Será a Liga Revelação o passo certo para o futebol português?
A Fevereiro de 2018, a Federação Portuguesa de Futebol com apoio da Liga de Clubes lança uma nova competição em Portugal, assente em atletas sub-23 e que iria coexistir com os Campeonatos Profissionais Nacionais, sem que interfira com os mesmos: a Liga Revelação. Uma competição que visava/visa revolucionar quase por completo tanto a forma como os clubes portugueses apostam nos seus escalões de formação e como dão continuidade aos seus jovens atletas a nível sénior.
AS BASES DE UMA NOVA LIGA
A competição, apoiada por uns e duvidada por outros, teve o seu início em Agosto de 2018 com a 1ª jornada a realizar-se a partir de 18 desse mês, com 14 emblemas nacionais a inscrever-se na competição. Entre emblemas da Primeira e Segunda liga, estão os gigantes Sporting CP e SL Benfica, os históricos CS Marítimo e Académica de Coimbra, os “novatos” Portimonense ou CD Aves, entre outros, que compõem uma mistura bem interessante e explosiva para esta época.
A duas voltas, com um sistema totalmente similar à Liga NOS ou Ledman LigaPro, a Liga Revelação 2018/2019 quer afirmar-se no contexto nacional como uma competição de qualidade, de enorme valor, que tem um papel não só de promotor da modalidade como de “salvar” as carreiras de vários jovens.
Estes dois factores são decisivos para o sucesso da competição e a Federação Portuguesa de Futebol formalizou um plano interessante com a transmissão directa de todos os encontros durante 26 jornadas, ou seja, 406 jogos vão merecer streaming, algo que nem a Segunda Liga (ou o Campeonato de Portugal, apesar deste ter tido uma exposição maior no último ano) teve direito.
Para além disto, estes jovens têm e terão uma exposição diária diferente promovida pela própria Federação, que está empenhada em cunhar a Liga Revelação com o seu cunho. Olhando para o que mencionámos em cima, há que ver e perceber se realmente o plano da instituição será carimbado com sucesso e como poderá esta competição alterar por completo o futebol português.
No primeiro fim-de-semana de transmissões em directo foram contabilizadas quase 30 mil visualizações, como a Federação Portuguesa de Futebol menciona,
Os jogos transmitidos em streaming foram vistos em 60 países, num total de 28 mil views. Em Portugal registaram-se 26 mil, seguindo-se Inglaterra, França, Suíça e Brasil na lista de territórios onde a prova teve mais impacto. Os registos provam ainda que os encontros são seguidos nas mais variadas plataformas. Do número global, 14 mil visualizações foram efetuadas via mobile, 11 mil por desktop e mil recorrendo ao iPad.
Rui Bento, seleccionador nacional de sub-17, marcou presença na Madeira no encontro de abertura num estádio que teve cerca de 500 pessoas a assistir ao encontro entre CS Marítimo e Vitória SC (3-2 para os madeirenses).
Observando os números finais, parecem ser valores interessantes, mas insuficientes para realizar uma análise concreta ao seu impacto. Contudo, há um erro “crasso” cometido na transmissão… o facto dos encontros não estarem disponíveis na sua totalidade no youtube da Liga Revelação, página de Facebook (futebol em português, é a página a ir para rever os melhores lances e informações).
Muitos adeptos podem não ter tipo disponibilidade para assistir aos jogos durante o fim-de-semana e até por uma questão de análise/observação dos jogadores sub-23, haveria um grande interesse em se poder visualizar os encontros de cada jornada. Por outro lado, será interessante perceber qual o share de audiências da transmissão dos jogos na TVI24, com a estação portuguesa a deter os direitos de um jogo por jornada.
Contudo, sejam os números “baixos” nos primeiros tempos, a aposta da Federação Portuguesa de Futebol vai passar pela Liga Revelação e os custos consideráveis de logística e transmissão são para se manter. Por isso, é importante tentar perceber o porquê da FPF estar disposta em incorrer em altas despesas para dar visibilidade a uma liga diferente e que poderá ser estranha para muitos.
Nos últimos 8 anos, a Segunda Liga foi “agraciada” com a presença de várias formações “B” dos clubes da Primeira Liga, disputando a Ledman Liga Pro do primeiro ao último minuto… o FC Porto “B” chegou a levantar o título de campeão, SL Benfica e Sporting CP andaram perto, por algumas vezes, do top-3, enquanto que o SC Braga, Vitória SC e o CS Marítimo aproveitaram para lançar novos atletas no futebol português com menos experiência comparado aos outros rivais anteriores. Todavia, a introdução destes emblemas secundários trouxe problemas para alguns clubes, que acusavam-nos de mudarem as equipas em jogos cruciais, o que desvirtuava a verdade desportiva e o mérito até de subidas de divisão.
