O Jogo e Bruno de Carvalho: um exemplo de Jornalismo direccionado

Francisco IsaacFevereiro 16, 201811min2

O Jogo e Bruno de Carvalho: um exemplo de Jornalismo direccionado

Francisco IsaacFevereiro 16, 201811min2
As notícias sobre Bruno de Carvalho chegam de forma diária, com o líder leonino a ter culpas no cartório. Mas os jornais também não são suspeitos?

“Quanto mais depressa o Sporting perder, mais depressa terá um futuro melhor”

Esta frase proveio de um adepto do Sporting Clube de Portugal, que tinha reagido para com as críticas e afirmações de Bruno de Carvalho na rede social do Facebook. Contudo, a expressão aqui colocada foi utilizada num pequena notícia veiculada pelo OJogo no dia 9 de Fevereiro, com o jornal desportivo a ter conversado com o adepto que redigiu tais palavras, de seu nome Rui Franco.

Mas há algum interesse em fazer referência a esta situação? Há no sentido do tipo de Jornalismo Desportivo que aqui encontramos. Ou seja, algo desnecessário, estranho e incomum. É natural que a imprensa desportiva tradicional esteja em fase de adaptação às novas “fomes” dos utilizadores e leitores, olhando para as redes sociais como se tratasse de um buffet sempre aberto e, que os pratos mais baratos e fáceis de apresentar são os mais apetecíveis.

Neste caso, o jornal OJogo optou por dar a voz a um adepto que é contra a actual direcção leonina, encabeçada por Bruno de Carvalho. Numa troca de palavras (e nada mais), Bruno de Carvalho “exigia” (palavras do jornal desportivo) Gratidão e Reconhecimento, para com este tipo de adeptos, pelo trabalho que efectuou ao serviço dos Leões durante o seu tempo de presidência. Rui Franco é um dos adeptos que não quer a continuação de Bruno de Carvalho e fez questão de vincar a sua postura.

Tornar esta troca de palavras numa notícia num dos maiores jornais desportivos da Península Ibérica (atrás de Marca, A Bola, Sport, As e Record) é no mínimo questionável. Não haverá também afirmações de adeptos a aplaudir Bruno de Carvalho e a “exigir” a sua manutenção na frente do Sporting CP? Porque não dar voz a esses também, de forma a que se demonstre que há adeptos dos dois lados da barricada?

Foto: OJogo

Mas não, desde a fatídica e calamitosa Assembleia-Geral a 3 de Fevereiro de 2018, que o jornal desportivo tem continuado a dar voz aos dissidentes, ofendidos e ostracizados pela actual direcção.

Quem? Adeptos como o mencionado, antigos dirigentes como Paulo Pereira Cristóvão (não foi a julgamento devido a erros processuais e por detalhes de jurisprudência que forçaram o TIC de Cascais a declarar nulo todo o processo) ou ex-candidatos à direcção caso de Madeira Rodrigues. Estes foram todos ouvidos e entrevistados, encetando-se numa guerra versus Bruno de Carvalho.

Não nos cabe julgar nenhum dos três envolvidos nas notícias do OJogo, mas podemos lembrar que Rui Franco não é sequer sócio do clube por exemplo, que Paulo Pereira Cristóvão tomou acções ilícitas e desprestigiantes para o clube leonino durante a sua vice-presidência e que Madeira Rodrigues não recebeu confiança de 86% dos votantes para além de ter entrado num caminho vexatório, falando da vida pessoal de Bruno de Carvalho (o líder sportinguista conseguiu, também, fazer algo igual ao gozar e brincar deliberadamente com a imagem do candidato das eleições de 2017).

A entrevista a qualquer um destes envolvidos é o caminho mais fácil para o clique e visita web, uma vez que está provado (alguns estudos apontam nesse sentido) que a má-notícia atrai com mais “velocidade” o utilizador do que a notícia em prol de alguém. Com Bruno de Carvalho, o OJogo tem aproveitado para fazer render a situação, evocando vários artigos e peças dedicadas ao líder leonino,

Foto: OJogo

Desde a situação de ruptura com Jorge Jesus, ao mal-estar com William Carvalho ou Adrien Silva, às guerras internas com membros da Mesa da AG, há uma tentativa de dar outros tons à liderança actual leonina. A verdade é que Bruno de Carvalho expõe-se em demasia, dando o flanco para que sejam criadas as mais fantásticas e, também, verdadeiras notícias.

