Irão, Alemanha e a tomada de posição dos que não temem

Francisco IsaacNovembro 23, 20225min0

Irão, Alemanha e a tomada de posição dos que não temem

Francisco IsaacNovembro 23, 20225min0
O Mundial já começou, e entre mentiras, subversões e castigos, a Alemanha e Irão mostraram que é possível tomar uma posição sem ter medo das represálias

O Campeonato do Mundo 2022 revestiu-se com as tonalidades mais cinzentas e negras possíveis mesmo antes do início da competição, quando o aparelho político antidemocrático do Catar promoveu o esclavagismo da maior parte da força laboral que edificou os estádios e infraestruturas de apoio à realização do evento, exigindo também que qualquer cidadão estrangeiro se submetesse às suas regras, impedindo que as liberdades mais básicas vissem a luz do dia, ou, pelo menos, tentasse aplacar demonstrações nesse sentido. Porém, e depois da Inglaterra e dos seus jogadores terem dado uma série de passos atrás na demonstração do seu apoio à comunidade LGBTQ+, a Alemanha simplesmente negou a seguir o mesmo caminho e manteve as braçadeiras, com o capitão Manuel Neuer, a ser penalizado, para já, com um cartão amarelo, isto por imposição da FIFA.

O Mundial de futebol, como qualquer outro evento desportivo, devia ser uma festa de alegria e comunhão para além da competição, inserindo em si as lutas sociais e políticas que tentam oferecer um dia melhor para todos. Contudo, a organização que tutela o futebol mundial e, em especifico, a maior competição de selecções da bola redonda, colocou-se do lado do país organizador, isto depois de se saber publicamente que esta edição do Campeonato do Mundo não foi conquistada por concurso, mas sim por uma troca de favores, algo comum a países como o Catar, que sentindo um desrespeito geral por si, decidiu fabricar uma ilusão barata e sem qualquer pingo de bom senso.

Antes do primeiro apito, o Catar fez questão de ameaçar que quem tentasse golpear, ludibriar ou combater o seu sistema de subversão de direitos humanos, iria sofrer as mais pesadas consequências, um discurso similar ao do estado totalitário da Rússia de Putin. Antes da competição se iniciar, a Federação Inglesa de Futebol (entre outras federações como a da Alemanha) e os seus jogadores prometeram usar as tais braçadeiras de apoio à comunidade LGBTQ+ que tem sido vítima de ataques e violações constantes nos últimos anos, continuando a receber a atenção e benesses de quem se coliga e luta pelos direitos de todos. Porém, e como já dissemos, mal a FIFA fez o sério aviso que se tomassem essa posição, então seriam penalizados desportivamente.

Resultado? Recuo total, um pedido de desculpas mergulhado em sentimentos falsos e promessas de que no futuro seria diferente. Contudo, poderá haver muito mais por detrás disto, uma vez que a Premier League está cada vez mais envolvida e “comprada” por indivíduos que são contra as liberdades fundamentais de cada um, estando refém de autênticas máquinas de subversão. Felizmente, a Alemanha mostrou ter um pouco mais de princípios em comparação com um dos seus principais rivais de todo-o-sempre.

A selecção iraniana de futebol tomou outra posição que terá sido a de maior impacto até este momento, uma vez que todos os jogadores envolvidos não terão segurança para voltar a casa, em virtude de se terem colocado do lado da população que combate contra o ditatorial estado iraniano. O não soletrar, cantar ou sequer soltar um único som no hino do Irão, demonstrou o como estes jogadores sabem do seu papel e impacto, optando por seguir pela via mais radical para se fazerem ouvir. Ao contrário dos atletas ingleses, que são todos na sua maioria milionários, uma boa parte dos internacionais iranianos não o são, e rapidamente podem ser colocados entraves à sua vida, algo que não fez sequer bater as pálpebras naquele momento da entoação do hino.

O dinheiro e o engajamento podem valer empregos estáveis e uma vida sem preocupações individuais, mas todos aqueles que compactuaram com a venda dos valores humanos em prol de permitir este constante atropelar dos direitos de todos, merece cair no esquecimento quer da história do futebol, desporto e humana. O falar da boca para fora que são contra o racismo, homofobia, transfobia, islamofobia, ou qualquer outro tipo de ataque contra uma certa comunidade, orientação sexual, ou género, é praticado por todos aqueles que não têm mínima noção do quão privilegiados e protegidos são (ninguém está a exigir que ganhem menos, isso cabe ao exercício humano de cada um), não tendo, também, qualquer vontade de proteger o colectivo, optando só por se preocupar consigo e, talvez, com os seus mais próximos.

As manifestações de humanidade da Alemanha e Irão são o claro exemplo que devem ser elevados ao expoente máximo, enquanto aqueles que optaram por se esconder na sombra do som das moedas a se golpear umas contra as outras, devem ser observados como aquilo que não queremos para a sociedade. Coragem e princípios temporários só servem a aqueles que precisam de um stunt publicitário para acrescentar um par de euros, dólares, ou outra qualquer moeda, à sua conta bancária.


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