Gattuso e AC Milan: glória e sucesso ou fracasso e ruína?

Francisco IsaacDezembro 3, 20179min0

Gattuso e AC Milan: glória e sucesso ou fracasso e ruína?

Francisco IsaacDezembro 3, 20179min0
Gattuso chega a Milão com 40 derrotas em 120 jogos como treinador. Terá sido o "Rinoceronte" a melhor escolha? Ou foi uma decisão precipitada?

“É maravilhoso jogar numa equipa como o Milão, onde existe a reacção para reagir aos momentos difíceis e onde conseguimos dar o melhor de nós.”

Palavras muito fortes e apaixonadas de Gennaro Gattuso aquando da sua passagem pelo AC Milan durante a sua estada como jogador da equipa milanesa. Um trinco portentoso, agressivo e que impunha uma fisicalidade “anormal”, Gattuso marcou não só uma era no futebol milanês, assim como no Desporto-Rei, especialmente em Itália.

Altamente explosivo, com os dentes sempre “afiados” e pronto para defender a causa do seu clube até aos limites para lá do humano, Gattuso também criava um sentimento de aversão nos críticos e analistas do futebol. Por vezes, a forma como demonstramos a nossa paixão pode não ser a melhor e o antigo internacional italiano é um caso sério nessa questão.

A 27 de Novembro de 2017, Montella (outro internacional italiano) é “despachado” pela direcção dos milaneses (que relembramos que agora pertence a um consórcio chinês que comprou o Milan “só” por 720M€) quando estava a montar o seu projecto. Gattuso é logo de imediato chamado para ocupar o lugar e a meio da última semana de Novembro sai a confirmação que será a antiga lenda a ficar no banco da equipa até ao final da temporada.

Mas quem é o Gattuso versão treinador? Entre 2013 e 2017, o italiano passou por cinco equipas diferentes, tendo começado nos suíços do Sion (onde ocupava o cargo como treinador-jogador, algo que não correu nada bem), passando pelo Palermo (outra vitima de Maurizio Zamparini), OFI Creta (já iremos apresentar alguns dos melhores momentos do italiano em terras gregas), Pisa e a equipa de esperanças do AC Milan.

Houve sempre uma qualidade que saltou em todas estas passagens: paixão. Para além de paixão, podemos adicionar ainda mais três elementos: raça, agressividade e caos. Gattuso assume cada jogo como de Vida ou Morte, que é fundamental dar tudo, ir para além das “baterias” humanas e lutar por cada lance até ao fim.

Contudo, Gattuso nunca conseguiu tirar o melhor das suas equipas quando foi submetido a uma enorme pressão… em Sion há a desculpa de ter sido “forçado” em aceitar o cargo, uma vez que a direcção do clube suíço não conseguiu arranjar um novo treinador a tempo. No fim dessa temporada, Gattuso pendura as botas e apressa-se a subir ao estatuto de treinador logo no ano de 2013.

E que clube aceitava um antigo internacional que de repente é treinador? Palermo, aquele clube que não tem um projecto a longo-prazo, vivendo num estado calamitoso ano após ano. A relação foi destrutiva, com Gattuso a chegar em Junho e a abandonar o cargo em Setembro do mesmo ano. O registo? Quatro derrotas em oito jogos, um futebol paupérrimo e uma equipa que jogava mais na raça do que na inteligência.

Gattuso “adormeceu” até Junho de 2014 e aceitou novo desafio: OFI Creta. Em terras helénicas, Gattuso teve muitas dificuldades em se adaptar ao tipo de futebol praticado na Grécia. Novamente, não foi feliz com nove derrotas em 17 jogos. Mas a pior mensagem não foram os resultados, foi também o tipo de jogo praticado pelo OFI.

Mais uma vez, raça ao quadrado, agressividade ao cubo e… estratégia de jogo inexistente. Para além disso, a equipa sentia grandes e graves dificuldades em ligar o meio-campo ao ataque, com uma série de jogadas aos soluços e uma instabilidade ofensiva gritante. A defesa acabou por sofrer o “choque” da ineficiência do ataque, com quase 30 golos sofridos em 17 jogos.

A 30 de Dezembro de 2014, Gattuso é despedido do OFI Creta. Para a história fica uma conferência de imprensa que é… bem vejam e tentem retirar alguns elementos que rapidamente descrevem Gattuso em toda a sua genialidade.

Em 2015 chega talvez o melhor projecto de Gattuso, desta vez de Itália: Pisa. A equipa jogava no LegaPro (referente à 3ª divisão italiana) e o treinador transalpino agarrou na formação do norte de Itália, impondo o seu estilo de futebol agressivo e dominador na defesa, para se qualificar para o play-off de subida. Entre as equipas directamente promovidas às que usufruíram do playoff, o Pisa foi a que menos golos marcou (42) em todo o campeonato.

Nas eliminatórias, Gattuso conseguiu imprimir os elementos necessários para transfigurar o Pisa, que marcou 8 golos em quatro jogos, eliminando Pordenone e Foggia, o que lhes garantiu a subida de divisão para a Serie B.

Porém, quando a pressão aumentou e os adversários “melhoraram”, o Pisa de Gattuso “quebrou” somando derrotas atrás de derrotas (17 no total) e acabou demitido do cargo quando se viu confirmada a descida de divisão.

