La Liga: “Quo vadis”, Barcelona?

Bruno DiasJulho 18, 20207min0

La Liga: “Quo vadis”, Barcelona?

Bruno DiasJulho 18, 20207min0
Derrotas sucessivas, instabilidade, "recados" internos em catadupa. O FC Barcelona já viveu melhores dias. Mas quem é culpado pelo estado actual do clube?

Já não é mais uma teoria sem fundamento ou uma errada assumpção: o FC Barcelona está em crise. A conquista da “La Liga2019/20, que parecia perfeitamente ao alcance da equipa, esfumou-se numa série de resultados decepcionantes e de exibições ainda mais negativas. E face a essas mesmas exibições, cada vez parece menos provável que o clube consiga lutar pela conquista da Champions League – até porque terão, primeiramente, de virar a desvantagem em que se encontram na eliminatória frente ao Nápoles, nos oitavos-de-final da competição.

Uma temporada frustrante para os adeptos e para o próprio grupo, que não tem escondido a sua insatisfação em múltiplas declarações à imprensa ou nas entrevistas rápidas imediatamente após as partidas. Gerard Piqué ou Lionel Messi demonstraram-se já bem vocais em relação à situação actual dos “blaugrana“, que vêem o seu rival de sempre, o Real Madrid, conquistar mais uma Liga pelas mãos de Zinedine Zidane e posicionar-se cada vez melhor – pela forma como tem gerido o rejuvenescimento do seu projecto desportivo – para assumir a hegemonia do futebol espanhol.

Pelo contrário, soam os alarmes em Barcelona também em relação à idade do seu plantel e, sobretudo, do seu “núcleo duro”. Messi, Piqué, Luis Suárez e Arturo Vidal têm 33 anos. Ivan Rakitic e Sergio Busquets, 32 anos. Jordi Alba, 31 anos. A base que segura o colectivo está a caminhar para o final das suas respectivas carreiras, e a verdade é que a substituição das suas principais peças não tem sido assegurada da melhor forma, uma vez que o contexto não é o mais propício a que jovens jogadores evoluam e se familiarizem com o estilo de jogo catalão. Esta questão é claramente identificável em algumas das contratações mais caras do clube, como é o caso de Frenkie de Jong, por exemplo.

Uma conjectura que agrava os problemas catalães a cada dia que passa, e que expõe e escrutina mediaticamente toda e qualquer decisão no seio do clube. A dimensão e magnitude do Barça são mundiais, mas no ar paira o fantasma de outros “gigantes” europeus, como o Manchester United ou o AC Milan, que durante vários anos sofreram e ainda estão a sofrer com o final abrupto de uma era dourada, cuja sucessão foi mal planeada e/ou gerida.

(Foto: desporto.sapo.pt)

O treinador

Dentre todas as distintas personalidades no clube, o treinador é bem capaz de ser o menor culpado do estado actual do Barcelona. Dado o contexto de quase “guerrilha” interna que se vive entre a direcção, alguns dos “pesos pesados” do plantel e uma facção significativa dos adeptos, o treinador sente-se frequentemente desapoiado e isolado nas suas funções, vendo por isso as suas probabilidades de sucesso fortemente reduzidas e condicionadas.

Comecemos por Ernesto Valverde, aqui. O técnico de 56 anos conta na sua carreira com trabalhos bastante meritórios no futebol espanhol, e a sua competência foi também visível durante o seu período em Barcelona, tendo liderado os “blaugrana” rumo a dois títulos consecutivos (e de notar que saiu quando se encontrava novamente em 1º lugar na Liga), uma Taça do Rei e uma Supertaça Espanhola. No entanto, o seu trabalho foi sempre criticado ao nível da forma, pois Valverde afastou definitivamente o Barcelona de um estilo que caracterizou o clube durante anos, e que atingiu o seu expoente máximo com vários dos jogadores que ainda hoje se mantêm no plantel.

Já com Quique Setién, a questão é diferente. Ninguém coloca em causa que as ideias do treinador espanhol vão mais ao encontro dos denominados “anos dourados” dos catalães. Uma filosofia assente na relação com a bola e num futebol envolvente que assumia contornos anormais de extremo controlo sobre o adversário através da posse.