Perante isto, foi necessário incorrer na tal estranheza, criar a Liga Revelação, como se tratasse de um persuadir a esses clubes nacionais removerem a sua “pegada” das competições profissionais de promoção e despromoção. O Sporting CP à época abordou a questão dos sub-23 e arguiu a favor de uma nova liga (sobre este tema podem ver tudo em: Propostas Bruno de Carvalho) com a retirada das formações B dos campeonatos nacionais profissionais. O SL Benfica, ao contrário dos leões, manteve a aposta na equipa B e avançou para a constituição dos sub-23.
VÁRIOS MUNDOS E A NECESSIDADE DE ARTICULAÇÃO ENTRE OS MESMOS
Nisto, a Federação Portuguesa de Futebol aproveitou para ter os dois “Mundos” em funcionamento, isto é: um plantel na Ledman Pro tem 26 atletas, o exacto mesmo número que na formação que compete nesse campeonato sub-23. De repente, existem 400 novos atletas a disputar um campeonato mais homogéneo e menos impactante a nível físico e táctico. Depois equipas como o SL Benfica, CS Marítimo, SC Braga e Vitória SC alimentam a segunda liga com mais 130 atletas.
É por assim dizer uma forma de abrir a porta do futebol sénior a mais atletas, impedindo-os de cair para divisões regionais sem que tenham se desenvolvido ao seu expoente máximo ou mesmo médio, ou, pior ainda, que desistam de jogar futebol por inteiro.
Ao ter esta rampa de lançamento no futebol sénior de uma forma mais fechada e quase de laboratório, o futebol português passa a ter um “viveiro” só de trabalho e desenvolvimento de atletas dos 16 aos 23 anos, que podem ser chamados a qualquer altura para as suas equipas B e A durante a temporada. Isto permite aos vários emblemas participantes em manter os seus formados dentro de “casa”, desenvolvendo um espírito e cultura do clube ainda maior. Porém, há um lado problemático que tem de ser observado: a intensidade, dinâmica e exigência da Liga Revelação em comparação com a Segunda Liga ou Campeonato de Portugal.
Os emblemas “B” que militam entre a Ledman Liga Pro e o Campeonato de Portugal, estão inseridos em competições altamente físicas, exigentes a nível do compromisso táctico, em que a execução técnica de ser rápida e eficaz e onde os atletas têm de rapidamente garantir um nível de qualidade de jogo bem superior. A Liga Revelação pode não ter este arcabouço todo, por assim dizer, uma vez que é uma liga mais juvenil/desenvolvimento do que extremamente competitiva onde se luta para subir ou não descer.
Se por um lado esta competição de sub-23 insere em si detalhes importantes na formação dos atletas, como a contínua aprendizagem, desenvolvimento físico e entendimento de processos, já os Campeonatos Nacionais forçam um crescimento mais acelerado, preparam os jogadores para a dura realidade do futebol e exigem a noção que uma exibição mais fraca pode custar-lhes o lugar a nível permanente.
A possibilidade dos jogadores da Liga Revelação puderem dar o salto desse campeonato para a Primeira/Segunda/Terceira Liga a qualquer momento é um aspecto bastante positivo, que, porém, pode ser o carrasco da mesma. O que se quer aqui dizer é que se os clubes participante na Liga Revelação começarem a alterar os elencos semana após semana, derivado à necessidade da equipa de juniores ou juvenis necessitar de jogadores, ou a equipa B e A sentirem que podem dar uma oportunidade a 2 ou 3 atletas, a formação sub-23 vai ressentir-se por completo.
Foi o caso do FC Porto “B” em 2017/2018: excelente campeonato até Janeiro, ocupando entre o 1º e 3º lugar da competição… chega o Mercado de Inverno e 6 dos seus melhores atletas são cedidos a outras equipas, sem que fosse repostos jogadores da mesma qualidade técnica na equipa. A somar a isso, o facto de estar a participar em três competições diferentes (Ledman LigaPro, International Cup e Liga dos Campeões sub-19) ainda criou mais problemas à equipa então treinada por António Folha. Terminaram com várias derrotas consecutivas ocupando um lugar na tabela mais “pobre” do que inicialmente previsto.
Para a Liga Revelação ter sucesso é fundamental que os clubes portugueses vejam-na como um campeonato de excelência, de fácil venda a nível de conteúdos, imagem e publicidade, e que possa dar outro desenvolvimento e futuro a atletas mais demorados no seu crescimento a nível físico, técnico e de compreensão de jogo.
Esta mini-revolução encabeçada pela Federação Portuguesa de Futebol vai aumentar o número de atletas ao serviço dos melhores clubes nacionais (não falamos só a nível de títulos ou troféus, mas também de acompanhamento técnico e de instalações próprias), desenvolver ainda mais jogadores para as selecções jovens e criar uma espécie de patamar entre a vida de “juvenil” e realidade sénior.