Simeone e o Atlético de Madrid: uma história de transformação

Bruno DiasJulho 30, 20198min0
Os anos passam e Diego Simeone continua a encontrar formas de reinventar o seu Atlético de Madrid. Vamos conhecer melhor as mexidas no plantel “colchonero”.

É já seguro dizer, por esta altura, que a grande figura do Atlético de Madrid não é nenhum jogador de nível mundial. Nem sequer nenhum dirigente carismático e/ou polémico, como em muitos outros casos. A grande figura dos “colchoneros” é Diego Pablo Simeone.

A entrar na sua nona época ao comando do clube, o treinador argentino, de 49 anos, construiu já um legado absolutamente impressionante no Atlético, e que claramente fala por si próprio. Uma “La Liga”, uma Taça do Rei, uma Supertaça Espanhola, duas Supertaças Europeias e duas UEFA Europa League. Só não ganhou mesmo a UEFA Champions League, competição onde, no entanto, atingiu duas finais, em 2014 e 2016.

Ainda assim, e apesar do argentino ter catapultado o clube para o patamar dos maiores clubes mundiais, a necessidade de se reinventar e de reinventar o plantel à sua disposição é constante, devido a diversas saídas de jogadores relevantes ao longo dos anos. A mais recente foi a de Antoine Griezmann, estrela máxima da equipa nas últimas épocas, avançado de classe mundial e um dos melhores jogadores a actuar em terras espanholas.

Griezmann saiu para o FC Barcelona, rival directo do Atlético em todas as competições (com especial incidência nas internas, obviamente), por uma astronómica quantia de 120M€ (o mesmo valor que fez chegar ao Wanda Metropolitano o seu “herdeiro”, mas já lá vamos…), completando assim uma transferência que já se adivinhava há mais de um ano, dado que o francês nunca escondeu a admiração pelo clube “blaugrana“, e o mesmo nunca negou também o interesse no avançado de 28 anos.

Assim, e mais uma vez, Simeone viu-se obrigado a “baralhar e dar de novo” para preparar uma nova época desportiva.

Diego Simeone tem revolucionado o Atlético de Madrid nos últimos anos (Foto: mercato365.com)

O Atlético versão 2019/2020

E, sem dúvida alguma, o Atlético soube dar a volta por cima e construir um plantel de imensa valia, em todos os sectores. Ao clube chegaram 8 novos jogadores, para todos os sectores do terreno (exceptuando a baliza, onde Jan Oblak é rei e senhor da posição), e todos eles prometem ser mais-valias, seja já no imediato, a longo-prazo ou até numa óptica de conferir profundidade ao plantel, aspecto tão importante quando se considera o elevado número de jogos e competições disputadas pelos “colchoneros“.

Simeone irá manter-se fiel ao seu 4x4x2 de sempre, mas as escolhas individuais para a composição do plantel prometem fazer deste Atlético o mais entusiasmante e ofensivamente interessante conjunto da era do treinador argentino em Madrid. A exploração do corredor central, com constantes superioridades numéricas nessa zona do terreno, parece ser uma ideia bem vincada nos primeiros jogos de pré-época já realizados (com claro destaque, aqui, para a goleada histórica imposta ao eterno rival Real Madrid há apenas uns dias, partida que terminou com um extravagante resultado de 7-3 favorável aos “rojiblancos), com a largura a ser dada pelos laterais (Kieran Trippier e Renan Lodi, duas “caras novas”), que funcionam como autênticos alas, subindo incessantemente no terreno.

Na frente de ataque, uma dupla de avançados possante e que ameaça permanentemente as costas da defesa adversária. Nem Álvaro Morata nem Diego Costa são particularmente rápidos ou explosivos, mas a capacidade física de ambos e a forma como não dão um único lance como perdido fazem deles a dupla perfeita para o modelo de jogo de constante reacção à perda e ataques rápidos que Simeone tanto gosta. São ainda dois jogadores muito válidos noutra das principais forças desta equipa: o poderio que apresentam nas bolas paradas defensivas e sobretudo ofensivas. Entre Morata, Diego Costa e a provável dupla de centrais titular (José María Giménez e Mario Hermoso, contratado neste Verão ao Espanyol por cerca de 25M€), o Atlético continuará a ser imperial a cada canto ou livre.

