“It’s coming Rome!”: a Itália conquistou a Europa do futebol

Bruno DiasJulho 15, 20217min0

“It’s coming Rome!”: a Itália conquistou a Europa do futebol

Bruno DiasJulho 15, 20217min0
53 anos depois, a Itália voltou a sagrar-se campeã europeia, naquela que foi a consagração de uma grande equipa de futebol.

Tudo parecia encaminhado para que o futebol “voltasse a casa”, para uma inédita vitória da Inglaterra, numa final jogada em Wembley. Mas dificilmente existirá desporto mais imprevisível e propício a surpresas do que o “desporto-rei”, e a final do Euro 2020 voltou a demonstrá-lo. Os ingleses até se colocaram em vantagem praticamente no início da partida, mas foi a Itália que acabou por levar para Roma o segundo Campeonato da Europa da sua história, depois de uma primeira vitória em 1968.

Um triunfo chocante à primeira vista – tendo em conta o amplo favoritismo dos ingleses, derivado de uma maior qualidade individual dos seus jogadores e do facto de jogarem em casa, perante um estádio com cerca de 60 mil espectadores -, mas que se justifica numa análise mais profunda pela qualidade colectiva demonstrada por ambas as formações e pela qualidade de jogo apresentada ao longo de toda a competição.

Um Europeu onde venceu a melhor equipa. O melhor grupo, o melhor colectivo. Mas, obviamente, um colectivo que não surgiu a este nível de um dia para o outro. Foi um processo de crescimento longo e gradual que permitiu aos italianos chegarem até este momento decisivo, com o qual sonhavam desde que sofreram uma grande desilusão, aquando da última grande competição de selecções.

Esta é a história de como a Itália de Roberto Mancini foi do inferno ao céu, e alcançou finalmente a glória.

A caminhada invicta da Itália

A história desta selecção italiana não começa no primeiro jogo desta competição, frente à Turquia. Não começa sequer no primeiro jogo de qualificação para esta competição.

Começa a 13 de Novembro de 2017. Nesse dia, Gianluigi Buffon e companhia empatam a 0 com a Suécia, e esse empate dita uma dura realidade: a Itália acaba de falhar a qualificação para o Mundial 2018.

Um escândalo nacional, mas que representou apenas o culminar de uma ideia que vinha germinando no subconsciente do futebol europeu há vários meses: os italianos já não intimidavam. Já não representavam uma ameaça para todas as selecções. O peso da sua tradição ao nível das competições de selecções ficava aqui fortemente abalado por este autêntico “falhanço”, e as suas individualidades já não se assumiam como nomes de “montra” no panorama mundial, não antevendo assim grandes mudanças de rumo no sucesso desportivo.

Giampiero Ventura (o técnico responsável pelo fracasso do Mundial) sai e, em Maio de 2018, entra Roberto Mancini, com a hercúlea tarefa de reerguer uma selecção mentalmente abatida, desgastada, sem as figuras ofensivas de renome de outros tempos (Totti, Del Piero ou Vieri, recuando apenas a épocas não muito longínquas) e com algumas das suas principais figuras em fase aparentemente descendente da carreira (Leonardo Bonucci, Giorgio Chiellini) ou a demonstrarem alguma incompatibilidade no campo pela semelhança de perfis (Jorginho, Marco Verratti).

Mas é aqui, com o técnico de 56 anos, que começa uma impressionante caminhada “azzurri” que, ao dia de hoje, ainda não conhece o seu fim. De jogo em jogo, a Itália de Mancini vai construindo um colectivo coeso, unido e perfeitamente focado numa ideia de jogo ofensiva, pressionante e que tenta impor o seu futebol ao adversário. Um colectivo que conta, neste momento, com uma série de 34 (!!) jogos sem conhecer o sabor da derrota (desde que Portugal, precisamente, derrotou os italianos numa partida a contar para a Liga das Nações).

