Saúde Mental no Futebol: necessidade e direito

Margarida BartolomeuJaneiro 18, 20235min0

Saúde Mental no Futebol: necessidade e direito

Margarida BartolomeuJaneiro 18, 20235min0
A saúde mental é um tema que merece atenção e Margarida Bartolomeu explica o porquê de ser um ponto-chave no futebol feminino

Saúde Mental – o estigma, a ideia de que “quem tem problemas de saúde mental são os maluquinhos, ou os fracos”. Estamos no século XXI, e este continua a ser um tema delicado, e que é abordado e encarado com vergonha, com receio e com desconfiança.

No que ao desporto diz respeito, e particularmente ao futebol, a saúde mental tem sido um problema pouco encarado e abordado ao longo da história do desporto, não só pelos atletas, como pelas estruturas humanas que os rodeiam. Seja por medo, seja por vergonha, este assunto tem sido, constantemente, varrido para baixo do tapete.

Nos últimos anos, de forma muito gradual, e devido à coragem e luta de vários atletas, a questão da saúde mental tem vindo a ganhar alguma relevância dentro dos clubes profissionais, o que tem levado a um acréscimo na preocupação dos treinadores em preparar psicologicamente os seus atletas para os desafios da profissão, incluindo psicólogos nas suas equipas técnicas, tal como fazem com os fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, etc. No entanto, a saúde mental continua a ser algo que o ser humano, e neste caso específico, os atletas masculinos, têm muita dificuldade em encarar, talvez pelo facto de “homem que é homem tem que ser macho, e não padece dessas mariquices”.

No futebol feminino, a conversa tem sido um pouco diferente. A mulher, como atleta, luta tanto ou mais que o atleta masculino, devido a todos os entraves e obstáculos que é obrigada a ultrapassar para conseguir chegar a um patamar competitivo elevado. Com isto não quero dizer que os atletas masculinos têm a vida facilitada, antes pelo contrário, mas a verdade é que às mulheres é-lhes passada a mensagem de que “o futebol não é para meninas”, e a falta de apoios (humanos, logísticos e financeiros), estruturas técnicas, clubes interessados em investir, acabam por suportar essa afirmação.

Toda esta luta, desde uma fase muito precoce da carreira, leva a que a atleta feminina esteja sujeita a uma enorme pressão para ter sucesso, para ser “perfeita”, de forma a poder garantir que continua a ter a oportunidade de praticar o desporto que ama. Com o passar do tempo, o atingir do patamar profissional e o aumento da exposição social a que estão sujeitas, o acumular de elementos causadores de stress começa a tornar-se algo complexo de gerir, visto que, muitas vezes, as atletas femininas passam de “totais desconhecidas” para “assunto do momento” num abrir e fechar de olhos, sem qualquer tipo de fase de adaptação. Este escrutínio a que estão sujeitas acaba, muitas vezes, por impactar negativamente no seu desempenho desportivo, o que leva a que elas próprias questionem as suas capacidades, e coloquem em si mesmas ainda mais pressão para não errar.

Ou seja, os problemas que impactam negativamente a saúde mental de uma atleta acabam por acumular, tipo “bola de neve”, acabando por atingir a atleta com tal força, como se de uma avalanche se tratasse, o que leva a que o seu desempenho desportivo seja largamente afetado, causando, muitas vezes, uma sensação de impotência e incapacidade, que acaba por “obrigar” a atleta a interromper, ou mesmo abandonar, a prática desportiva. E se pensamos que este é um problema exclusivo das atletas femininas, ou de quem atinge o patamar profissional, estamos enganados.

Este é um problema transversal a qualquer género, a qualquer atleta, em qualquer desporto. Porque além das pressões externas a que são sujeitos, dia após dia, existe ainda uma situação que tem um impacto muito negativo na saúde mental dos atletas – as lesões. Um atleta que se veja afetado por uma lesão grave, que coloque em causa a continuidade da prática desportiva, deve ser acompanhado por um psicólogo durante todo o período de recuperação, para que aprenda a lidar com o choque causado pela alteração brusca na sua rotina diária (impossibilidade de fazer a sua vida normal, de praticar desporto, ser independente nas suas tarefas diárias), não perca a motivação e a esperança no regresso, para que não tenha uma quebra de “alegria de viver”, pois o seu processo de recuperação não é apenas físico, é 50% mental.

É muito importante que, não só os atletas, como toda a estrutura que os rodeia, desde os seus familiares e amigos, aos treinadores, diretores, presidentes, preparadores físicos, e os próprios colegas de equipa/profissão, esteja alerta para este tipo de problema. Porque a saúde mental não deve ser descurada, a saúde mental é determinante para o sucesso desportivo e pessoal, porque sem uma boa saúde mental, não há preparação física e qualidade técnica que sobressaia.

Há-que deixar para trás os receios, o estigma, a vergonha, e procurar ajuda quando não nos sentimos mentalmente bem, para que o nosso desempenho desportivo não seja negativamente afetado.

Deixo aqui o testemunho de uma das melhores jogadoras do mundo, Vivianne Miedema, que recentemente partilhou a sua luta contra problemas relacionados com a sua saúde mental, que estavam a afetar negativamente o seu desempenho desportivo, e a sua condição física.


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