No sector intermédio, um miolo dinâmico e com foco na qualidade técnica e de passe, com Koke e Saúl Ñíguez (que jogam praticamente “de olhos fechados”) a formarem a dupla preferencial no corredor central. A partir das alas – e devido à orientação para o centro do terreno – Simeone abdica também de extremos com um perfil mais “clássico” para a posição, colocando lá dois criativos (Thomas Lemar e João Félix) que partem dos flancos para surgirem constantemente em terrenos interiores, sobrecarregando essa zona do terreno.

Aliado a todas estas mudanças individuais e colectivas, mantém-se sempre a imagem de marca deste Atlético: a intensidade brutal que colocam em todas as acções sem bola. A reacção à perda da equipa de Simeone continua a ser quase inigualável no actual contexto de topo europeu, e a forma como cada jogador imprime o máximo esforço na forma como se posiciona, como ocupa o espaço ou como pressiona o portador da bola mantém-se como condição inegociável para fazer parte das opções principais do treinador argentino. Este modelo parece ainda poder acrescentar uma nuance possivelmente decisiva para o sucesso da temporada: pela forma como concentra um grande número de jogadores no corredor central, o Atlético consegue quase sempre reagir à perda em superioridade numérica na zona da bola ou, caso não o consiga, empurra naturalmente o adversário para os corredores laterais, forçando o jogo exterior. Esta característica foi bem visível na partida frente ao Real Madrid, por exemplo, em que raras foram as ocasiões onde os “merengues” conseguiram circular a bola pelo corredor central e/ou por dentro do bloco do Atlético.

 

O “herdeiro” de Griezmann

Para substituir Griezmann – a principal estrela diferenciadora neste conjunto – chegou ao clube João Félix. O avançado português tornou-se na mais cara transferência da história do futebol português e do Atlético de Madrid, e na quarta transferência mais cara da história do desporto, ao deixar o Benfica a troco de 120M€, o valor da sua cláusula de rescisão.

Dotado de uma combinação rara de talento, pela forma como alia elevadas doses de criatividade e virtuosismo a uma tremenda eficácia perto da baliza adversária (no Benfica, em pouco mais de meia época como titular, apontou 20 golos e 11 assistências em todas as competições), Félix é a solução perfeita para fazer esquecer o craque francês, pese embora Simeone tenha procurado alterar a dinâmica ofensiva da equipa, de modo a utilizar o português a partir de um flanco, dando-lhe no entanto total liberdade para surgir com regularidade no meio, nas costas dos dois avançados, de forma a explorar também toda a sua qualidade no último passe.

Com apenas 19 anos e uma personalidade forte, característica dos grandes nomes do futebol mundial, João Félix tem tudo para marcar uma era em Madrid. A pressão que recai sobre si é elevadíssima, pelas expectativas criadas pelos valores da sua transferência milionária, mas o pequeno craque já provou que convive bem com essa realidade, tendo já realizado uma exibição de grande nível na goleada acima referida, frente ao Real Madrid, partida na qual apontou um golo e assistiu ainda Diego Costa para outros dois tentos.

Continuando a evoluir como tem evoluído nos últimos meses, e inserido numa equipa sólida e estável como este Atlético de Simeone, Félix poderá rapidamente imiscuir-se entre os melhores do mundo na sua posição, e Portugal poderá também voltar a ter uma das mais proeminentes estrelas da “La Liga”, como foi o caso com Cristiano Ronaldo, durante várias épocas.

João Félix promete ser a principal figura do clube nas próximas épocas (Foto: ojogo.pt)

 


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