Porém, é por demais evidente que não só Setién não foi bem aceite pelo balneário desde o primeiro dia, como o próprio também não demonstrou capacidade para gerir o grupo e levá-lo a acreditar no seu caminho para a vitória. O resultado, como se tem visto, é desastroso, com a aura de “invencibilidade” do Barça a dissipar-se quase por completo, transformando-se a equipa num conjunto de individualidades que não se entendem colectivamente e que não atingem o rendimento esperado, em muitos casos.

No fundo, o treinador encontra-se no centro de uma “guerra de estilos”, que para já não encontrou ainda um vencedor, mas que já tem feito vítimas, como Valverde percebeu no passado e como Setién provavelmente perceberá num futuro próximo.

(Foto: record.pt)

A direcção

É bem provável que a génese do problema se encontre na estrutura directiva. Chegado à presidência do clube originalmente em 2014, Josep Maria Bartomeu sempre demonstrou querer quebrar a linha condutora de anos anteriores, altamente influenciada pelo sucesso desportivo de Pep Guardiola e pelos ideais futebolísticos de Johan Cruyff, que levaram não só o clube ao maior período de sucesso da sua história, como também a um reconhecimento mundial de “La Masia“, a sua mítica academia de formação.

Foi com Bartomeu que o clube passou a procurar activamente no exterior soluções para o seu plantel, renegando a jovens da formação a oportunidade de se assumirem como jogadores de valor para o sucesso do Barcelona. Foi com Bartomeu que várias das figuras técnicas de proa dos escalões de base do clube foram saindo, depois de muitos anos de trabalho. Foi com Bartomeu que as polémicas fora do relvado se agudizaram em torno do clube, desde o caso da contratação de Neymar (“herdado” do seu antecessor, Sandro Rosell) até às mais recentes polémicas envolvendo um suposto pagamento da direcção a várias empresas responsáveis pela gestão e manipulação de opiniões nas redes sociais, e ligadas a várias páginas que atacaram durante semanas a honorabilidade e credibilidade de vários jogadores do plantel, incluindo Messi.

Na verdade, e ao contrário do que se possa pensar, a saída de Valverde e a chegada de Setién a Camp Nou não foi o ponto de viragem da fortuna “blaugrana“. Esse, como se vai podendo perceber após uma análise um pouco mais aprofundada, surge de uma mudança bem mais profunda e que começou a ser cozinhada há vários anos atrás, com a inversão de toda uma filosofia e forma de estar do clube no futebol.

De um clube que assentava o seu plantel numa base de jogadores ali formados, passamos a ter uma equipa composta com base em investidas de mercado sem grande critério. A Barcelona, passaram a chegar jogadores com “nome” e “estatuto” bem demarcados, muitas vezes por valores exorbitantes, sem um claro enquadramento da sua contratação para o plano desportivo. Por outras palavras, Bartomeu tentou constituir em Barcelona a sua própria versão “Galáctica”, tal como Florentino Pérez fez em tempos no Real Madrid. E tal como nesse caso, o resultado global tem sido o de um declarado fracasso.

(Foto: 90min.com)

Sendo que em 2021 há eleições no clube, a mudança de rumo poderá passar, precisamente, por uma mudança na presidência do clube. Victor Font, que tem como bandeira o regresso de Xavi Hernández ao clube enquanto treinador, e o ex-presidente Joan Laporta são candidatos já assumidos, num momento que, esse sim, poderá alterar seriamente a realidade vivida em Camp Nou. Uma coisa é certa: aproxima-se vertiginosamente o fim de uma era em Barcelona.


Entre na discussão


Quem somos

É com Fair Play que pretendemos trazer uma diversificada panóplia de assuntos e temas. A análise ao detalhe que definiu o jogo; a perspectiva histórica que faz sentido enquadrar; a equipa que tacticamente tem subjugado os seus concorrentes; a individualidade que teima em não deixar de brilhar – é tudo disso que é feito o Fair Play. Que o leitor poderá e deverá não só ler e acompanhar, mas dele participar, através do comentário, fomentando, assim, ainda mais o debate e a partilha.


CONTACTE-NOS