O descalabro de Valencia
Valencia é, por estes dias, uma cidade em polvorosa com o seu clube de futebol. Infelizmente, não pelas melhores razões. A gestão de Peter Lim e do seu grupo de confiança tem sido tudo menos transparente, e a mensagem passada nas últimas semanas é a de um empresário que está cansado do projecto e prestes a abandonar o barco. Longe parecem também ir os tempos em que Jorge Mendes tinha “livre trânsito” para comprar e vender jogadores no clube “che“, e tudo parece indiciar que o Valencia CF está prestes a ser “deixado ao abandono”.
O “princípio do fim” deste projecto terá ocorrido, muito provavelmente, a 11 de Setembro de 2019 quando, a 3 dias de um jogo em Camp Nou, Lim despede o treinador Marcelino Toral, técnico de renome espanhol que vinha construindo uma equipa sólida e com alguma qualidade de jogo no contexto do futebol espanhol. À sua saída, seguiram-se ainda as saídas do secretário técnico e do director-geral para o futebol, e percebeu-se que os destinos do clube estariam prestes a mudar.
A Marcelino seguiu-se Albert Celades, mas o seu trabalho não foi famoso e o Valencia terminou a época 2019/20 no 9º lugar, afastado das competições europeias. Celades saiu, Javi Gracia (técnico ex-Watford) entrou e o planeamento parecia estar em marcha. Até que…
Valencia em “saldos”
O primeiro caso rendeu algum dinheiro ao clube, mas nem por isso deixou de ser uma saída que aumentou a desconfiança e o descontentamento dos adeptos.
Aos 20 anos, Ferrán Torres afigurava-se como uma das “jóias da coroa” valenciana. Partindo da direita para o meio, o espanhol foi formado no clube e ganhou o seu espaço na equipa principal através de um talento bem acima da média, enquadrado num perfil de jogador que se destaca pela variedade de recursos que possui. Capaz de guardar a bola em espaços curtos pela combinação do seu perfil físico e da sua qualidade técnica, Torres explodiu definitivamente na temporada que agora terminou, tendo apontado 4 golos e 5 assistências na liga e contribuído de forma importante para a progressão do Valencia na fase de grupos da Champions League, naquele que foi um dos poucos momentos positivos do passado recente do clube (juntamente com a conquista da Taça do Rei, em 2019).
Um talento sério, com uma margem de progressão assinalável e que entusiasma em campo. Mas, quando já muitos pensavam que Torres seria a figura desportiva em torno da qual o Valencia poderia construir novamente uma equipa competitiva, eis que surge a “bomba”: o Manchester City, de Pep Guardiola, demonstra sério interesse no extremo espanhol, para colmatar a saída de Leroy Sané para o Bayern.
Até aqui tudo compreensível, não fossem os valores envolvidos. Aquele que era já, provavelmente, o activo mais valioso do Valencia sai por apenas 23M€ (com mais uma dúzia de milhões em objectivos) para os “cityzens“. Valores francamente abaixo do esperado por todos aqueles ligados ao clube, e que não parecem justificar a saída de uma peça fundamental para o futuro desportivo dos valencianos.
A partida do capitão
Já depois da venda de Ferrán Torres para Inglaterra, surge então um caso ainda mais… especial, e que motivou bastante o subir de tom da contestação dos adeptos para com Peter Lim e a sua gestão.
No clube desde 2011, o capitão Dani Parejo partiu rumo ao Villarreal a custo zero, naquilo que pareceu uma autêntica dispensa do jogador, por motivos imperceptíveis para a massa adepta. Juntamente com Francis Coquelin – este a troco de cerca de 8M€, também esse um valor muito baixo – o espanhol foi “empurrado” para fora do clube, e a sua despedida emocionante e solitária por vídeo-conferência, a partir de sua casa, é uma daquelas imagens difíceis de esquecer.
Foram 383 jogos e 63 golos com a camisola do Valencia, num período particularmente difícil para o clube, que se encontra afastado das grandes decisões há alguns anos e que não vence a “La Liga” desde 2004. O espanhol, de 31 anos, demonstra há várias épocas ser um dos melhores médios a pisar os relvados do futebol espanhol, combinando qualidade no passe e no remate com uma soberba visão de jogo e um entendimento superior do mesmo, que se transfere para a forma como toma quase sempre a melhor decisão para aproximar a equipa do sucesso.
Para além disso, Parejo era também um líder no balneário e uma personalidade íntegra e respeitada por todos, desde os seus colegas até aos adeptos do clube, passando ainda por todos os adeptos de outras formações, cujo respeito pelo jogador formado no Real Madrid é indiscutível. A sua saída deixa uma marca no clube que vai para além do seu valor desportivo, e pode muito bem ser o catalisador para uma época de desilusão que ainda nem sequer se iniciou.
Uma partida difícil de digerir.
Com todos estes condimentos a gerarem uma mistura explosiva, o contexto em que o Valencia inicia a próxima temporada não é, de todo, o mais favorável. Dada a qualidade individual dos plantéis dos mais directos competidores, 2020/21 poderá ser algo duro de suportar para os aficionados “ches“.