Por que se joga tão pouco na “La Liga”?

Bruno DiasNovembro 20, 20198min0

Por que se joga tão pouco na “La Liga”?

Bruno DiasNovembro 20, 20198min0
O FC Barcelona continua a não encantar, o Real Madrid "cambaleia" ainda na sua qualidade de jogo e o Atlético Madrid não dá sinais de evolução. O futebol já viu melhores dias na "La Liga".

A última década consagrou e consolidou a “La Liga” como um dos mais emblemáticos e poderosos campeonatos do planeta (talvez mesmo o mais poderoso). A Espanha chegaram treinadores de grande valia e jogadores de prestígio e craveira internacional, para se colocarem ao serviço de clubes com massas adeptas extremamente entusiásticas e com condições financeiras cada vez mais significativas e apelativas, fruto do aumento de interesse dos adeptos pelo campeonato em si e do mediatismo do mesmo a um nível global.

Também o sucesso internacional conseguido pelas selecções espanholas – com claro destaque para a conquista do Mundial 2010 e do Euro 2012, ou até mesmo do Euro 2008, há 11 anos atrás, que deu início a este ciclo de sucesso – trouxe notoriedade à competição. O jogador espanhol ganhou dimensão mundial, ganhou prestígio e as suas características começaram a ser apreciadas e potenciadas pelas respectivas equipas, o que levou a um aumento geral da qualidade de jogo, resultante de uma visão colectiva e baseada na capacidade técnica e na predominância do cérebro sobre o músculo, que a generalidade das formações tentava copiar da selecção A espanhola.

Em cima de tudo isto, qual “cereja no topo do bolo”, a rivalidade entre FC Barcelona e Real Madrid (com um soberbo Atlético Madrid a intrometer-se ocasionalmente) elevou-se a um nível nunca antes visto, com recordes atrás de recordes a serem batidos, vários duelos épicos dentro das quatro linhas, equipas brilhantes (com o mítico Barcelona de Pep Guardiola imediatamente numa primeira linha, mas também com o Real Madrid de José Mourinho, de um poderio ofensivo histórico) e, claro, um duelo imortal e intemporal entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi no auge das suas carreiras.

Porém, nada disso parece ser uma realidade na “La Liga” em 2019.

 

O declínio dos “grandes”

Existem vários factores que ajudam a explicar esta perda de qualidade futebolística no futebol espanhol. Vamos por partes (ou… por clubes).

Começando pelo clube que detém a hegemonia da última década no que à “La Liga” diz respeito, o FC Barcelona é talvez o principal “responsável” por este declínio evidente. Não é segredo para ninguém que o Barcelona de Guardiola mudou a forma como o mundo do futebol passou a olhar para o jogo. Foi uma equipa que marcou uma geração, que conquistou a Europa e o Mundo pela forma dominadora como arrasava a concorrência, coleccionando troféu atrás de troféu. Acima disso, foi também um colectivo que serviu de base e de inspiração para o próprio sucesso das selecções espanholas. Guardiola deu vida ao “tiki-taka“, e criou uma obra cujas tentativas de imitação ainda hoje são abundantes.

Só que, em 2019, da obra de Guardiola já pouco ou nada resta. O clube abandonou quase por completo a sua política de valorização da formação, virou-se para o mercado e dirigiu a sua atenção para jogadores consagrados, experientes, internacionais e que muitas vezes não encaixam numa filosofia de jogo catalã que se tornou mundialmente (re)conhecida. Essa mudança de direcção estendeu-se também ao treinador, e a Camp Nou chegou Ernesto Valverde que, apesar das conquistas internas, continua a ser tremendamente contestado pelos sucessivos falhanços europeus e por uma qualidade de jogo inconstante e longe daquela a que os “blaugrana” se habituaram.