Mas no caso de OJogo, que em tempos já foi um jornal mais sério e que desafiava ao leitor a desenvolver outras capacidades de crítica/pesquisa no Desporto (não deixando de apresentar algumas boas investigações ou rubricas, mas no geral caiu nos mesmos erros que os seus concorrentes), há uma busca em mostrar uma imagem pesada, “negra” e agressiva de Bruno de Carvalho, algo que é facilmente construído por qualquer um, ainda mais quando se é um jornal de grande tiragem ou com uma grande relevância a nível de internet.

A AG de 3 de Fevereiro correu mal e pelo que os jornais desportivos nacionais reportavam (OJogo incluído), tinha estado a ferro e fogo, como se Bruno de Carvalho e a restante direcção tivessem tomado uma postura quase militar, fazendo exigências, ameaças e outros actos menos positivos num encontro dedicado à aprovação de regras, discussão de ideias e de comunhão de toda a base de sócios do clube de Alvalade.

Não o foi, mas também não foi o caos primordial que foi apresentado. Uma das 7 notícias apresentadas sobre a AG do Sporting CP pelo OJogo,

Foto: OJogo

Jaime Marta Soares, presidente da Assembleia-Geral do Sporting CP, explicou que afinal não foi nada de mais, apesar de terem existido alguns problemas,

“Falta de calma levou a desrespeito entre alguns sócios e quisemos acalmar a situação. Temos de dizer e não tenho medo das palavras: o momento esteve quente, mas sem ultrapassar os limites do bom senso. Nada do que se passou naquela sala ultrapassou os limites do que quer que seja.

Numa alteração estatutária vem sempre ao de cima o calor dos que desejam e não desejam. A AG ficou suspensa, mas será retomada e acabaremos por concretizar, com os votos dos sócios, a reforma estatutária. Aquilo que pudemos constatar é que foi respeitada religiosamente a liberdade dos sócios. Tenho pena de não termos atingido todos os pontos, mas a vida democrática é assim. Ficaria triste se algum dos sócios que esteve lá dentro tivesse dito que lhe tinham tirado liberdades.”

E continua agora sobre a saída de Bruno de Carvalho que parecia ter sido de forma “agressiva”,

“Dizer que Bruno de Carvalho abandonou a AG é um termo muito forte. Eu sei porque entendem que abandonou, mas saiu naturalmente da sala. Não havia a calma suficiente e atingiu alguns desrespeitos que as pessoas não aceitam muito bem.

O presidente entendeu, com o Conselho Diretivo, sair naturalmente como outro sairia. A Mesa só não saiu porque o comandante é sempre o último a abandonar o barco. Não são situações que preocupem no futuro. Uma das grandes preocupações de Bruno de Carvalho é que a palavra aos sócios não fosse cortada. Uns souberam utilizá-la bem, outros nem por isso”.

O leitor do artigo note uma das últimas frases do presidente da AG, “Uma das grandes preocupações de Bruno de Carvalho é que a palavra aos sócios não fosse cortada.”. Isto não será um argumento a favor do líder leonino? Ou é simplesmente uma “palmada nas costas” de Marta Soares ao presidente da direcção do clube de Alvalade? A verdade é que isto passou (de propositado ou não) ao lado da imprensa portuguesa, preocupando-se em frisar a atitude e situação negativa que se registou nessa AG.

Entre esse dia até hoje, 16 de Fevereiro, o jornal OJogo parece estar a dar voz à campanha anti-Bruno de Carvalho, preocupando-se muito pouco com os adeptos/sócios/dirigentes a favor da continuidade do presidente, sendo que das várias notícias encontradas com base na palavra-chave Bruno de Carvalho encontramos na sua maioria notícias depreciativas para com o líder sportinguista. Dos a favor à manutenção de Bruno de Carvalho só Dias Ferreira e a Juve Leo foram entrevistados. De resto, Madeira Rodrigues (em quatro notícias diferentes), Pereira Cristóvão (em duas), Vasco Lourenço (uma), outros associados (três),

Veja-se a reunião de esclarecimento dos pontos a apresentar e votar na próxima AG. Três dos poucos sócios (convidados) a estarem presentes na sessão, declararam que foi uma “tristeza”, mas não esclarecendo a razão desse sentimento negativo.

Margarida Dias Ferreira e José Pedro Rodrigues (dois dos sócios entrevistados pelo jornal OJogo) foram à reunião para só discutir um dos pontos (o ponto 1), mas não tinham desejo de falar dos outros, apesar de no convite ter sido referido que iam-se discutir todos os pontos, apresentando-os e passando ao debate.

