O Barcelona que não parece Barcelona

Bruno DiasMaio 15, 20197min0

O Barcelona que não parece Barcelona

Bruno DiasMaio 15, 20197min0
O FC Barcelona sagrou-se, novamente, campeão espanhol. No entanto, o lugar de Ernesto Valverde está claramente em risco. Vamos perceber porquê.

Ernesto Valverde voltou a conduzir o FC Barcelona à vitória na “La Liga“. Um título conquistado sem grande dificuldade, em parte pelo tremendo demérito do eterno rival Real Madrid, mas também por uma época menos conseguida do Atlético Madrid de Diego Simeone, que esta temporada se apresentou a um nível inferior em relação ao que vinha fazendo nos últimos anos. Os catalães terminarão o campeonato com uma vantagem na casa dos dois dígitos (têm actualmente 11 pontos de vantagem sobre os “colchoneros“), e o título nunca pareceu poder acabar num outro recinto que não Camp Nou. Para além disso, o Barcelona está também na final da Taça do Rei (onde defrontará o Valencia), e procura conquistar a competição pela 5ª vez consecutiva.

Já na UEFA Champions League, e quando as coisas até pareciam bem encaminhadas, o Barcelona sofreu um duro golpe, que poderá ser talvez o grande catalisador da queda do técnico de 55 anos. Após uma clara vitória por 3-0 frente ao Liverpool, na primeira mão das meias-finais da prova, os catalães foram surpreendidos por uma das mais épicas reviravoltas dos últimos anos, numa noite de sonho em Anfield para o Liverpool, que deu a volta à eliminatória e venceu por 4-0.

Uma eliminação que lançou ondas de choque por todo o clube, e que colocou o lugar de Valverde numa posição altamente instável.

 

O problema

No fundo, é Valverde o principal problema. Atenção: não é a sua qualidade que é aqui colocada em causa. O espanhol é um treinador de reconhecidos méritos, com um currículo bem ilustrativo das suas capacidades. As suas equipas são geralmente bem organizadas e equilibradas nos momentos sem bola, e este Barcelona não foge a essa regra. A sua gestão do grupo – pelo que é conhecido do público – também é exemplar, sendo que todas as informações vão no sentido de uma relação muito positiva entre ele e a maioria dos seus jogadores, incluindo o “núcleo duro” do balneário catalão.

O problema é que Valverde é um bom treinador, mas cuja visão do jogo encontra algumas incompatibilidades com aquela que é a visão do jogo instituída por todo o clube, quase como uma “filosofia de vida”. O seu Barcelona coloca-se na frente do marcador com alguma facilidade, mas rapidamente procura impedir o adversário de marcar e assume uma postura pragmática e resguardada, em vez de procurar manter o jogo na toada do seu futebol. O seu Barcelona não parece possuir mecanismos que lhe permitam superar jogos ou momentos adversos, quando o adversário se coloca em vantagem ou quando as suas maiores individualidades realizam uma exibição menos positiva (e aqui, há que realçar a diferença que faz ter Lionel Messi para atingir a vitória, tendo em conta a vasta lista de jogos desbloqueados ou resolvidos pelo argentino esta temporada). O seu Barcelona possui a capacidade de disputar e resolver com sucesso a maioria dos duelos individuais, sejam eles defensivos ou ofensivos, mas não tem a capacidade de manipular o adversário de forma colectiva, seja através da circulação de bola ou através da forma como pressiona.

Essencialmente, o seu Barcelona vai conseguindo chegar à meta, mas descura a forma como lá chega. Isto num clube habituado a valorizar e a apreciar cada passo dado.

(Foto: sportskeeda.com)

 

E depois de Valverde?

Com a possível saída de Valverde, surgiram de imediato os rumores relativos aos seus sucessores. Ronald Koeman, por exemplo, foi um dos nomes fortemente associados ao banco de Camp Nou. No entanto, e apesar de Koeman conhecer a realidade do clube, há alguns nomes que melhor poderiam reaproximar o clube da filosofia que durante anos o caracterizou e identificou de forma inequívoca, um pouco por todo o mundo.

Desde logo, Xavi Hernández. A lenda “blaugrana” anunciou, há meros dias atrás, a sua retirada dos relvados, e sabe-se que irá abraçar de imediato uma carreira enquanto treinador. O desejo de ver Xavi treinar o clube onde é visto como uma incontornável referência é antigo e vive no imaginário de muitos adeptos, e certamente que a identificação com o futebol característico do clube será a menor das dificuldades para uma figura que teve um papel fundamental no desenvolvimento dessa mesma imagem futebolística.

No entanto, e apesar dessa possibilidade se afigurar como inevitável no futuro, é de esperar que Xavi não se assuma como uma opção muito realista no curto-prazo, pela sua ausência de experiência enquanto treinador principal.

(Foto: moroccoworldnews.com)

Assim, os “culés” procurarão sempre uma figura mais experiente. Que poderá ser Maurizio Sarri. O italiano está a terminar uma temporada intermitente, tanto ao nível da sua relação com a imprensa e com os adeptos do Chelsea como ao nível dos resultados. Tendo parecido, em determinados momentos, que a época dos londrinos iria redundar numa tremenda desilusão, a verdade é que Sarri comandou a equipa ao 3º lugar na Premier League (o primeiro após os dois “monstros invencíveis” Manchester City e Liverpool), à final da Taça da Liga (de onde saiu derrotado, igualmente, pelo Manchester City) e à final da Liga Europa, onde terá de derrotar o Arsenal para conquistar uma competição europeia que seria inédita no palmarés do técnico.

O seu Nápoles marcou uma era no clube italiano, com base num estilo de jogo muito semelhante àquele a que os adeptos do Barcelona se habituaram a ver, sobretudo, com Pep Guardiola. Uma equipa de autor, com extrema preocupação pela posse de bola e pela segurança da mesma, e que procurava incessantemente controlar e ditar o ritmo do jogo com bola, bem como pressionar o adversário imediatamente após a perda da bola. Em Inglaterra, por diversos factores – sendo o tempo de trabalho e a confiança dos atletas nas suas ideias talvez os mais relevantes -, o seu Chelsea tarde em atingir o nível qualitativo que caracterizava a sua equipa napolitana. Independentemente disso, Sarri possui, sem dúvida, o denominado perfil “à Barça”.

Por fim, surge talvez aquela que será a opção mais adequada para o futuro imediato catalão: Erik Ten Hag. O holandês anda nas bocas do mundo, depois de ter conduzido o Ajax às meias-finais da Champions League e ter estado a segundos de assegurar mais uma final europeia para o clube de Amesterdão. O mundo do futebol enamorou-se por uma equipa sem medos ou amarras, que impôs o seu jogo frente a adversários teoricamente mais fortes (como o Real Madrid ou a Juventus), baseando-se numa liberdade posicional quase total em termos ofensivos e num futebol de constantes combinações curtas, bem por dentro do bloco adversário, que conduziu o Ajax a uma época prolífica em termos goleadores, mas igualmente em termos do que é a vertente artística do espectáculo.

Aspectos que colocam o técnico holandês como uma das mais fortes hipóteses para rumar à Catalunha, num caminho que, de resto, já será percorrido por Frenkie de Jong e, muito provavelmente, por Matthijs de Ligt, duas das maiores estrelas dessa caminhada heróica.

(Foto: marca.com)

Seja qual for a opção escolhida, certo mesmo é que este pode ser um momento vital para o regresso do Barcelona a uma filosofia impregnada na cultura e na alma do clube. Com maior ou menor sucesso, este poderá ser o momento em que o Barcelona volta a parecer o Barcelona.


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