LaLiga Legends #6 – Fernando Torres (Atlético Madrid)

No futebol, nem todas as lendas são sinónimo de títulos e troféus, de um palmarés recheado, de múltiplas conquistas gloriosas. Há também aquelas que conquistam o seu espaço na eternidade por um simples momento, numa só competição ou para uma simples “afición“.

Fernando Torres é bem capaz de ser um dos raros futebolistas que completou e conquistou todos estes factores na sua carreira. Começou por ser um símbolo de mudança, alcançou a grandeza, superou as adversidades e voltou a casa para ser venerado, antes de rumar em direcção ao sol nascente para o seu último capítulo.

Torres nasceu em Fuenlabrada, uma cidade da comunidade de Madrid. É na sua cidade natal que começa a jogar futebol com apenas 5 anos, num clube local e… na baliza. Sim, um dos maiores avançados espanhóis de todos os tempos começou o seu percurso a evitar golos, ao invés de os marcar.

Desde cedo apaixonado pelo Atlético Madrid – um amor que herda do seu avô – Torres chega ao clube do seu coração aos 11 anos, já como avançado e após ser um dos seleccionados nas captações de formação dos “colchoneros“. E é aqui que começa uma história ainda mais bonita.

Estreia-se pela equipa principal a 27 de Maio de 2001, numa partida frente ao Leganés e numa fase onde o Atlético falharia por muito pouco o regresso à LaLiga, onde passou praticamente toda a sua história. Torres, enquanto menino bonito da “cantera“, haveria de simbolizar a esperança dos adeptos do antigo Vicente Calderón de regressar aos maiores palcos, onde o clube pertencia.

Ainda à procura do seu espaço, apontou 6 golos na subida do clube de Madrid na temporada seguinte, e explodiu na principal competição do futebol espanhol, à medida que se ia transformando num avançado de elite mundial. Assume a braçadeira de capitão com apenas 19 anos e lidera o clube durante as épocas seguintes, apontando 91 golos até ao Verão de 2007, quando decide ter chegado o momento de dar o salto para uma nova aventura: Anfield e o Liverpool FC.

Em Liverpool, rapidamente formaria uma dupla monstruosa com Steven Gerrard e se tornaria ídolo das bancadas. Com 24 golos na Premier League, bateu o recorde para a estreia mais prolífica de um jogador estrangeiro na história da competição. Daria seguimento a isso com muitos outros golos (81, no total) e momentos de pura genialidade, até Janeiro de 2011, altura em que o Chelsea paga mais de 50M€ pelos seus serviços, no que à data foi uma das maiores transferências da história do futebol.

Mas, se em Anfield havia conhecido momentos de glória, no Chelsea e apesar de alguns períodos muito bem conseguidos, Fernando Torres sofreria uma crise de confiança como poucas vezes se viu ao mais alto nível. A qualidade técnica manteve-se, mas o bloqueio psicológico na hora da finalização foi crescendo e tornou-se quase confrangedor, ao ponto de nunca ter apontado mais de 8 golos na liga pelo clube londrino. O empréstimo ao AC Milan teve poucos resultados práticos, e o avançado espanhol encontrava-se agora numa espiral descendente na sua carreira e nível futebolístico.

Precisava de novos ares, novas caras, uma nova casa.

Casa. Foi precisamente para casa que Torres decidiu voltar, aos 31 anos e com o objectivo de recuperar a confiança, de resgatar a desfaçatez com que encarava os defesas adversários e colocava a bola no fundo das redes, uma e outra e outra vez.

O técnico Diego Simeone, ciente da importância que o avançado tinha no seio do clube, reintegrou-o e encaixou-o da melhor forma num Atlético muito superior ao que Torres havia deixado em 2007. E o espanhol recuperou a alegria, a confiança e o sorriso no rosto, apontando 38 golos neste regresso, ajudando o clube a conquistar a Liga Europa em 2018 e tendo direito a uma mais que merecida homenagem no novo Wanda Metropolitano, com as bancadas cheias das mesmas pessoas que o haviam visto crescer desde que era um menino.

Haveria ainda de rumar ao Japão, para terminar a carreira no Sagan Tosu. Porém, há apenas um clube onde Fernando Torres é indiscutivelmente visto como uma figura mítica.

O clube do seu coração.

Como jogava… “El Niño” Torres

No seu auge, o avançado espanhol estabeleceu a bitola para tudo aquilo que um “9” moderno deveria ser. Móvel, capaz de bater adversários em velocidade mas também sagaz a identificar os momentos em que deveria ficar mais central e servir de referência para ligar com os seus companheiros. Criativo, na forma como encontrava soluções com bola até para os mais complexos problemas. Decisivo, agigantava-se nos maiores duelos e aproximava a sua equipa da vitória. Goleador, pelo “sexto sentido” que o colocava quase sempre no sítio certo para marcar.

Torres era evoluído em tudo o que envolvia o jogo em zonas de finalização. Muito versátil, foi capaz de brilhar alto num futebol mais vertical e físico como o da Premier League, mas foi também protagonista no domínio de uma Espanha que conquistou tudo o que havia para conquistar entre 2008 e 2012, lançando o célebre “tiki-taka” para a ribalta, baseando-se num futebol de posse, pensado, cirúrgico e que desmontava a estratégia adversária com paciência, de forma metódica.

No seu livro de memórias, constam “postais” do golo que deu a vitória a “La Roja” na final do Europeu, do tento definitivo em Camp Nou que confirmou a eliminação do FC Barcelona de Pep Guardiola da Champions League, em 2012, ou das várias obras de arte que desenhou em Liverpool, com a ajuda de Steven Gerrard, naquele que foi o ápice do seu rendimento futebolístico.

O seu nível técnico estava claramente acima da média, como é apanágio do jogador espanhol. Torres sentia-se confortável em espaços curtos, possuía um primeiro toque desconcertante e finalizava com ambos os pés, muitas vezes até de zonas inusitadas e de posições pouco ortodoxas. Muito mais do que apenas um “9” de área, era ainda capaz de avançar para o 1×1 e criar oportunidades de golo para si próprio.

Em fases mais adiantadas da carreira, e fustigado por algumas lesões, nem a perda de velocidade fez com que deixasse de ter impacto nas partidas. Torres refinou a sua leitura de jogo, aprimorou a sua técnica de remate com ambos os pés e optimizou as zonas do último terço onde mais poderia ser eficaz e ferir o oponente. Tudo sempre embelezado por uma camada de classe que acompanhou o avançado espanhol durante todo o seu percurso, e que tornava aparentemente fácil e natural o que, para muitos outros, era impossível.

Numa carreira de altos e baixos, “El Niño” era intratável nos seus melhores dias.

Para sempre lembrado como um símbolo do clube nas bancadas do Vicente Calderón, primeiro, e do Wanda Metropolitano, depois, Fernando Torres engrandeceu um clube nas ruas da amargura, deu-lhe a mão, trouxe-o de volta para a companhia dos grandes e foi o primeiro grande foco de esperança de um século onde o Atlético Madrid se projectou para o mundo. A sua contribuição para os “colchoneros” e para o sucesso da selecção fazem com que ele ocupe um lugar próprio e único na história.

“El Niño” é uma lenda de pleno direito do futebol espanhol.