O Scouting e o Futebol Feminino: um olhar para o futuro
Todos os adeptos de futebol devem conhecer a expressão “olheiro”. E quem não conhece o emblemático Aurélio Pereira, talvez o olheiro mais famoso a nível nacional (e não só), responsável pela “descoberta” de talentosos jogadores, como Cristiano Ronaldo, Luís Figo, Paulo Futre, João Moutinho ou Ricardo Quaresma? Todos nós conhecemos o seu trabalho, ou melhor, a sua capacidade para identificar o talento de jovens futebolistas e ajudá-los a transitar para as academias de formação de equipas profissionais. Atualmente, aquela pessoa que conhecíamos como sendo o “olheiro” de determinada equipa, é denominado Scout, e encontra-se integrado (preferencialmente) num Departamento de Scouting, cuja principal função/responsabilidade é a observação e análise individual de jogadores, que posteriormente poderão (ou não) ser contratados pelo clube onde desempenha as suas funções, quer para as camadas jovens (formação), quer para a equipa principal (rendimento imediato).
A grande maioria dos clubes de alto rendimento, principalmente a nível internacional, tem departamentos de scouting bem estruturados, com políticas de recrutamento muito bem estabelecidas.
No entanto, a nível nacional, e muito embora esta profissão ainda não seja reconhecida, os clubes começam a aperceber-se da necessidade de ter um departamento de scouting para que possam ser mais eficientes no seu recrutamento, e estes departamentos começam a aparecer (muitas vezes é apenas um scout, e não um departamento estruturado), não só a nível da Liga BWIN, como também em clubes mais amadores e que competem em ligas inferiores. Por outro lado, ainda existem diversos clubes que encaram a criação de um departamento de scouting como um custo, e não como um investimento, que trará maior eficiência ao processo de recrutamento do clube e que, consequentemente, ajudará o mesmo a alcançar o sucesso desportivo desejado.
Tudo aquilo que descrevi anteriormente é, atualmente, uma realidade… no Futebol MasculinoNacional. Quando olhamos para o Futebol Feminino, apercebemo-nos que os clubes ainda se encontram muito longe de efetuar tal aposta. Pelo menos, é essa a ideia que transmitem. Se é verdade que a grande maioria dos clubes envolvidos no Futebol Feminino Nacional carece de uma estrutura organizada, com recursos humanos e financeiros suficientes para proporcionar às suas jogadoras condições, pelo menos, semelhantes às que são disponibilizadas aos seus atletas masculinos, a verdade é que existem clubes com equipas profissionais a competir na Liga BPI (Sporting, Benfica e Braga), que poderiam, e deveriam, investir em scouts, e na constituição de um departamento de scouting, especializado na observação de atletas femininas, para as suas equipas de futebol.
Este investimento irá permitir, na minha opinião, que estes clubes se tornem mais independentes na sua procura por jogadoras que encaixem nos ideais do clube, no modelo de jogo das equipas e do(a) treinador(a), desligando um pouco os clubes daquilo que é o “agente desportivo” no que respeita ao futebol feminino, que muitas vezes “inunda” os clubes com “ofertas” de jogadoras, e aliviando um pouco o trabalho do(a) treinador(a) que, muitas vezes, é também ele(a) o(a) responsável pelo processo de scouting da equipa principal, o que sobrecarrega a figura do(a) treinador(a) e o(a) desvia um pouco daquele que deverá ser o seu principal foco – o treino.
Durante os meses de setembro, outubro e novembro de 2021, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), através da Portugal Football School (PFS), promoveu a 1ª Edição do Curso de Scouting e Análise de Jogo, no qual tive a oportunidade (e o prazer) de participar, como formanda. Foram várias sessões de muita partilha e, principalmente, e no meu caso particular, de muita aprendizagem. Uma frase que me marcou foi proferida pelo Tiago Pinto, atual Diretor Desportivo da AS Roma – “o departamento de Scouting é uma peça-chave no projeto desportivo de qualquer clube que pretenda atingir o sucesso”.
Ora se temos, em plena Liga BPI, 3 equipas (clubes) totalmente profissionais, não será tempo de as mesmas criarem, para o Futebol Feminino, os mesmos departamentos de que dispõe o Futebol Masculino? Tendo em conta os orçamentos bem mais modestos de que o Futebol Feminino dispõe, não será importante “desligar” um pouco os clubes das parcerias com agentes desportivos (não digo cortar relações, atenção.
A figura do agente desportivo é muito importante, principalmente no Futebol Feminino, onde a visibilidade da jogadora ainda é algo limitada), e investir num departamento que lhe permita otimizar o seu processo de recrutamento, bem como criar alguma independência de terceiros, associados a esse mesmo processo?
Se é verdade que, a grande maioria dos scouts em Portugal são homens, e pretendem trabalhar ligados ao Futebol Masculino (por exemplo, no curso que mencionei anteriormente, éramos apenas 2 mulheres, sendo que, além de nós, talvez apenas mais 2 ou 3 participantes estivessem interessados em pertencer a um projeto no feminino, num total de cerca de 45 formandos), também é verdade que nenhum scout irá recusar um projeto aliciante, de construção de um departamento, num clube grande e com visibilidade nacional e internacional.
Penso que está a chegar o momento de os clubes com equipas profissionais (ou até semiprofissionais, como é o caso do Famalicão, do Torreense e do Marítimo) darem o passo em frente, e investir seriamente no Scouting, aquela que é, a meu ver, a área com maior potencial de crescimento no que respeita ao Futebol Feminino Nacional (e não só).