O futebol de Gattuso em Pisa era impulsivo, com uma tentação total por se resguardar na defesa e tentar sair para o ataque mal se avistasse uma brecha… foram a 2ª melhor defesa, por incrível que pareça. Mas foram igualmente o pior ataque, com 23 golos marcados em 42 jogos.

Pisa foi a demonstração total que Gattuso só olha para o campo de futebol do ponto de vista de que é a defesa que dita as vitórias, não conseguindo (ou não sabe?) montar um ataque minimamente ágil, eficiente e “mordaz” do estilo da Itália dos anos 2000. Por outro lado, ficamos a perceber que o italiano continua a exacerbar uma falta de paciência para com os vários “actores” do jogo, revoltando-se constantemente e assumindo uma postura nada “educativa”.

E chegamos a Novembro de 2017, Gattuso recebe a sua primeira grande oportunidade no topo do futebol mundial, assumindo o cargo da sua maior paixão: AC Milan. O clube italiano atravessa uma longa crise de identidade, com dificuldades em encontrar um rumo certo e desejável, perdidos entre os anos de glória da “turma” de Maldini, Pirlo, Gattuso, Ronaldinho e afins e a “revolução” da juventude liderada por Suso, Hakan Çalhanoğlu, Alessio Romagnoli ou o português André Silva.

Vincenzo Montella foi, no nosso entender, mal despedido já que precisava de (bastante) mais tempo para montar o novo Milão. Porém, a pressa de garantir resultados, de mostrar que há vida em San Siro e de reafirmar o poder de um ex-super candidato ao título italiano forçou esta saída que poderá afectar de forma irremediável o futuro dos milaneses.

O “painel de juízes” convidados apresentou as suas dúvidas, certezas e críticas perante esta decisão.

Ricardo Lestre (BeSoccer e Fair Play), “A saída de Vincenzo Montella ocorreu no pior timing possível para o AC Milan, assim como a chegada de Gennaro Gattuso. O ex-futebolista é conhecido , entre outros aspetos, pelo seu espírito lutador, extrema disciplina defensiva e fraca produção ofensiva. Para além disso, ‘Rino’ havia demonstrado em passagens por Sion, Palermo, OFI Creta e AC Pisa que não estaria de todo preparado para assumir um desafio tão grande.

Recorde-se que, ao serviço do Pisa, na Serie B, o italiano montou uma autêntica máquina de defensiva… E sofreu, mesmo assim, com a descida de divisão, na temporada passada. Posto isto, e embora conheça bem a realidade do clube, será Gennaro Gattuso o técnico ideal, de momento, para os ‘rossoneri‘? Apesar dos resultados pouco convicentes, não deveria Vincenzo Montella terminar a época e, numa fase posterior, a direcção apostar num novo treinador?

As questões são muitas e, embora se procure com todas as forças implementar uma identidade numa equipa totalmente nova, é necessário analisar, sobretudo, se a identidade de Gattuso será a mais indicada para o futuro do polo vermelho de Milão.”

Pedro Afonso (Fair Play), “A entrada de Gattuso no Milan tem tanto de poética como de desastrosa. O “touro” italiano foi parte integrante e um dos melhores jogadores da última grande equipa do AC Milan, que levou os italianos à conquista da Champions League sob o comando de Ancelotti. Mas este regresso, que pode ser visto como uma espécie de saudosismo, demonstra que os milaneses continuam presos a um tempo já ido que não sabem como recuperar.

Gennaro não é um grande treinador (e há dúvidas sobre se é sequer um bom treinador) e Montella não teve tempo para colocar uma equipa com quase metade da equipa recém-contratada a carburar. A direção do Milan poderá estar a fazer um compasso de espera para contratar Ancelotti, mas até lá, será com o tanque italiano que vão atacar a Liga. E tem tudo para correr mal.”

André Dias Pereira (Fair Play), “Não menos importante, Gattuso terá como objetivo lançar o futuro do clube, desenvolvendo jogadores como Donnarumma, Calabria, Romagnoli, Çalhanoglu, Locatelli, Cutrone ou André Silva. Mais do que os resultados imediatos, que podem ser alcançados com uma nova organização, raça, motivação e talento, a preparação da nova geração, que será o alicerce do futuro do clube, é o maior desafio de Gattuso até ao momento.

E o grande projeto do Milan para voltar aos tempos dourados. Para isso, o técnico precisará de tempo, espaço de decisão na organização do clube e investimento. Com resultados imediatos, face ao actual elenco, no campeonato e Liga Europa. Terá tempo e capacidade para isso?

De forma sucinta, as grandes questões são: Gattuso conseguirá ir a tempo de garantir bons resultados na Serie A? A Liga Europa vai sofrer com a entrada do técnico ou será uma competição desejável para o “Rino”? E a mentalidade de Gattuso pode ser um elemento letal para um plantel tão jovem e desconexo, que precisa tempo para se unir?

A verdade é que o jogo de estreia foi desolador, o que seria de esperar, com um empate do “morto” Benevento, que até a este jogo tinha somado 14 derrotas em 14 jogos… agora arrancou um empate contra um Milão “torto” e que voltou a pecar na criatividade ofensiva. Será mesmo bom colocar um fã do futebol ultra-defensivo, numa equipa que precisa de um equilíbrio?

Um último dado interessante… o AC Milan em três anos já contratou e despediu 7 treinadores… todos eles foram internacionais italianos, com seis a terem passado pelo AC Milan: Tassotti, Seedorf, Inzaghi, Mihajlović, Brocchi e Gattuso. Há aqui um padrão “assustador” e preocupante.


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