que ajudou a levar o clube para um dos patamares mais altos do futebol europeu e mundial, sendo reconhecido esses méritos e valores por entre os seus adversários. Porém, o facto de Sérgio Conceição levar esses elementos naturais e alojados ao ADN do clube a um ponto para lá do aceitável em certas situações, acaba por criar um sentimento anti-FC Porto ou, pelo menos, de pouca aceitação por parte dos seus rivais, que enceta por uma via nada agradável ou que beneficie o futebol português a médio/longo-prazo, e, de forma inconsciente, tira o mérito (ou parte dele) das façanhas obtidas pelo emblema portuense e do treinador.
O “Yin” de Conceição é sem dúvida o lado que merecia ser mais falado ou exposto, seja pelos troféus levantados desde que chegou à Invicta para treinar o FC Porto, pela capacidade como recuperou atletas, caso de Moussa Marega, Vincent Aboubakar, Otávio, etc, ou por ter tido o capricho de liderar um clube sem capacidade económica para bafejar o plantel de estrelas durante as épocas 2017/2018 e 2018/2019 (discutível se a 2019/2020 foi alvo do mesmo problema, uma vez que chegou Mateus Uribe ou Agustín Marchesin), nunca virando a cara a luta nas competições europeias (por duas ocasiões atingiu os quartos-de-final), sendo estas as principais valências de um dos treinadores mais bem sucedidos dos últimos do clube. Todavia, após a era Conceição terminar (seja no fim da actual temporada ou daqui a alguns anos), como será relembrado o treinador?
Merecerá um lugar alto entre os seus pares, como José Mourinho, Artur Jorge, André Villas-Boas, Jesualdo Ferreira, José Pedroto, Tomislav Ivic ou Bobby Robson? A questão é exactamente o legado e a imagem do actual homem-forte dos Dragões, pois as constantes peripécias negativas na linha-lateral ou na sala de conferências têm manchado repetidamente a sua figura, alterando por completo aquilo que merecia ser visto como o seu maior mérito: a reabilitação de jogadores, plantel e secção de futebol do FC Porto. Para uma falange de adeptos ou de comentadores, foi essencial certas posturas ou comportamentos por parte de Sérgio Conceição para o reerguer do espírito pro-FC Porto, do Norte versus o Sul, do Porto contra o Mundo, de que o Dragão era o último baluarte da justiça, verdade e do combate contra aqueles que desejavam/desejam impor uma “lei” corrupta no futebol português. Mas será que esse discurso não criou, cria ou criará uma divisão ainda maior e que a longo-prazo representará um maleficio para o futebol português?
Para quem duvida dessa possibilidade, é só ver que a imagem de Sérgio Conceição não é positiva no universo desportivo nacional, de que o seu registo de 71% de vitórias nos 210 jogos como treinador do FC Porto (cerca de 150) será esquecido pela maioria, apesar dos esforços do OJogo para elevarem-no a um pedestal ao nível de José Mourinho ou José Pedroto, e que as finais perdidas (ao todo 3, duas na Taça da Liga e uma na Taça de Portugal) ou goleadas europeias sofridas (os 0-5 na recepção ao Liverpool em 2019 foi a maior derrota sofrida na Liga dos Campeões) terão quase o mesmo impacto na memória do que as glórias alcançadas.
Atitude desnecessária do Sérgio Conceição. O Nakajima pode ter jogado mal, mas não é assim que se repreende, e muito menos se motiva.
Mas se fosse Bruno de Carvalho a fazer isto, seria notícia para as próximas semanas e o jogador rescindia logo por influência do agente. pic.twitter.com/Jy22WL8wNm
— Marcos Trindade (@SporTrindade) September 16, 2019
Este Yin e Yang, este avanço e retrocesso e esta perpetuação de um paradoxo incessante, é a história de Sérgio Conceição no clube que o ajudou a formar enquanto atleta profissional e homem, tendo introduzido dentro de si um ADN de força, resiliência e ambição que coabita com uma série de comportamentos prescindíveis e, por vezes, vexáveis para quem ocupa uma posição de grande importância à frente de um dos emblemas históricos do desporto português e europeu. Infelizmente, nem a Liga de Clubes, nem a Federação Portuguesa de Futebol, nem o próprio clubes conseguiram modificar ou atenuar esta agressividade do treinador campeão nacional, apesar das constantes multas e suspensões, ficando a ideia de uma ausência de admissão de culpa ou de atenuamento de comportamentos do treinador.
Até na formação e lançamento dos novos diamantes do clube da Invicta, subsiste um mundo de opostos já que foi com Sérgio Conceição que se viu o lançamento de diversos atletas vindos dos escalões mais jovens do clube, como Romário Baró, Vítor Ferreira, Diogo Leite, Diogo Dalot, Diogo Costa, Fábio Silva, etc, sendo que depois nenhum realmente é uma aposta afirmativa no presente da realidade do FC Porto, com alguns destes jogadores a serem alvo da impaciência e falta de vontade de manter a aposta por parte de quem dirige o clube ou a equipa principal.
O fim desta temporada não ditará o ponto final da história de Conceição com o seu clube de sempre, até porque é fielmente uma aposta da SAD azul-e-branca, mas qual será realmente o legado e a imagem que prevalecerá no futuro?