É esta ideia colectiva que entra a todo o vapor no Euro 2020, “passeando” no seu grupo frente a Turquia, Suíça e País de Gales. Uma ideia assente na solidez defensiva do gigante Gianluigi Donnarumma na baliza e das “velhas raposas” Bonucci e Chiellini, que demonstraram mais do que nunca jogar “de olhos fechados” um com o outro. No equilíbrio e versatilidade táctica que o posicionamento de Giovanni Di Lorenzo à direita oferece, permitindo à equipa defender a 4 mas atacar regularmente com uma linha de 3 mais atrás se necessário, dependendo da situação de jogo. Na verticalidade e desequilíbrio que a projecção ofensiva de Leonardo Spinazzola oferece, ao longo de toda a ala esquerda. Algo que permite a Lorenzo Insigne sentir-se “em casa” na meia-esquerda do ataque, terrenos que pisa naturalmente, sendo que, do lado oposto, primeiro Domenico Berardi e depois Federico Chiesa foram abrindo bem na linha, de forma a poderem assumir o 1×1 que os caracteriza. Na capacidade de pressão constante e de complementaridade que Ciro Immobile foi garantindo na frente de ataque. E claro, uma ideia assente num trio de médios de alta qualidade técnica e cognitiva, com Jorginho no controlo, Marco Verratti na batuta e Nicolò Barella a movimentar-se eficientemente entrelinhas, nos “espaços mortos” deixados pelo oponente.

No fundo, uma ideia assente numa qualidade colectiva a que já não estávamos habituados na selecção italiana, e que atingiu um nível inclusivamente incomum quando falamos de selecções, por norma contextos onde complexas rotinas colectivas surgem com maior raridade. O trabalho de Mancini é maravilhoso, e os jogadores foram crescendo para níveis muito elevados dentro do belíssimo grupo que este criou.

(Foto: en.as.com)

A figura: Jorginho

Os candidatos a “figura” desta excelente Itália poderiam ser mais que muitos. Jogadores como Donnarumma (eleito o melhor jogador do torneio), Bonucci, Chiellini ou até Chiesa teriam todos bons argumentos para merecerem este destaque.

O protagonista, porém, foi outro. Aos 29 anos, e depois de um percurso futebolístico e até de vida marcado por constantes subidas “a pulso”, Jorginho encontrou no Euro 2020 o derradeiro palco da sua consagração enquanto jogador de classe mundial. Uma temporada que, de resto, já era de sonho para o médio-defensivo do Chelsea, que ao serviço do clube inglês havia conquistado a Champions League frente ao Manchester City.

Mas foi a comandar os destinos do meio-campo italiano que Jorginho conquistou algo tão ou mais valioso: o reconhecimento generalizado da sua enorme qualidade. Imperial do início ao fim da competição, assumiu-se como o melhor 6 do torneio, mesmo perante a forte concorrência do seu colega de equipa N’Golo Kanté. O seu posicionamento irrepreensível em todos os momentos permitia à Itália reagir à perda da bola de forma imediata e em terrenos adiantados (sobretudo na fase de grupos), canalizando assim o jogo para o meio-campo adversário e para um ciclo de constantes ataques à baliza. A gestão do ritmo do jogo com bola, juntamente com o “parceiro” Verratti, de quem em tempos se chegou a dizer que não poderiam actuar juntos. A leitura magistral do que o jogo pedia, oferecendo sempre a linha de passe que permitia aos colegas sair da pressão adversária e mudar o ímpeto da jogada.

E, no topo de tudo isto, a forma como lê o jogo e funciona praticamente como um treinador em campo, dando constantes indicações aos seus companheiros e corrigindo posicionamentos em fracções de segundo, enquanto dirige o jogo de cabeça levantada.

O ítalo-brasileiro foi a representação perfeita de uma “squadra azzurra” que, através da classe, da determinação e do foco absoluto no caminho futebolístico escolhido, conquistou primeiro o seu espaço entre a elite e, depois, a admiração de todos os adeptos. E, de jogo em jogo, acabou também por conquistar a Europa do futebol.


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