Ernesto Valverde continua a não ser consensual enquanto treinador do FC Barcelona (Foto: elpais.com)

O caso do Real Madrid não é, de todo, muito diferente. Depois de José Mourinho e de um estrondoso sucesso europeu com Zinedine Zidane, os “merengues” procuraram recriar a fórmula que os conduziu a umas inéditas três vitórias consecutivas na Champions League, e o francês regressou ao Santiago Bernabéu pela porta grande (havia saído pelo seu próprio pé, após a terceira conquista europeia consecutiva), com a difícil tarefa de inverter a tendência “culé” dos últimos anos e, simultaneamente, proceder a uma renovação do plantel, claramente em final de ciclo e a necessitar de “sangue novo”. No entanto, Zidane está longe de conseguir replicar o sucesso da sua primeira passagem. A equipa, a espaços, chega a ser penosa dentro das quatro linhas, não se encontra um fio de jogo visível e identificável, e mesmo o próprio aproveitamento dos recursos existentes tem ficado muito aquém do exigível (com os casos de James Rodríguez e Isco a “saltarem à vista”).

A saída de Cristiano Ronaldo foi um golpe tão duro e incisivo em termos qualitativos como em termos anímicos para a equipa, que desde então não se conseguiu reequilibrar. Vinícius Júnior não esteve, evidentemente, à altura do peso da herança deixada pelo português, Gareth Bale não assumiu esse protagonismo (e o galês não parece estar motivado em Madrid) e nem a chegada de Eden Hazard (que ainda não correspondeu às elevadas expectativas em si depositadas) alterou esse paradigma.

A alteração de paradigma, de resto, dá o mote para fecharmos este capítulo com o Atlético Madrid de Diego Simeone. O técnico argentino construiu uma autêntica “equipa de autor”, com uma identidade inconfundível e que, durante várias épocas, encantou imensos fãs do estilo e recolheu da grande maioria dos adeptos o reconhecimento de uma competência e qualidade tremendas. O Atlético cresceu talvez como nunca na sua história, chegando ao título espanhol e a duas finais da Champions League, e estabeleceu-se como a terceira equipa espanhola.

No entanto, o projecto parece ter estagnado. Simeone apercebeu-se disso mesmo, e procurou rejuvenescer o plantel e a sua própria ideia de jogo. Só que o técnico argentino não consegue “fugir” da identidade que o caracteriza, e o resultado actual é um meio-termo que não beneficia ninguém. A Madrid chegou, de forma espampanante, João Félix, entre várias outras contratações que visavam elevar o nível individual do plantel e permitir à equipa evoluir a sua ideia de jogo para um futebol mais ofensivo e goleador. No entanto, a época já leva um bom andamento, e os sinais dessa evolução são escassos ou inexistentes.

 

Há esperança entre os “pequenos”

Em contraponto com os actuais exemplos menos positivos dos “grandes”, surgem também os exemplos positivos de equipas com menor dimensão. Nem só de Barcelona ou Madrid se faz o futebol espanhol, e casos como o da Real Sociedad, do Getafe ou até do Eibar provam isso mesmo.

Há, nestes clubes, a noção de que o sucesso deve surgir de forma sustentada, através de um caminho identificado por todos quantos intervêm nos destinos da equipa, e de uma identidade colectiva e associativa que caracteriza o respectivo clube e o define no tempo. O Getafe atingiu a Champions League na temporada passada; a Real encontra-se actualmente no 5º lugar da classificação e pratica um futebol que em nada fica a dever a qualquer outro no campeonato; o Eibar mantém-se, época após época, de forma tranquila no principal escalão espanhol. Projectos com pés e cabeça, que valorizam os seus atletas e, consequentemente, o próprio clube.

Imanol Alguacil comanda a Real Sociedad, uma das actuais “equipas-revelação” da La Liga. (Foto: cadenaser.com)

Por outro lado, é sintomático que clubes que abandonaram este caminho em prol do imediatismo de resultados estejam, neste momento, a atravessar períodos negativos. São os casos de Bétis e Valencia, que optaram por abdicar de projectos relativamente estáveis, consistentes e coerentes em detrimento de objectivos a curto-prazo, mas que estão agora a compreender que, sem a existência de um bom planeamento e de ponderação nas decisões fulcrais para o sucesso de uma equipa, as probabilidades de obterem esses mesmos objectivos são diminutas. Ao contrário dos anteriores, são projectos de vistas curtas, que não anteciparam aquilo que, de outra forma, poderia ser visto a chegar no horizonte e corrigido de forma bem sucedida.

Ainda assim, e na ausência de uma luz ao fundo do túnel, poderá mesmo ser por baixo que a recuperação da qualidade futebolística em Espanha se iniciará. Caberá talvez aos “grandes” beberem agora do exemplo dos “pequenos”.


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