Não será proveitoso existirem sessões de esclarecimento das mudanças estatuárias de forma a que os adeptos estejam informados na hora de votar? Não foi por causa desta falta de explicação, com calma, que houve a tal interrupção no dia 3 de Fevereiro? A ignorância não será um rastilho para desencadear problemas entre sócios, que podem ser evitadas com este tipo de sessões?

Mas o que importou ao OJogo foi entrevistar, mais uma vez, os desagradados, os contestatários e os que não concordam como o Sporting CP está a ser liderado. E não existe o outro lado? É esta questão que surge na cabeça daqueles que gostam de ler, reflectir e questionar, invés dos que se ficam satisfeitos em ler, partilhar e criticar sem olhar para o conteúdo.

Foto: OJogo

Porquê procurar uma destabilização do Sporting CP numa época em que se joga muito seja em termos de títulos, glória ou equilíbrio orçamental?

O Jornalismo Direccionado, como consta no título, vai para aquele tipo de produção de notícias que tem só uma “cor” e de um só objectivo claro mas subliminar. Porquê é que o OJogo não fez o mesmo serviço quando decorreu a AG do FC Porto em 2016, em que foram noticiados (por vários sites de notícias, que citaram sócios dos azuis-e-brancos) desacatos entre alguns sócios que criticaram os recentes resultados desportivos e financeiros da direcção de Jorge Nuno Pinto da Costa?

Não deveria servir a imprensa para noticiar, alertar, suscitar ideias, questões e um desejo de saber mais por parte do leitor? Não deveria a imprensa desportiva fazer valer esses valores também? Porquê continuar a servir as notícias rápidas, por vezes falsas (se falarmos do Mercado então temos um Universo só de notícias fabricadas, como Sabe o nosso Jornal ou Fonte próximo do jogador X falou com a nossa redacção, quando nada disto é verdade), fora de contexto, desequilibradas e direccionadas para um sentimento ou tipo de adepto?

Não merecem mais os leitores e a cultura desportiva que todos gostam de obter diariamente? Obviamente que sim. O artigo em causa não é uma apologia aos actos de Bruno de Carvalho ou sua restante direcção, mas sim à forma como se desenha e cria uma imagem de alguém, com recurso à selecção direccionada para só um tipo de voz ou ideia.

Não é nosso intuito discutir ou apontar as acções menos boas ou sérias (seja as afirmações no Facebook ou as críticas mais “ásperas” para com alguns rivais ou meios de CS) mas sim abrir caminho para uma reflexão em como há uma hiperbolização da imagem de uma pessoa, de forma a servir os interesses de outrem…seja a venda de jornais, seja os cliques fáceis, seja a partilha em massa.

Não deveria a imprensa ouvir os dois lados e imiscuir-se de polémicas e controvérsias, procurando outro discurso e postura que parece ter cessado no Universo da Comunicação Social desportiva em Portugal?


2 comments

  • António Silva Ferreira

    Fevereiro 18, 2018 at 6:55 pm

    O artigo em causa visa, como aliás é referido, mostrar o lado negativo de um determinado tipo de jornalismo que, nos tempos de correm, vem reinando na nossa comunicação social. E o caso da pessoa/presidente do SCP é um bom exemplo dessa realidade. Tenho para mim que a mesma realidade se aplica igualmente à generalidade da imprensa desportiva. ‘E uma evidência. O artigo é claro e objetivo. Contrariamente ao comentário anterior, não me pareceu tendencioso e muito menos “desprezível”.

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  • Henrique da Luz

    Fevereiro 17, 2018 at 2:56 am

    Sr jornalista, é salutar perceber que começa a haver um vislumbre dentro da classe do que é , ou tem vindo a ser a conduta, da maioria da imprensa deste pais: deontológica mente mediocre, sectarista na publicação de notícias, e totalmente direcionada no intuito de branquear comportamentos de uns, e perseguir compulsivamente outros. Diga-se que desde o tempo das cronicas medievais, que quem escreve escreve uma versão, e que o que deveria ser espinha dorsal do jornalismo moderno – a investigação- anda pelas ruas da amargura, por culpa dos patrões dessa indústria, que visam o lucro e não a verticalidade editorial. De parangonas e notícias plantadas vive a imprensa, que procura saber da sua veracidade depois de dar o “furo”. Mais, este artigo, que faria sentido se de cariz abstrato, passa a desprezjvel quando se tenta mostrar isento, e o que faz é direccionar um ataque a um jornal em particular e tentar branquear o comportamento de um dirigente, que tem como estratégia comunicacional inundar os m.c.s. com ataques aos seus rivais (internos ou externos, reais ou imaginários) e fazer propaganda tipo anos 30, e que para tal objetivo utilize noticias como esta.

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