Onde ficou a ética de Pinto da Costa?

Ricardo LopesMaio 2, 20246min0

Onde ficou a ética de Pinto da Costa?

Ricardo LopesMaio 2, 20246min0
Assinatura com Sérgio Conceição e a Ithaka dias antes da eleição são dois assuntos da falta de ética de Jorge Nuno Pinto da Costa

Sábado, dia 27 de abril de 2024, vai ser uma data reservada no calendário futebolístico português. Pinto da Costa, presidente do FC Porto desde 1982, foi derrotado por André Villas-Boas, que passou a ser o trigésimo segundo presidente da história dos dragões. Quiçá este triunfo não tenha sido uma surpresa geral. Contudo, a percentagem e dimensão do mesmo foi. O histórico conseguiu apenas cerca de 20% dos votos, perdendo em todas as mesas, inclusivamente nas dos sócios mais antigos. Herói para alguns, vilão para a maioria, Pinto da Costa ficará na memória dos aficionados do desporto-rei.

Porém, não é para falar do ato eleitoral que este artigo serve, mas sim para abordar uma parcela do que foi esta campanha, uma das mais seguidas de todos os tempos, considerada extremamente agressiva por alguns. Fazia falta algo assim no futebol nacional. A maioria das últimas campanhas (descontando o caso do Sporting) têm pouca animação e emoção e raramente assistimos a um fenómeno como o que marcou o primeiro trimestre de 2024.

Serve este texto, que contém muita opinião pessoal de quem o escreve, para falar da falta de ética que a Lista A apresentou nos últimos dias de campanha. Pinto da Costa mostrou que queria vencer de qualquer maneira e aplicou três medidas de ordem extremamente populista e que a Lista B não poderia concretizar, por não exercer qualquer tipo de poder.

A primeira, o negócio com a Ithaka. Que não é tão bom quanto o que se tentou vender. A empresa pagara 65 milhões de euros para ter direito a “durante os próximos 25 anos, a 30% dos direitos económicos de uma nova sociedade (a incorporar no Grupo FC Porto)”. Esses direitos económicos viriam de “receitas referentes ao ‘corporate hospitality’, ao ‘sponsorship’, à bilhética, aos ‘naming rights’ do Estádio do Dragão, ao Museu do Futebol Clube do Porto, às visitas ao Estádio do Dragão, à organização de eventos não desportivos e de concertos, bem como de outras receitas, presentes ou futuras, relacionadas com o Estádio do Dragão”.

Isto foi a primeira manobra de chamar a atenção dos adeptos. Havia (e há, sendo correta) a ideia de que o FC Porto passa por uma grave crise financeira, mas Pinto da Costa tinha fechado um acordo milionário, que poderia trazer estabilidade. Não tomando atenção nenhuma ao acordo, alguns aficionados podem ter ficado com a ideia que os dragões tinham encaixado 65 milhões de euros, de uma forma relativamente fácil, o que agrada a qualquer um. Isto não corresponde à verdade.

Todavia, a segunda e a terceira manobra conquistariam decerto mais votos. A primeira, e mais fácil de ser dissecada, é a contratação de Francisco Conceição. O extremo regressou ao FC Porto no principio da temporada, por empréstimo do Ajax, com uma cláusula de compra que passaria a ser obrigatória a partir do cumprimento de X jogos. Pinto da Costa decidiu exercer esta opção antes da mesma se tornar inevitável. O filho do treinador assinou em definitivo no dia 23 de abril. Contudo, o atleta cumpriria o número mínimo de partidas no dia 28 de abril, 24 horas depois das eleições dos azuis e brancos. A aquisição do internacional português deixaria de ser uma ação de Pinto da Costa, para ser uma de André Villas-Boas, casos e concretizasse no tempo correto. Além de que ficaria sempre bem ao dirigente comprar um dos destaques de 2023/24,

Pinto da Costa não quis esperar quatro dias, para ficar bem na fotografia e mostrar que o FC Porto tinha poder económico para bater 10 milhões de euros com facilidade. Francisco Conceição, que passou relativamente despercebido por Amesterdão, duplicou o seu valor em um ano. Fora vendido por cinco milhões e na época a seguir voltou com uma cláusula de 10. O que justificou esta valorização? A péssima arte de negociar dos (hoje em dia) antigos dirigentes do FC Porto. A grande sorte é que o extremo superou as expectativas e está a transformar-se num elemento preponderante, mas longe do que o fazem vender. A sua prestação nos Países Baixos foi mediana e não justificava o acordo inicial.

Por último, a grande medida populista, o último ato de desespero de um dirigente que via a derrota cada vez mais como uma certeza. Sérgio Conceição, treinador do FC Porto e figura mais acarinhada do Dragão (mais do que Pinto da Costa, algo que na década passada seria inacreditável), renovou contrato com a instituição, até 2028. Estávamos no dia 25 de abril, a dois dias das eleições. Rapidamente o presidente da turma nortenha veio afirmar que André Villas-Boas poderia “rasgar” o acordo (tal como o da Ithaka), se assim o desejasse. Contudo, passou a batata quente ao inimigo.

Sérgio Conceição não está a fazer uma boa temporada, mas é muito apreciado no universo portista. Na ótica dos adeptos, é para ficar, o que significa que o prolongamento do seu vínculo é uma ótima notícia. Isto faz com que, caso André Villas-Boas prefira outro técnico, e dispense o antigo extremo, sofra uma possível onda de críticas à sua liderança, mesmo que esta esteja no seu começo. Ficará de imediato visto como um vilão. Poucos são os adeptos do FC Porto que não conseguem compreender que Sérgio Conceição está em final de ciclo e que são necessárias ideias novas. O amor pelo ex-internacional português é maior. Afinal, ele é que estava no topo da pirâmide e não Pinto da Costa.

André Villas-Boas não terá que continuar com Sérgio Conceição, mas a sua explicação para a rescisão do contrato assinado por Pinto da Costa terá que ser muito bem explicada, para evitar grandes ataques.

Em período eleitoral os candidatos geralmente dedicam-se a fazer promessas. André Villas-Boas revelou que Andoni Zubizarreta seria o seu Diretor Desportivo, Jorge Costa o Diretor de Futebol, entre outras medidas. Mas era algo a ser aplicado a partir do dia 28 de abril (no caso do treinador do AVS SAD somente no final da época). Pinto da Costa não prometeu a renovação de Sérgio Conceição ou a contratação de Francisco Conceição. Se o tivesse feito, tudo estaria bem. O dirigente foi mais além e não o poderia ter feito.

Isto tudo não passou completamente às claras na comunicação social, mas se tivesse sido em outro emblema, o foco houvera sido muito maior. Afinal, era algo esperado. Pinto da Costa foi inclusivamente o protagonista do Apito Dourado, um dos maiores escândalos do futebol português. O que fez na semana do ato eleitoral não foi nada a comparar com isso. Na noite de 27 de abril, não teve que fugir para Vigo, foi só para casa, imagem que marcará o fim do seu ciclo.


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